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Publicado em: 10/07/2025 | Atualizado em: 11/07/2025

Físicos fluminenses lideram experimento de ponta sobre neutrinos

Débora Motta

As físicas Carla Bonifazi (à esq.), do CBPF, e Irina Nasteva, da UFRJ, somam esforços no Connie, experimento que coloca o estado do Rio de Janeiro e a América Latina em posição de destaque no cenário da Física internacional (Fotos: Divulgação)  

Os mistérios da Física dos neutrinos ainda não decifrados pelos cientistas estão na mira de estudos conduzidos por físicos fluminenses, em um esforço conjunto que envolve pesquisadores do Laboratório de Física de Partículas Elementares, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (LAPE/UFRJ), e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). No LAPE, a física Irina Nasteva coordena, com apoio da FAPERJ, as operações do experimento Connie (Experimento de Interação Coerente entre Neutrino-Núcleo, na sigla em inglês), um grande projeto de cooperação científica internacional com liderança brasileira, que envolve cerca de 35 membros, de seis países (Brasil, Argentina, México, Estados Unidos, Paraguai e Suíça), localizado nos arredores do reator Angra 2, na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto. Já a física Carla Bonifazi, pesquisadora do CBPF, foi nomeada em janeiro de 2024 como spokesperson do experimento, posição que coloca o Brasil em papel de liderança no projeto internacional. No Rio de Janeiro, o projeto também conta com a participação do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-RJ), campus Angra.

“O Brasil está em posição privilegiada para realizar estudos experimentais de neutrinos de reatores, pois dispõe de um laboratório funcional instalado desde 2014 em um contêiner situado a 30 metros do núcleo do reator de Angra 2. Esta é uma condição favorável, que poucos países têm”, explicou Irina.

Como reconhecimento da crescente participação de pesquisadores brasileiros na área de neutrinos, o Rio de Janeiro foi escolhido para sediar, de 9 a 11 de junho, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na Urca, o workshop Magnificent CEvNS, que apresentou discussões de alto nível em Física das partículas, e foi precedido da realização de um curso de formação, a CEvNS School, que ocorreu de 5 a 7 daquele mês, para a formação de recursos humanos na área. “Foi a primeira vez que esse evento, que reúne os maiores especialistas mundiais da área, foi organizado no Brasil e no Hemisfério Sul”, contou a física.

Os neutrinos, partículas que permeiam todo o universo, são produzidos quando os núcleos atômicos se unem ou se separam, e não possuem carga elétrica. Pouco se sabe, porém, sobre os padrões de comportamento das interações entre os neutrinos. No experimento Connie, a equipe investiga como os neutrinos interagem com todo o núcleo de um átomo em baixas energias, denominado pelos pesquisadores de “Espalhamento elástico coerente de neutrino-núcleo” (CE𝜈NS).

A chave da tecnologia inovadora utilizada no Connie são os “skippers CCDs” (Dispositivos de Carga Acoplada, na tradução em inglês). Trata-se de sensores de ponta, capazes de detectar partículas em baixíssimas energias, devido aos reduzidos ruídos de leitura das medidas da carga. Por serem altamente sensíveis, detectam partículas em energias até então inacessíveis. Essa peculiaridade abre uma nova janela para a pesquisa em Física fundamental e aplicada, particularmente para os estudos da interação dos neutrinos além do Modelo Padrão.

O experimento busca detectar os neutrinos produzidos no reator, que são muito difíceis de interagir, apesar de existirem em grande número na natureza. “Em geral os detectores de neutrinos no mundo são enormes e ficam debaixo da terra pra serem protegidos dos raios cósmicos. No Connie, usamos os sensores CCDs, com menos de um grama de massa, ao nível do mar. Esses sensores utilizam uma tecnologia similar às câmaras de celulares e são feitos para detectar matéria escura e neutrinos”, detalhou Irina.

Experimento está localizado em um contêiner instalado a cerca de 30 metros do reator nuclear de Angra 2 e envolve o trabalho conjunto de pesquisadores de diversas instituições, entre elas, no Rio de Janeiro, CBPF, UFRJ e Cefet, campus Angra

Ela contou que, entre os pesquisadores envolvidos na colaboração internacional Connie, os brasileiros representam aproximadamente um terço. E, entre os brasileiros, os fluminenses são maioria. “Nós lideramos o experimento desde a instalação e operações, até a análise e interpretação de dados e publicações. Em geral, nós controlamos o experimento por acesso remoto, mas às vezes temos que ir até Angra fazer uma manutenção no detector”, disse Irina. “Nos últimos cinco anos, o experimento tem tido operações e instalações muito fortemente apoiadas pela FAPERJ. Também contamos com apoio da Eletronuclear e do Fermilab, nos Estados Unidos, para os sensores”, acrescentou. Entre esses editais, estão o Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro, o APQ 1 e o Apoio a Projetos Temáticos no Estado do Rio de Janeiro.

Física com um pós-doutorado pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, e dois pós-doutorados pelo CBPF – um deles como bolsista da FAPERJ –, Irina é búlgara, com graduação em Física pela Universidade de Sófia – a instituição de ensino superior mais antiga no seu país, localizado na Península dos Bálcãs, na Europa do Leste.

Curiosamente, ela conta que se interessou em vir para o Brasil motivada pela paixão pela música brasileira, pois quando estudava em Manchester integrou um grupo de samba, chamado Republic of Swing. Logo se encantou com a cultura nacional e veio se dedicar à Física, como professora e pesquisadora na UFRJ. “Física e a Música possuem em comum a beleza, a simetria e a harmonia”, disse Irina, que participa do Coralito, grupo vocal de música popular brasileira coordenado pela regente Ignez Perdigão.

Outro destaque para a ciência fluminense foi a nomeação de Carla Bonifazi como spokesperson do experimento. Carla, que foi professora do Instituto de Física da UFRJ, assumiu assim a responsabilidade de cuidar de todos os aspectos de instalação, operação, manutenção e análise de dados do experimento, e de liderar o projeto internacional.

“Foi uma alegria ser escolhida como spokesperson. Ao mesmo tempo, é um enorme desafio e uma oportunidade única ter um experimento de física de partículas sediado no Brasil e na América Latina. Sabemos que a maioria dos experimentos de Física de partículas está concentrada nos Estados Unidos, Europa e, mais recentemente, na China. O Connie nos oferece a chance de desenvolver e consolidar expertise local, fortalecendo nossa atuação científica na região. Faço parte do projeto desde o início, ainda antes da instalação dos primeiros sensores, e tenho acompanhado de perto todas as melhorias implementadas ao longo dos anos, à medida que fomos aprimorando a técnica de detecção e consolidando o experimento. Como spokesperson, também atuo na articulação com novos colaboradores internacionais e na definição dos rumos científicos que o experimento deve seguir”, disse Carla.

Ela também destaca que o experimento Connie pode abrir portas para um entendimento melhor da Física e gerar aplicações práticas para a sociedade. “Com o estudo dos neutrinos, poderemos, por exemplo, usar esse conhecimento para monitorar o funcionamento de reatores nucleares. No futuro, essa tecnologia poderá ser utilizada no desenvolvimento de mecanismos de controle do uso dos reatores, garantindo que sejam utilizados para fins pacíficos, como parte de ações de salvaguarda”, citou.

Carla é argentina, natural de Cidadela, na periferia de Buenos Aires. Possui graduação e doutorado em Física pela Universidade de Buenos Aires e realizou pós-doutorado no CBPF e no Laboratório de Física Nuclear e de Altas Energias, na França, com bolsa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). “É importante, como mulher e pesquisadora, inspirar outras pesquisadoras para que possamos reduzir a lacuna das mulheres cientistas na área de Ciências”, concluiu.

O grupo de pesquisa publicou, em fevereiro de 2025, artigo na renomada revista científica internacional Physical Review Letters, intitulado Search for Reactor-Produced Millicharged Particles with Skipper-CCDs at the CONNIE and Atucha-II Experiments. 

O projeto envolve uma equipe ampla, com pesquisadores de diversas instituições. Entre eles estão, no Rio de Janeiro: o engenheiro elétrico e tecnologista do CBPF, Herman Pessoa; o físico Martin Makler, também pesquisador do CBPF, contemplado pelo programa Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ; o físico João dos Anjos, que foi professor titular do CBPF e continua como pesquisador colaborador da instituição; e o físico Aldo Rosado, do Cefet/RJ, campus Angra dos Reis.

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