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Publicado em: 09/02/2023 | Atualizado em: 16/02/2023

As crianças com zika chegaram à escola?

Claudia Jurberg

Atividade de pesquisa de campo do projeto de pesquisa envolvendo professores e familiares de crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus  em escola na Rede Municipal de Educação de Duque de Caxias

Mais de 50% das crianças com a síndrome congênita do zika vírus ainda não foram para as escolas na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, apesar da idade. Para reverter essa realidade, a pesquisadora Márcia Denise Pletsch, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), desenvolve pesquisa e ações de acompanhamento em quatro frentes: avaliação das crianças e suas famílias no domicílio, observando as vivências e expectativas dos pais sobre a escola e o desenvolvimento dos filhos; investigação sobre a acessibilidade das crianças nas escolas; criação de cursos de especialização para professores da rede pública e; criação de materiais para facilitar a educação, a comunicação e a interação.

"As escolas do Estado do Rio são receptivas a recebê-las e a estimulação educacional precoce pedagógica é fundamental para o desenvolvimento dessas crianças com múltiplas deficiências em decorrência da síndrome do zika vírus, mas muitas famílias resistem em matricular seus filhos e filhas", afirma Marcia.

Pletsch explica que a resistência dos pais se dá, entre outros aspectos, em virtude de muitos desafios com a locomoção, dificuldades socioeconômicas, além das diversas intervenções como fisioterapia, fonoaudiologia, terapias, que tomam tempo e, com isso, os familiares acabam desistindo da escola. Mas a pesquisadora ressalta que a precocidade na estimulação educacional é pouco explorada, apesar de muito importante. Soma-se a isso a falta ações intersetoriais que englobem a saúde, assistência e incentivem a educação para desenvolvimento dessas crianças.

"No território, não há propostas concretas que promovam essa intersetoriedade. Não há política pública que promova ações conjuntas. Um exemplo é que, no mesmo horário da aula, há agenda com fisioterapia ou fonoaudióloga. E aí a mãe leva para a terapia”, aponta.

Nesse sentido, a pesquisadora, por meio do Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional, tem se dedicado, desde 2018, a estudos e iniciativas junto a outros 50 profissionais numa iniciativa inédita do Estado do Rio de Janeiro que inclui o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, ambos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Uerj a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), órgãos estaduais, além de secretarias de educação de diversos municípios da Baixada e Sul Fluminense em investigações sobre a escolarização de crianças com a síndrome congênita do zika vírus.

Como resultado dessas investigações e parcerias, sobretudo com as redes de ensino, em 2023, será lançada a primeira licenciatura de Educação Especial do Estado do Rio de Janeiro, que visa formar profissionais para ampliar o suporte educacional para a inclusão de crianças com múltiplas deficiências nas escolas. Outra iniciativa é a Especialização em Educação Especial e Inovação Tecnológica numa parceria público-público entre a UFRRJ, a Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) com apoio de plataformas digitais do Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), que formará, em maio do próximo ano, mais de 1.300 profissionais da Educação que atuam em diferentes redes de ensino do Estado e setores de inclusão e acessibilidade das Instituições de Educação Superior.

O curso nasceu a partir de um programa piloto de formação continuada de professores desenvolvido no âmbito das ações de pesquisa, conforme tese de doutorado defendida por Patrícia Cardoso Macedo do Amaral, sob orientação da professora Pletsch, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRRJ. A formação continuada é importante, pois na recente lei 7.625/2022, aprovado neste mês de dezembro de 2022, a Prefeitura do Rio de Janeiro prevê a capacitação de profissionais da educação infantil para a inclusão de crianças com a síndrome nas instituições de ensino do município.

Pletsch comenta que o diferencial dessas ações se traduz em uma concepção atualizada dos docentes. A maioria não acreditava nas possibilidades de aprendizagem das crianças e isso se transformou de forma significativa ao longo do processo de formação. As aulas síncronas do curso de especialização já tiveram mais de 100 mil visualizações, mostrando o interesse por parte dos professores da rede de ensino em preencher lacunas existentes na área. Hoje, esses profissionais são protagonistas em elaborar planos de aula focado na inclusão e na criação de produtos pedagógicos acessíveis.

"Os estudos têm apontado que gênero, raça, desigualdade social e deficiências provocadas pelo vírus da zika andam juntos e precisamos de políticas públicas. E quem está fazendo o seu melhor é a escola e os seus profissionais, que acolhem, mesmo quando não sabem como intervir. Acreditamos que essas escolas têm potencial capaz de mobilizar e articular ações integradas e esperamos que possam também orquestrar essas ações intersetoriais", afirma.

Equipe do projeto de pesquisa com as famílias e seus filhos com a Síndrome Congênita do Zika Virus em frente ao Prédio da Pós- Graduação do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ após reunião de desenvolvimento do aplicativo ComuniZIKA

No campo do desenvolvimento de tecnologias assistivas para a comunicação alternativa, o grupo espera lançar, em janeiro de 2023, o aplicativo ComuniZIKA, direcionado aqueles com deficiências múltiplas não oralizados. O aplicativo foi elaborado a partir da observação junto a seis crianças moradoras da Baixada Fluminense e validado pelas famílias. Os resultados desse processo foram defendidos na tese de Doutorado de Érica Costa Vliese Zichtl Campos, em dezembro deste ano, no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, sob a orientação da professora Rosalía Duarte e sob coorientação de Márcia Pletsch.

Desenvolvido por meio da parceria entre profissionais da PUC-Rio e da UFRRJ, o aplicativo possui 100 atividades para trabalhar a comunicação e ampliar a interação entre os familiares. Os recursos do aplicativo se mostraram eficientes na promoção da comunicação e da escolarização, pois ajuda a estruturar o pensamento e a linguagem, desde que se ofereça o apoio necessário. Assim que o registro sair, o aplicativo estará disponível, gratuitamente, para ser usado tanto em sala de aula como por familiares de criança com múltiplas deficiências.

De acordo com a Organização Panamericana de Saúde, o Brasil foi severamente afetado pelo surto do zika vírus. Entre 2015 e 2020, havia 14.492 notificações de casos suspeitos de síndrome congênita do zika vírus, dos quais 3.563 foram confirmados, constituindo cerca de 80% dos casos para a região das Américas. Estudos recentes identificaram distúrbios neurológicos, como atraso no neurodesenvolvimento, principalmente no domínio da linguagem, em crianças expostas ao vírus da zika e que eram assintomáticas ao nascer.

As iniciativas para a escolarização dessas crianças reúnem 11 municípios, sendo nove da Baixada Fluminense e dois da região Sul e receberam investimentos do Governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio da Secti e da FAPERJ, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC).

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