Paula Guatimosim
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Construção antiga e em condições precárias, no bairro da Glória, abriga 61 famílias (Foto: Francisco Viniegra) |
Levantamento feito pelo governo em 2024 identificou 3.213 imóveis não operacionais administrados pelo INSS. A fim de aproveitar esses imóveis inutilizados da União para moradia e outros fins sociais, como saúde, educação e segurança, o governo federal lançou o Programa de Democratização dos Imóveis da União. O programa pretende dar uma destinação estratégica ao patrimônio público, minimizar o déficit habitacional junto à população em situação de vulnerabilidade social, e reduzir os gastos do INSS com a manutenção desses prédios. À época, do total de 3.213 imóveis, 483 foram considerados elegíveis para o programa, sendo 12 prédios para projetos habitacionais e 471 áreas ocupadas e conjuntos habitacionais a serem regularizados. As unidades constam na portaria conjunta nº13, de 31 de março de 2021.
Projeto conduzido na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), amparado no tripé pesquisa-ensino-extensão, prevê a prestação de serviço gratuito de Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) como prática extensionista e transdisciplinar. A Lei nº 11.888/2008, que instituiu a ATHIS, garante a famílias com renda de até três salários mínimos assistência pública e gratuita em elaboração de projetos, acompanhamento e execução de obras necessárias para a edificação, reforma ampliação ou regularização fundiária de suas moradias em áreas urbanas e/ou rurais. Em 2017, projeto de lei, encaminhado pela vereadora Marielle Franco, estendia esse benefício ao município.
A pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo Maíra Machado Martins, atual coordenadora do Instituto de Estudos Avançados em Humanidades, vinculado ao Decanato do Centro de Teologia e Ciências da PUC-Rio, vem se dedicando ao estudo de imóveis ociosos que são ocupados e da produção do espaço em conjuntos habitacionais e favelas há 18 anos. Naquela época, ela se dedicava à pesquisa sobre os “condomínios populares” da Avenida Brasil. “Há muita casa sem gente e muita gente sem casa”, alega. Um trabalho que ganhou impulso com o Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades em 2023[1] (MCMV-Entidades). Destinado ao público-alvo de famílias cuja composição de renda chega a R$ 2.640,00 brutos mensais, a nova edição do Programa ampliou as modalidades de financiamento, compreendendo a requalificação de imóveis usados, vazios abandonados e subutilizados, situados em áreas urbanas que apresentem infraestrutura, equipamentos e serviços públicos adequados. O programa vem viabilizando a modernização de construções antigas, preservando suas características originais, mas adaptando-as às necessidades e exigências atuais, o chamado retrofit, com provisão de até R$238.000,00 por unidade habitacional.
Mais recentemente, a pesquisadora começou a se dedicar ao estudo desses imóveis subordinados à Secretaria de Patrimônio da União. Em 2023, ela e uma equipe multidisciplinar, que reúne arquitetos e urbanistas, engenheiros civis, advogados, cientistas sociais e assistentes sociais, passaram a se dedicar ao estudo de ocupação de imóvel da União no bairro da Glória. O casarão antigo onde funcionou, no início do século XX, o Hotel Moderno, hoje propriedade da União, abriga 61 famílias, sendo que algumas ali residem há mais de 20 anos. A equipe verificou o estado e os riscos que a construção apresentava na estrutura, telhado, piso etc. Os assistentes sociais, por sua vez, aplicaram questionários junto aos usuários a fim de levantar suas necessidades e hábitos coletivos e individuais, além de sua relação com a cidade. Os pesquisadores ainda recuperaram e digitalizaram as plantas do imóvel, e com Auxílio da tecnologia LiDAR (Light Detection and Ranging) “escanearam” o imóvel criando um modelo tridimensional para estudos de projeto de reforço estrutural e de instalações hidrossanitárias e elétrica.
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Maíra Machado Martins: para a pesquisadora, 'há muita gente sem casa e muita casa sem gente' (Foto: Arquivo Pessoal) |
Contemplada no Programa de Apoio às Cientistas Mães com vínculo em ICTs do Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ, muitas vezes Maíra precisou levar sua filha pequena para o trabalho, que normalmente acontece aos sábados. “Acho importante que ela conheça a realidade da cidade em que vive, que tenha conhecimento das desigualdades e injustiças sociais”, alega a mãe de Alice, que hoje, aos 11 anos, prefere os programas comuns à pré-adolescência, na companhia de amigas.
Maíra ressalta a importância da Universidade e dos editais da FAPERJ para viabilização dos projetos. No caso da Fundação, os recursos serão utilizados para a montagem do Colabis – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Projeto e Práticas Colaborativas de Interesse Social, reunindo a equipe multidisciplinar, além da aquisição de material para a realização de oficinas com as comunidades. A pesquisadora participou do lançamento do programa no Palácio Guanabara, em março passado. “Foi muito emocionante presenciar o lançamento de um edital que apoia políticas afirmativas e reparadoras”, afirmou.
O projeto já conta com dois estudantes de mestrado e uma de graduação desenvolvendo pesquisas no tema da assessoria, a partir da prática extensionista. Com os projetos, os pesquisadores esperam ainda formar recursos humanos, tanto na graduação quanto na pós-graduação, com especialidades e experiências no campo da habitação popular e da ATHIS; gerar produção acadêmica e divulgação das pesquisas que são realizadas nos Laboratórios da PUC-Rio; contribuir com a produção acadêmica sobre o tema da apropriação do espaço e do habitar, sobretudo na sua articulação com as práticas de extensão no ensino e na pesquisa com pesquisadores de outras instituições e parceiros internacionais. Ainda este ano, Maíra pretende publicar o livro “De fábricas a Condomínios Populares”, que detalha a pesquisa sobre ocupações às margens da Av. Brasil, trabalho que originou projeto recentemente contemplado, e que também recebeu apoio da FAPERJ por meio do edital de Apoio à Editoração.
[1] Instrução Normativa nº 28, de 04/07/2023