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Publicado em: 23/10/2025 | Atualizado em: 23/10/2025

Apaixonados por morcegos: compreender para conviver em harmonia

Claudia Jurberg

A bióloga Elizabeth Captivo Lourenço segura uma espécie de morcego: bolsista de Pós-Doutorado Sênior da FAPERJ, ela explica que esses animais revelam pistas importantes sobre a saúde dos ecossistemas (Fotos: Divulgação/Uerj)

Você teria coragem de manipular um morcego? A maioria das pessoas provavelmente responderia "não". No imaginário popular, esses animais são associados a lendas, vampiros e doenças. Mas a verdade é que, sem eles, nossas florestas seriam mais pobres, nossas lavouras mais vulneráveis e até o chocolate poderia se tornar mais caro. Isso porque morcegos desempenham diversos papéis que auxiliam o equilíbrio dos ecossistemas. Eles são fundamentais para a manutenção da biodiversidade tropical e o equilíbrio das florestas. Morcegos frugívoros atuam na dispersão de sementes, contribuindo para a regeneração de áreas degradadas e, por isso, considerados os “jardineiros noturnos” dos nossos biomas. Morcegos nectarívoros polinizam flores que se abrem no período noturno, como as agaves, utilizadas na produção da tequila.

Além disso, morcegos são poderosos aliados no controle de insetos. Espécies insetívoras consomem toneladas de insetos por noite, ajudando a conter pragas agrícolas e vetores de doenças, como o mosquito da dengue. Um único morcego pode se alimentar de milhares de insetos em poucas horas, especialmente fêmeas grávidas e lactantes, que têm maior demanda energética. Com isso, contribuem para a redução do uso de pesticidas, cujos impactos podem ser nocivos tanto ao meio ambiente quanto à saúde humana. 

Bolsista do programa Pós-Doutorado Sênior, da FAPERJ, a bióloga e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Elizabete Captivo Lourenço explica que por serem sensíveis a alterações no ambiente, os morcegos também são indicadores ambientais importantes: a presença, ausência, ou quantidade de algumas espécies diz muito sobre a saúde dos ecossistemas. 

"Atualmente, há quase 1.500 espécies de morcegos reconhecidas no mundo, mas bastou um único indivíduo para eu me apaixonar pelos morcegos. Foi ainda durante a graduação em Ciências Biológicas, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em uma aula de campo, que me apaixonei por esse grupo fascinante e pelas múltiplas possibilidades de pesquisa que ele oferece", afirmou Elizabete. 

Casas para morcegos: uma alternativa sustentável 

Apesar de seu papel ecológico crucial, a presença de morcegos frequentemente causa conflitos com humanos, especialmente em áreas urbanas. Em algumas regiões é comum encontrar colônias de morcegos habitando os forros dos telhados. Na tentativa de afastá-los, proliferam-se na internet receitas caseiras de venenos a naftalina, passando por óleos essenciais, repelentes sonoros e até combustíveis. No entanto, esses métodos são ineficazes e a matança desses animais silvestres é crime, além de ser cruel, com consequências negativas para o ambiente. 

Acima, detalhe de duas Bat Houses, feitas em madeira e instaladas na parte externa de residência, para abrigar os morcegos de forma segura. Elas contêm câmaras internas onde esses animais procuram refúgio, podendo entrar e sair livremente (Foto: Divulgação)

"Foi pensando nisso que, entre 2023 e 2024, com apoio da FAPERJ, por meio da Piper 3D, em parceria com o Laboratório de Ecologia de Mamíferos, da Uerj, desenvolvemos um projeto para criar uma alternativa habitacional para os morcegos, garantindo a segurança deles e a satisfação dos moradores: a Bat House, ou casa de morcego", lembrou. 

Bat houses são abrigos artificiais que simulam os locais de descanso naturais desses mamíferos, como fendas em árvores e rochas, oferecendo proteção contra predadores e intempéries. Para funcionar, devem ser construídas com materiais não tratados, conter câmaras estreitas, cheiros conhecidos por esses animais, ser instaladas em locais com boa exposição solar por 6 a 8 horas diárias e livres de vegetação próxima, que possa obstruir o voo ou facilitar ataques de predadores. 

"Nosso projeto consistiu em testar modelos internacionais ao contexto brasileiro, buscando sua eficácia nos nossos ambientes. Elaboramos um protocolo para remoção responsável de colônias de telhados, e instalamos oito unidades em residências no distrito de Lumiar, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. O objetivo é promover uma convivência mais harmoniosa entre humanos e morcegos, reduzindo conflitos e preservando os serviços ecossistêmicos desses animais", explicou Elizabete. 

Um trabalho intenso de sensibilização foi realizado, buscando parceiros que quisessem adentrar nessa pesquisa, resolver um problema real que são os morcegos no telhado, e, numa perspectiva de ciência-cidadã, criar parceiros engajados para a conservação do ambiente e dos morcegos. 

Ela explica que nem tudo saiu como o planejado. Até o momento, os morcegos têm resistido a adotar as bat houses brasileiras. No exterior, a técnica é bem-sucedida, mas por aqui os pesquisadores seguem em busca de aprimoramentos. Ainda assim, investem em alternativas criativas para mudar a percepção da maioria das pessoas. Enquanto, em alguns países, as pessoas atraem os morcegos para o redor das suas casas, aqui no Brasil ainda há resistência até para conhecê-los melhor. 

Morcegos na praça: educação e ciência para todas as idades 

Se há morcego, há boa conversa — e muita ciência! O grupo de pesquisa acredita que a convivência começa com informação. Por isso, eles têm realizado atividades educativas em praças públicas, voltadas a públicos de todas as idades, do Rio de Janeiro ao Amapá. É o projeto Morcegos na Praça. 

"Já estivemos em Águas de Lindóia (SP), Juiz de Fora (MG), Pirenópolis (GO), Fortaleza, Macapá e vários lugares no estado do Rio de Janeiro como o Parque Madureira, o Parque Natural Municipal da Prainha, o Parque Estadual do Cunhambebe, entre outros. Nessas ações, esclarecemos dúvidas da população, abordamos a importância ecológica dos morcegos e suas relações com a saúde pública, além de trazer curiosidades surpreendentes, como sobre o comportamento sexual", disse. 

Grupo de pesquisa na Uerj analisa a saúde dos morcegos, investigando a presença de parasitas, poluentes e sinais de doenças, como a raiva (Foto: Priscila Monteiro)

Você sabia, por exemplo, que o morcego-hortelã-escuro (Eptesicus serotinus) possui um órgão reprodutivo que pode atingir até um quarto do tamanho do corpo, com uma ponta em formato de coração? Ou que o ato sexual mais longo registrado entre morcegos durou 13 horas? Há também espécies, como o Cynopterus sphinx, em que as fêmeas realizam sexo oral nos machos durante o coito — uma prática que pode ter funções ligadas à lubrificação, higiene ou prevenção de doenças. 

Esses aspectos curiosos ajudam a aproximar as pessoas desses animais, mostrando que, além de essenciais, os morcegos também são fascinantes. 

A saúde dos morcegos é também a nossa 

Como parasitologista, Captivo também dedica parte do meu trabalho a investigar a saúde dos morcegos no Estado do Rio de Janeiro. Nas expedições, o grupo analisa a presença de parasitas (como artrópodes, helmintos e protozoários), poluentes (como metais pesados e agrotóxicos) e sinais de doenças, e a presença de vírus como a raiva. 

"Nossas coletas acontecem em áreas na Ilha Grande, no Monumento Natural do Arquipélago das Ilhas Cagarras e a Reserva do Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu. Só nas Cagarras, a logística é uma aventura à parte: chegamos de barco, nadamos até as ilhas carregando equipamentos em barris e cordas, e aproveitamos ao máximo as janelas climáticas. Se o mar virar, o vento aumentar ou chover, tudo precisa ser interrompido", contou.

Ela explica que já coletaram cerca de 200 morcegos até agora, e a boa notícia é que nenhum deles testou positivo para o vírus da raiva. E, sim, a raiva é transmitida pela saliva, e arranhões e mordidas podem veicular o vírus. Cuidado e informação são as melhores formas de prevenir acidentes.

Por isso, Captivo ressalta que é fundamental que a população saiba como agir ao encontrar um morcego caído: não toque. O ideal é cobrir o animal com um balde e acionar o centro de zoonoses. Caso não consiga acesso rápido na sua cidade, pode-se usar uma toalha, pote ou pá para colocá-lo em local seguro, ao ar livre, protegido de animais domésticos.

Vale lembrar que morcegos também adoecem e morrem de raiva. Não são apenas vetores. Por isso, quando estão doentes são mais fáceis de serem encontrados.

E aquela velha dica de acender e apagar a luz para que ele vá embora? É ineficaz. O certo é manter as janelas bem abertas e fechar as portas dos cômodos, criando uma rota de saída, em caso de adentramento.

Seja como polinizadores, controladores de pragas, regeneradores florestais ou bioindicadores ambientais, os morcegos têm um papel insubstituível no equilíbrio da vida. Conhecê-los, protegê-los e aprender a conviver com eles é uma urgência e um convite à curiosidade científica.

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