Linguagem Libras Facebook X Intagram YouTube Linkedin Site antigo
logomarca da FAPERJ
Compartilhar no FaceBook Tweetar Compartilhar no Linkedin Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Email Imprimir
Publicado em: 30/04/2025 | Atualizado em: 30/04/2025

Novo sumiço dos tatuís volta a preocupar cientistas no Brasil e no mundo

Claudia Jurberg

Equipe responsável pela pesquisa durante trabalho de campo em praia de Niterói, no litoral fluminense (Fotos: Divulgação) 

Talvez você já tenha se deparado com os carismáticos tatuís em algumas praias. Esses pequenos crustáceos passam a maior parte da vida enterrados entre os grãos de areia, na região de espraiamento, entre o ir e vir das ondas. Bioindicadores da saúde de ecossistemas de praias em todo o planeta – especialmente no Brasil –, esses pequenos crustáceos da espécie Emerita brasiliensis preocupam a população, que não os encontra com a mesma facilidade e frequência de anos atrás.

Apesar de sua importância ecológica, os tatuís são muito sensíveis a impactos ambientais e atividades humanas, sendo bioindicadores de qualidade ambiental. A queda no número desses animais tem sido observada em praias arenosas de várias partes do mundo ao longo das últimas décadas. Em alguns momentos, no entanto, seu reaparecimento é comemorado.

Como esses crustáceos possuem ciclos naturais de crescimento e reprodução que variam ao longo do ano e são influenciados por fenômenos climáticos, como El Niño e La Niña, surge a dúvida: até que ponto o desaparecimento dos tatuís é um processo natural ou um reflexo da degradação ambiental causada por ações humanas?

Um grupo de pesquisadores que reúne laboratórios de Ecologia e Genética das universidades do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apoiados pela FAPERJ, resolveu estudar os tatuís das praias fluminenses.

Conduzido pela doutoranda Rayane Romão Saad Abude, da Uerj, o grupo realiza um amplo estudo em praias do Rio de Janeiro, que aborda aspectos da biologia populacional, genética de populações e hidrodinâmica marinha. Os resultados indicam que a ação humana parece ser um dos principais fatores responsáveis pelo declínio das populações desses animais.

"Observamos, por exemplo, que a temporada de chegada dos tatuís às praias, em seu assentamento pós-larval do Rio de Janeiro, acontece principalmente nos meses de verão, entre dezembro e março, coincidindo com a alta temporada turística. Esse é um problema relevante, pois os jovens tatuís são extremamente vulneráveis aos impactos humanos diretos, até passarem pela primeira muda e desenvolverem uma carapaça mais rígida. De fato, nas praias mais impactadas, observamos aparições restritas principalmente ao verão, com indivíduos predominantemente no estágio juvenil e recém-assentados, que, nessas condições, dificilmente sobrevivem até a fase adulta", afirma Rayane.

Segundo a pesquisadora, as praias mais desertas e conservadas apresentam estruturas populacionais complexas, com tatuís de todas as classes de tamanho em todos os meses do ano. Na Praia de Fora, localizada em uma área militar de acesso restrito, no bairro da Urca, a partir de uma amostragem sistematizada, em 189 fêmeas ovígeras coletadas ao longo de um ano, foi verificada uma fecundidade média de 5.300 ovos por fêmea – somando mais de um milhão de ovos no período.

Apesar do grande número de ovos, com algumas fêmeas carregando mais de 20 mil, houve uma perda significativa ao longo do desenvolvimento embrionário, que dura de dez a dezenove dias; apenas uma pequena fração dos ovos alcançou os últimos estágios de desenvolvimento e se converteu em novos indivíduos que chegaram às praias na temporada seguinte. A expressiva redução na fase larval pode ser influenciada tanto por fatores naturais quanto por impactos humanos, explica Rayane.

A Praia de Fora  tem sido um modelo para estudos de invertebrados marinhos em geral. Ali, os tatuís são monitorados desde 1993 e permanecem relativamente abundantes durante todo o ano, embora também tenham sofrido uma queda populacional ao longo dos anos. Outra região possivelmente fonte desses animais é a Restinga da Marambaia, também sob proteção militar.

Segundo Rayane, é importante esclarecer que, devido ao seu ciclo de vida passar por uma fase larval nas águas marinhas, condicionados à dispersão via correntes e marés, indivíduos de praias diferentes podem estar geneticamente conectados, como acontece com outras espécies de crustáceos Decápodes, como caranguejos e lagostas. Ou seja, as larvas que foram originadas em uma praia podem vir a se tornar indivíduos bentônicos em outra praia. Assim, as águas marinhas funcionam como um conector entre praias diferentes, e não como uma barreira.

Rayane Abude: de acordo com o estudo liderado pela pesquisadora, a ação humana parece ser um dos principais fatores responsáveis pelo declínio das populações dos tatuís 

Populações que estão segregadas espacialmente, nesse caso, em praias diferentes, mas que estão geneticamente conectadas vias processos de dispersão são chamadas de metapopulação. Em Ecologia, uma metapopulação pode se estabelecer sobre diferentes pilares, constituindo diferentes modelos para compreensão de suas dinâmicas. O modelo fonte-sumidouro é um modelo clássico de metapopulação, em que um ou mais ambientes funcionam como fontes de indivíduos. Via processos de dispersão, esses indivíduos alcançarão outros ambientes, que funcionarão como sumidouro.

No caso dos tatuís, sensíveis a impactos humanos, uma hipótese provável no contexto do Rio de Janeiro é que praias mais conservadas atuem como fonte para praias mais urbanizadas. Devido à incidência de impactos como a presença de resíduos sólidos e outras classes de poluentes, e de pressões humanas diretas, como remoção de tatuís, pisoteio e práticas de limpeza, algumas praias não são capazes de sustentar o crescimento, desenvolvimento e reprodução desses crustáceos, não sendo possível o estabelecimento de populações adultas viáveis, que serão capazes de gerar descendentes. Assim, o avistamento de tatuís em algumas praias nem sempre representa seu retorno efetivo e, como os pesquisadores alertam, um sucesso de estabelecimento, mas sim a chegada de indivíduos provenientes de populações fonte.

Os tatuís são estudados no estado do Rio de Janeiro desde os anos 1990. Suas populações são registradas desde a Baía da Ilha Grande e adjacências da Baía de Sepetiba, no litoral sul, passando pela região metropolitana e algumas praias da Baía de Guanabara, e estendendo-se até São Francisco de Itabapoana, no litoral norte.

Topo da página