Débora Motta
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| Ilustração retrata o deck de um navio negreiro na Jamaica, no século XIX. Mais de 12 milhões de pessoas negras escravizadas cruzaram os oceanos entre os séculos XVI e XIX (Arte: "Deck of Slave Ship, Jamaica, 19th cent", disponível em: www.slaveryimages.org) |
Pela primeira vez, um pesquisador brasileiro sediado no Brasil foi contemplado com uma bolsa ERC Synergy Grant, concedida pelo European Research Council (ERC), a principal organização da União Europeia para o financiamento de pesquisa de ponta e excelência. O historiador e professor Leonardo Marques, do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), integra o projeto TASTADE (The Transatlantic Slave Trade and the Development of Europe), que investigará o comércio transatlântico de pessoas escravizadas e seu impacto no desenvolvimento europeu.
Marques é o segundo pesquisador na América Latina e Caribe a integrar uma rede agraciada com uma bolsa ERC Synergy Grant, o mais alto fomento da agência. O projeto interinstitucional, de cooperação internacional, receberá um financiamento da ordem de 10 milhões de euros ao longo de seis anos. O trabalho envolve pesquisadores da Lancaster University (líder, do Reino Unido), UFF (única instituição do Brasil a participar da rede), Vrije Universiteit Amsterdam (Holanda) e Université Côte d'Azur (França).
O projeto TASTADE vai investigar, de 2026 a 2031, de que forma o comércio transatlântico de africanos escravizados influenciou o desenvolvimento econômico, político e cultural da Europa. A rede de pesquisa internacional investiga como esse comércio ilegal, responsável pelo deslocamento forçado de mais de 12 milhões de pessoas entre os séculos XVI e XIX, estava relacionado às diversas esferas de poder e como os agentes envolvidos nesse comércio ocuparam cargos políticos, financiaram instituições culturais e formaram redes transnacionais entre portos como Londres, Lisboa, Rio de Janeiro, Salvador e Havana.
“Com essa rede de pesquisa, vamos criar um extenso banco de dados internacional, com informações sobre milhares de financiadores do tráfico de escravizados e suas redes de atuação, permitindo analisar as ramificações econômicas, políticas e culturais do processo em escala global”, disse Leonardo Marques, que é professor do Departamento de História da América da UFF, onde dá aulas para alunos da graduação e da pós-graduação.
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| Leonardo Marques investiga a relação entre a escravidão, o colonialismo e o desenvolvimento, em projeto que envolve esforços de pesquisadores do Reino Unido, Holanda, França e Brasil (Foto: Acervo pessoal) |
“Vamos explorar a questão da escravidão e do desenvolvimento sobre novas bases, para além da dimensão puramente econômica, e ver como ela marcou a história da Europa, para também entender melhor as nossas relações entre Brasil e Portugal. Pretendemos abrir uma grande frente de discussões entre colonialismo, escravidão e desenvolvimento”, destacou. “A ideia é levantar o maior número possível de nomes dos investidores dessas viagens, e compreender como pequenas figuras usaram o tráfico de pessoas negras escravizadas para ascender socialmente, e como se criou uma legitimidade nessa sociedade. Não eram apenas grandes investidores, existiam investidores de diferentes origens sociais, como pequenos comerciantes e capitães dos navios negreiros. Vamos explorar os diversos estratos sociais além da elite”, detalhou Marques, que foi contemplado pela FAPERJ com um Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1), em 2019.
De acordo com o historiador da UFF, o projeto deve contar com uma equipe de aproximadamente 40 pessoas. “Para elaborar a base de dados e organizar diversos simpósios e eventos de divulgação científica, o projeto envolve a contratação de diversos doutorandos e pós-doutorandos, ajudando a movimentar recursos humanos altamente qualificados envolvidos no tema da pesquisa”, contou. “Queremos criar uma referência internacional no campo de estudos sobre a escravidão na era moderna, atraindo especialistas de diferentes países e contribuindo para ampliar a compreensão sobre o papel do Brasil no sistema escravista atlântico.”
Sobre o ERC Synergy Grant
O ERC Synergy Grant financia projetos ambiciosos realizados por grupos de dois a quatro pesquisadores de todas as nacionalidades, sendo que um deles pode estar sediado fora da Europa. “As bolsas ERC Sinergy Grant induzem a formação de redes de pesquisa internacionais, com recursos compartilhados, para pesquisadores de todas as áreas do conhecimento, incluindo ciências humanas e sociais, desde que tenham Doutorado, dois anos de experiência e um projeto de pesquisa inovador”, disse a coordenadora regional do EURAXESS Latin America and the Caribbean (LAC), Charlotte Grawitz.
“A grande vantagem dessa bolsa é que ela financia e estimula grupos de pesquisa, ao contrário das outras modalidades de bolsas, que são individuais e só contemplam pesquisas realizadas em instituições europeias. No caso da Sinergy, um pesquisador ou pesquisadora do grupo pode estar sediado fora da Europa, o que favorece o diálogo científico com outros continentes e a complementariedade entre os conhecimentos na área”, ponderou Charlotte.