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Publicado em: 11/10/2023 | Atualizado em: 11/10/2023

Estudo alerta para a presença de microplásticos em peixes de rio em Rondônia

Paula Guatimosim

Os pesquisadores coletaram amostras de peixes em 24 praias do rio Machado e 30% dos indivíduos capturados estavam contaminados (Fotos: Juscelino Ribeiro, Igor David e @praiacomvida)

A ameaça dos microplásticos ao meio ambiente é objeto de estudo em todo o mundo. Soluções para esse problema têm sido consideradas uma emergência para o equilíbrio e sustentabilidade ambiental, para garantir o suprimento de pescado livre desse tipo de contaminação. O Brasil é um dos maiores produtores de plástico do mundo, mas a logística reversa, ou seja, a recepção dos materiais utilizados pelas indústrias para reaproveitamento, ainda é incipiente. Aliada a essa limitação está a falta de hábito da população em fazer o descarte seletivo do lixo doméstico. Apesar dos esforços mundiais para reduzir o volume de plástico descartado no meio ambiente, a produção de descartáveis, principalmente feitos de polímeros criados a partir de combustíveis fósseis, tem sido cada vez maior. O mundo gerou 139 milhões de toneladas métricas de resíduos plásticos de uso único em 2021, segundo a Minderoo Foundation.

“Estamos respirando e comendo plástico”, alerta o pesquisador Igor David da Costa, professor do Departamento de Ciências Exatas, Biológicas e da Terra da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, ao considerar a presença desses resíduos nos peixes, tanto de água doce quanto de água salgada, que posteriormente serão consumidos pela população. Segundo ele, a maioria dos estudos sobre a presença de microplásticos vem sendo feita nos oceanos, destino final de grande parte dos plásticos, mas o problema começa nos rios. Dados indicam que 80% do microplástico encontrado nos oceanos vêm dos rios, e os demais 20% são decorrência principalmente da atividade pesqueira (redes fantasmas e demais equipamentos abandonados no mar) e de material em suspensão na atmosfera.

A pesquisa, realizada pela UFF em parceria com a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Universidade Federal de Rondônia (Unir) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi realizada no rio Machado, um importante afluente do rio Madeira, com 800 km de extensão e considerado a segunda bacia hidrográfica mais importante do estado de Rondônia. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mais de 50% da bacia do rio Machado foram desmatadas até 2019, para dar lugar a pastagens, lavouras de soja, construção de centros urbanos e indústrias.

Foram coletados peixes de 29 diferentes espécies características de águas rasas, popularmente conhecidos como piabas e acarás 

Igor David conta que seu trabalho teve início em 2011, quando passou em um concurso público para a Universidade Federal de Rondônia (Unir). Seu estudo abrangeu 24 praias arenosas do rio Machado, em um trecho protegido pela Reserva Biológica do Jaú, com mais de 346 mil hectares, um dos poucos remanescentes florestais da bacia do rio Machado. As coletas realizadas nas praias de água doce ao longo da reserva resultaram em 1082 pequenos peixes de 29 diferentes espécies, com até 10 centímetros de comprimento, característicos de águas rasas, popularmente conhecidos como piabas e acarás. Das 29 espécies totais, 24 estavam contaminadas com microplásticos e dos 1082 indivíduos coletados, 382 (30%) apresentaram microplásticos no organismo.

“São esses pequenos peixes que servem de alimento para os peixes maiores, consumidos pela população ribeirinha e das capitais da região Norte”, lembra o pesquisador, que é doutor em Ecologia e Evolução pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Ele esclarece que esse fenômeno é chamado de Biomagnificação, ou seja, acúmulo de substâncias ao longo da cadeia alimentar, e que atinge espécies  do topo da cadeia alimentar, incluindo os seres humanos. Atualmente, os microplásticos são uma ameaça mundial à biodiversidade.

As análises foram realizadas a partir do material encontrado no trato digestivo dos peixes, conforme seus hábitos alimentares. Os peixes onívoros (que comem animais e vegetais) e insetívoros (que se alimentam de insetos) possuíam mais microplásticos em praias mais próximas dos centros urbanos e afluentes de rios, enquanto os peixes carnívoros (que se alimentam de outros animais) apresentaram maior quantidade de microplásticos no trato digestivo comparado às demais categorias tróficas.

Segundo Igor, dentre os microplásticos identificados, a maioria era na forma de fibras, fragmentos ou filmes plásticos, que medem de 1 a 5 milímetros, provavelmente decorrentes da decomposição de tecidos de roupas, cada vez mais confeccionadas com fios sintéticos, como o poliéster. “Principalmente na região Norte, onde o saneamento ainda é precário, a água resultante da lavagem de roupa carrega essas fibras para os rios”, esclarece o biólogo. Mesmo se a água resultante das máquinas de lavar roupa passasse por uma estação de tratamento, os filtros não seriam capazes de capturar microplásticos porque são partículas muito pequenas. Além disso, eles também estão presentes na atmosfera. Foi verificado que entre as fibras, havia predominância das cores azul e preta. “Cheguei a considerar que essa prevalência fosse consequência da lavagem de calças jeans, pois não há indivíduo que não tenha pelo menos uma no guarda roupa”, aposta Igor.

Mais um fator preocupante é que essas microfibras também absorvem e carregam substâncias tóxicas e prejudiciais à saúde como resíduos de agrotóxicos, metais pesados e micro-organismos patógenos. “Os microplásticos serão em breve um problema de saúde pública”, alerta o pesquisador, explicando que já está sendo identificada a presença de microplástico na corrente sanguínea, afetando órgãos como pulmões, coração e intestino; no leite materno e até na placenta de gestantes. A pesquisa conclui a necessidade urgente de políticas públicas e estratégias para conservar a biodiversidade regional amazônica.

Igor David e Leonardo Costa: ambos os pesquisadores mantêm projetos de conscientização nas redes sociais

O biólogo Leonardo Lopes Costa, mestre e doutor em Ecologia e Recursos Naturais e colaborador do Programa de Ecologia e Recursos Naturais da Uenf, também conta com bolsa de Apoio ao Jovem Pesquisador Fluminense, da FAPERJ. Seu projeto alia pesquisa, educação ambiental, marketing de conservação e divulgação científica. A pesquisa tem o objetivo de otimizar ações de conservação das praias (especialmente as do Norte Fluminense) por meio de atalhos de conservação, incluindo espécies indicadoras de perturbação ecológica, usados para otimizar o alcance de objetivos mais amplos de conservação.  Parte das ações de educação ambiental,  marketing de conservação e divulgação científica é promovida nas redes sociais (@praiacomvida) e por meio de ações face a face integradas com o poder público e o privado, como a limpeza das praias, a coleta de lixo em corpos d’água, entre outras.

O pesquisador conta que trabalha com microplásticos desde 2017, quando iniciou seu doutorado, mas com foco nas praias. Foi depois que conheceu Igor que ele passou a estudar os microplásticos em água doce e constatou que os padrões de contaminação são muito parecidos. “Quando falamos em contaminação por plástico, a maioria da população considera como vilões os de único uso (descartáveis), mas verificamos que as máquinas de lavar são provavelmente as principais geradoras de microplásticos, em forma de fibras que se soltam das roupas durante a lavagem”, esclarece Leonardo. Ele chama atenção para a quantidade de objetos de plástico que fazem parte do nosso cotidiano “Olhe a sua volta e veja tudo o que é feito de polímeros plásticos” e lembra que, por praticidade, os tecidos também agregam cada vez mais fibras sintéticas. Segundo o pesquisador, mais de 50% do material encontrado nos peixes contaminados por microplástico são fibras sintéticas. Assim, seria fundamental que as indústrias instalassem nas máquinas de lavar filtros capazes de coletar essas microfibras.

“É um problema invisível que precisa com urgência se tornar visível”, alerta Leonardo Costa. Ele defende a elaboração de políticas públicas urgentes voltadas para sanar esse problema ambiental, talvez por meio de contrapartidas e estímulos econômicos, como o que já existe para a criação de unidades de conservação, por exemplo, por meio do ICMS Ecológico.

Além do artigo, publicado na Elsevier, os pesquisadores disponibilizam dois perfis nas redes sociais sobre o assunto: @microplasticosemeioambiente e @praiacomvida.

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