Paula Guatimosim
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Praia do Catalão, local onde a pesquisa foi realizada (Fotos: Tainan Fernandes) |
Pesquisa inédita, fruto de parceria entre as universidades do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e as Federais Fluminense e do Rio de Janeiro (UFF e UFRJ), põe em cheque as informações disponíveis na literatura de que as águas costeiras eutróficas urbanas, ecossistema tropical fortemente impactado por descargas de esgotos antropogênicos, contribuem para sequestrar o gás de efeito estufa dióxido de carbono - CO2. O estudo, premiado internacionalmente pela Association for the Sciences of Limnology and Oceanography (Aslo), uma das principais publicações em Oceanografia, revela que as águas eutróficas, na verdade, podem liberar mais CO2 do que capturam da atmosfera, o que também pode estar contribuindo para a redução do oxigênio disponível.
O principal diferencial da pesquisa, que integra o Programa de Biomonitoramento Contínuo de Águas da Baía de Guanabara (BiCA) no âmbito do Programa Ecológico de Longa Duração (PELD-Guanabara), é o expressivo número de dados coletados simultaneamente de CO2 e oxigênio em alta frequência, abrangendo o período noturno em todas as estações sazonais do ano. As coletas foram realizadas na Praia do Catalão, junto ao hangar da UFRJ na Ilha do Fundão, de minuto a minuto durante 24 horas, uma vez por mês, ao longo de aproximadamente dois anos. O resultado preenche uma lacuna científica deixada na literatura.
Segundo Tainan Fernandes, primeira autora do artigo, as pesquisas disponíveis até então resultaram de coletas realizadas apenas durante o período da luz do dia ou com base em uma ou algumas medições. A pesquisadora conta que a escassez de coletas durante as 24 horas, abrangendo o período noturno, dificulta o entendimento da variabilidade diária e sazonal do CO2 e do oxigênio em águas costeiras eutrofizadas, onde os processos metabólicos altamente dinâmicos variam entre o dia e a noite, se comportando entre sumidouro ou fonte dos gases. A literatura disponível sub-representa frequentemente as águas costeiras tropicais nas compilações globais, principalmente em regiões do Sul Global, como a América do Sul e a África.
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BiCA (biomonitoramento contínuo de águas) é um sistema contínuo de amostragem de CO2, oxigênio e outros parâmetros de qualidade da água |
O ineditismo do trabalho rendeu à Tainan a premiação internacional “L&O Letters Early Career Publication Honor” pela Aslo em 2022 e a publicação do artigo na Limnology and Oceanography Letters (2025). A Aslo considera que muitos pesquisadores em início de carreira em todo o mundo estão realizando ciência inovadora e impactante. Considerando que muitos não têm recursos para pagar pela publicação de seus trabalhos em acesso aberto (AA), a associação mantém o programa “L&O Letters Early Career Publication Honor (ECPH)”, custeando a publicação em AA para pesquisadores de destaque. Tainan conta que com sua dissertação de mestrado (na UFF) sua candidatura ascendeu ao topo entre pesquisadores de início de carreira de diferentes países.
O estudo mostra que a hora de coleta pode ser crucial para a avaliação das trocas de CO2 entre o oceano e a atmosfera, ou seja, não existe um "melhor horário representativo" para estimar os fluxos de CO2 de troca entre água-ar. É preciso coletar ao longo de 24 horas em alta frequência para um melhor entendimento sobre a emissão do CO2 e de desoxigenação. Tainan revela que a pesquisa em oceanografia tem um alto custo, o que levou os pesquisadores das três universidades a colaborarem com suas expertises e realizarem adaptações para a retirada da água e consequentemente, medirem o gás e responderem às questões científicas. Simultaneamente, cada laboratório disponibilizou seus recursos e estrutura para a realização de mais de 20 diferentes metodologias de análises, incluindo temperatura da água, salinidade, pH, concentrações de clorofila e nutrientes dissolvidos.
A pesquisadora, que continua seu estudo no doutorado na Uerj, explica que as variações diárias da pressão parcial do CO2 foram até 3 vezes maiores do que as sazonais, o que confirmou a hipótese de que as estimativas anuais dos fluxos de CO2 entre a água do mar e o ar, baseadas em medições apenas à luz do dia, podem ser significativamente enviesadas, superestimando em média ~ 146% pela manhã e subestimando em ~ 194% à tarde, em comparação com a escala diária, sublinhando o papel do enriquecimento antropogênico de nutrientes na amplificação das alterações a curto prazo. Ela e sua equipe constataram que tudo o que é assimilado durante o dia era eliminado à noite juntamente com a sua prevalência durante o amanhecer, devido a entradas enriquecidas com matéria orgânica sob eutrofização cultural, contribuindo para que as águas costeiras tropicais atuem como fontes de CO2 anualmente para a atmosfera, numa média de 533 mmol de Carbono por m2.
“Os resultados da nossa pesquisa podem contribuir no balanço regional e mundial de Carbono. Em um oceano costeiro cada vez mais quente e eutrofizado, uma melhor compreensão da variabilidade diária em curto prazo torna-se fundamental para evitar estimativas irrealistas dos fenômenos de desoxigenação e das trocas de CO2 com a atmosfera no longo prazo. Portanto, é urgente tratarmos as bacias de drenagem para que a situação das águas costeiras não piore ainda mais”, acredita Tainan, que defende políticas públicas que abranjam os programas de monitoramento de gases de efeito estufa ao longo da costa brasileira, principalmente diante do cenário de mudanças climáticas.
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Tainan Fernandes: para a pesquisadora, resultados do estudo podem contribuir no balanço regional e mundial de Carbono |
"Este tipo de estudo sobre a variação de alta resolução temporal de gases de efeito estufa, tais como em intervalos de 1 minuto ao longo de períodos diurnos e noturnos, se tornam essenciais para melhorar nossa previsibilidade e capacidade de resposta sobre a conexão entre a segurança hídrica e as mudanças climáticas. A proposta de monitoramento diário de longo prazo no âmbito do Programa de Biomonitoramento Contínuo de Águas (BiCA), enquanto ação do Programa Ecológico de Longa Duração da Baía de Guanabara (PELD-Guanabara), coordenada pelo professor Paulo Salomon, da UFRJ, apresenta importância para ser replicada, considerando a ampla extensão do litoral brasileiro e seus sérios impactos antropogênicos", afirma o pesquisador Humberto Marotta, orientador do estudo de Tainan.
Segundo Marotta, que conta com apoio da FAPERJ por meio dos programas de Apoio a Projetos Temáticos no Estado do Rio de Janeiro e Cientista do Nosso Estado para realizar suas pesquisas, esta tríplice colaboração entre três relevantes universidades (UFF, Uerj e UFRJ), possibilitou a utilização da infraestrutura de cada uma para complementar e responder questões científicas de ampla abrangência teórica e aplicada. A estreita colaboração entre a Unidade Multiusuária de Geoquímica de Gases, Águas e Sedimentos (GAS-UFF) coordenada por ele, o Laboratório de Oceanografia Química (Laboqui/Uerj) pelas professoras Letícia Cotrim e Luana Pinho, bem como a Unidade Multiusuário de Análises Ambientais (UMAA, UFRJ), pelo professor Vinicius Peruzzi, evidenciam o potencial de compartilhamento de custosas infraestruturas e especializados recursos humanos para promover avanços científicos.
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Praia da boneca sem cabeça: a foto de Letícia Cotrim transformou o lixo da Praia do Catalão em arte |
“É a primeira vez que conseguimos fazer medições longas, incluindo o dia e a noite, e mostrar como é a variação de um ambiente costeiro como a Baía de Guanabara”, alega a coordenadora do Programa de Pós-graduação em Oceanografia da Uerj e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, Letícia Cotrim. Segundo a professora, é um tipo de abordagem inédita, que não havia sido feita ainda. Em sua opinião, esse tipo de estudo deveria ter começado a ser feito há anos, e agora, frente às mudanças climáticas, deveria ser ampliado não só para outros pontos da “colcha de retalhos que é a Baía de Guanabara”, mas também para outros ambientes costeiros, como nos sacos de Paraty e Paraty-Mirim, onde as condições específicas, como salinidade e maré, entre outras, são distintas. E a logística para colocar a pesquisa em curso depende do apoio de um navio oceanográfico, seja da Uerj ou da Marinha.
Letícia, que paralelamente às suas pesquisas oceanográficas é também fotógrafa, aproveita as incursões a campo para desenvolver sua “persona artística”. No ensaio fotográfico “Praia da boneca sem cabeça” ela transformou o lixo acumulado no fundo da Baía em fotos que mereceram exposição em galeria. Sua ideia é transformar o ensaio em fotolivro.