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Publicado em: 25/05/2023 | Atualizado em: 25/05/2023

Apoiada por empresa farmacêutica, terapia poderá regenerar lesões medulares

Paula Guatimosim

No laboratório, os pesquisadores desenvolveram uma técnica fácil e barata de repolimerização da laminina (Fotos: Luciana Sposito)

Um paciente de 23 anos com uma lesão medular recente que poderia acarretar tetraplegia recuperou todos os movimentos. O restabelecimento da mobilidade total do acidentado só foi possível devido aos avanços da ciência. O resultado foi obtido durante os estudos clínicos de uma pesquisa iniciada há mais de 20 anos pela bióloga Tatiana Sampaio, chefe do Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ICB/UFRJ).

A tecnologia com utilização da polilaminina chamou a atenção da empresa brasileira Cristália, localizada em Itapira (SP), que num primeiro momento firmou contrato de R$ 3 milhões com a UFRJ, com intermediação da Fundação Universitária José Bonifácio, entidade que gerencia os recursos financeiros advindos de contratos entre a UFRJ e empresas. Além disso, a empresa farmacêutica irá arcar com os custos da continuidade dos estudos, agora focados na reversão de lesões crônicas e no desenvolvimento do produto, que Tatiana acredita chegar à população em dois anos. A Anvisa está analisando um pedido para uso da droga em um estudo clínico regulatório. “As lesões crônicas desenvolvem uma cicatriz que impedem a polilaminina de atuar, o que exige a associação de alguma droga que possa atuar nessa barreira”, explica a pesquisadora.

Fazem parte da equipe o pesquisador João Menezes e a ex-aluna de doutorado Karla Menezes, que oito meses antes da formatura em Biologia sofreu um acidente e fraturou três vértebras e, por isso, tinha um interesse pessoal no estudo. A equipe sintetizou a polilaminina a partir da estrutura original da laminina, uma proteína produzida pelo organismo para auxiliar na formação e regeneração do sistema nervoso. Para serem eficazes no tratamento, as moléculas precisam estar polimerizadas, como acontece na natureza.  No laboratório, os pesquisadores desenvolveram uma técnica fácil e barata de repolimerização da laminina.

Imagens de neurônios sobre polilaminina: à esquerda só vemos os neurônios (em verde), a polilaminina não está marcada. À direita, os neurônios são o vermelho e a polilaminina o verde 

Uma lesão na medula espinhal pode fazer com que a comunicação entre cérebro e corpo seja interrompida. Da medula espinhal saem os nervos que se estendem até outras partes do corpo, como pernas, braços e pés. A medula é capaz de enviar comandos e informações do cérebro ao restante do corpo, e também é por essa via que os sinais sensoriais vindos de todas as partes do corpo chegam até o cérebro. Lesões medulares podem ser traumáticas ou não e provocar desde perda de sensibilidade até paraplegias (impossibilidade de movimentar os membros inferiores) ou tetraplegias (impossibilidade de movimentar do pescoço para baixo), dependendo da região da medula afetada.

A pesquisa desenvolvida por Tatiana contou com apoio da FAPERJ durante a fase do estudo clínico, realizado em meados dos anos 2000, cujo seguro – exigido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) - consumiu praticamente a totalidade dos cerca de R$ 100 mil do auxílio. Os testes foram restritos a um número reduzido de pacientes recém-lesionados (de 24 horas a três dias do acidente) dos hospitais Azevedo Lima, em Niterói, e Souza Aguiar, no Rio, que receberam uma única dose do medicamento.  A recuperação da mobilidade pode ser parcial ou total, dependendo do grau da lesão. “Acredito que a farmacêutica tenha se interessado pela cooperação porque um estudo clínico piloto – o maior gargalo nestes casos - já havia sido feito”, explica a pesquisadora.

Tatiana Sampaio: para a bióloga, a terapia apenas imita a natureza

Tatiana conta que iniciou a carreira trilhando o caminho acadêmico tradicional, com foco na pesquisa básica e publicação de artigos científicos. Ao longo do caminho, cheio de percalços, a bióloga firmou seu propósito de tornar a pesquisa aplicável. “Não foi fácil. Mudei de área várias vezes para manter minha meta. Trilhei um caminho raro na pesquisa – o translacional -, no qual os acontecimentos, às vezes inesperados, foram me levando para diferentes caminhos e me obrigando a lidar com públicos diversos”, explica a pesquisadora que iniciou suas pesquisas estudando proteínas, depois células cultivadas, passando pelos estudos pré-clínicos em animais, os testes clínicos em humanos até despertar o interesse de empresas.  “A entrada da Cristália é muito importante porque eles têm acesso a insumos que no ambiente acadêmico não temos”, esclarece Tatiana.

A pesquisadora explica que a polilaminina é uma alternativa ao uso das células-tronco, principalmente pela sua facilidade de manipulação em relação à retirada de células-tronco.  “Estamos apenas imitando a natureza, pois a proteína é produzida pelo organismo naturalmente no processo de desenvolvimento do sistema nervoso”, explica Tatiana. Segundo ela, o tratamento com a laminina é uma opção mais barata, fácil e segura e está mais avançado do que a terapia com células-tronco, que possuem maior complexidade pela dificuldade de se prever seu comportamento após a injeção. “No Brasil existem pouquíssimos laboratórios autorizados a produzir células-tronco para uso humano, e eles dificilmente conseguiriam atender à demanda”, avalia a bióloga.

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