Linguagem Libras Facebook Twitter Intagram YouTube Linkedin Site antigo
logomarca da FAPERJ
Compartilhar no FaceBook Tweetar Compartilhar no Linkedin Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Email Imprimir
Publicado em: 23/11/2022 | Atualizado em: 23/11/2022

Projeto que integra academia e comunidade promove sustentabilidade na Rocinha

Paula Guatimosim

O lixo plástico coletado é utilizado para a produção de skates e outros produtos (Fotos: TMJ Rocinha)

Considerada a maior favela do estado do Rio de Janeiro, a Rocinha, localizada entre os bairros da Gávea e São Conrado, tem uma população estimada de 98.319 habitantes, de acordo com o Censo de Favelas do Governo do Estado do Rio de Janeiro (2008). Equivalente a uma cidade de porte médio, a comunidade lidera o ranking de potencial de consumo das favelas, o que acabou por atrair uma completa infraestrutura de comércio e serviços.  Segundo estimativa da Outdoor Social, empresa de impacto social voltada para comunidades periféricas, em 2020 a Rocinha possuía 1497 estabelecimentos comerciais. Os moradores da comunidade contam com agências bancárias, mercados, redes de fast foods, serviços de internet e TV a cabo, rádios comunitárias, casas de shows, cinco escolas públicas, várias creches comunitárias, além de diferentes linhas de ônibus, vans e serviços de moto-táxi. Na área da saúde, a Rocinha conta com uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e três postos de saúde. 

Com essas dimensões, o volume de lixo produzido também é compatível ao de uma cidade de porte médio: cerca de 170 toneladas diárias – conforme dados da Comlurb – recolhidos por 53 garis, em três turnos. No entanto, uma parcela do lixo e dos resíduos ainda se acumula nos becos, valas e encostas, em parte coletada em mutirões de limpeza organizados pelos próprios moradores. O que sobra, entretanto, contribui com catástrofes decorrentes de deslizamentos em encostas e para o acúmulo de lixo sólido nas praias. Diante dessa realidade, são urgentes medidas que busquem a solução dos problemas gerados pela má disposição e falhas na coleta dos resíduos. 

Atuando na comunidade desde 2014, o Coletivo Tamo Junto Rocinha (TMJ Rocinha) – com o apoio do Departamento de Engenharia de Materiais e do Núcleo de Estudo e Ação da Juventude (Neam), ambos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) – foi contemplado no Programa Favela Inteligente em Apoio às Bases para o Parque de Inovação Social e Sustentável na Rocinha com o projeto “Rocinha Sustentável: Transferência de Técnicas de Reciclagem e Design em laboratórios Makers”. O lançamento do projeto aconteceu nesta terça-feira, 22 de novembro, na garagem do Complexo Esportivo da Rocinha. 

Equipe do Tamo Junto Rocinha, que atua em várias frentes, na busca de uma comunidade sustentável

“A ideia do projeto surgiu em 2017, quando conheci o projeto “De Olho no Lixo” e vi ali uma oportunidade de repassar técnicas desenvolvidas na universidade para a comunidade”, conta Davison da Silva Coutinho, cofundador do TMJ Rocinha. Enquanto a ideia amadurecia, a pandemia de Covid-19 chegou e as ações do TMJ Rocinha se concentraram no enfrentamento da evasão escolar e na garantia da segurança alimentar na comunidade. “Mais uma vez, o que se viu foi a favela resolvendo seus próprios problemas”, conta Davison, que presenciou várias famílias tirando seu sustento do lixo. Ao longo de 2020, o Coletivo TMJ Rocinha se concentrou em buscar soluções para os problemas decorrentes da pandemia, em especial na área da Educação. 

Davison conheceu a PUC-Rio aos 12 anos, quando ingressou no Neam, fundado e dirigido pela professora Marina Moreira com o objetivo de proporcionar formação integral para jovens de comunidades do Rio. Ele herdou sua habilidade em liderança do avô, conhecido na Rocinha como Zé do Queijo, que na década de 1980 presidiu a União Pró-Melhoramentos da Rocinha. Na PUC-Rio, Davison graduou-se e cursou mestrado em Design, atuando no Museu de Favela com capacitação de artesãs na geração de artesanato sustentável com “a linguagem da favela”. No momento, está finalizando o doutorado com foco nas soluções e inovações desenvolvidas nas favelas. 

O TMJ Rocinha, que em breve receberá o título de entidade de interesse público, pretende atuar em três frentes do projeto Rocinha Sustentável: promover o beneficiamento de resíduos urbanos (como garrafas PET e óleo de cozinha), cuja coleta já é sistematizada pela Cooperativa Rocinha Recicla; criar espaços de inovação para o desenvolvimento de design de produtos a partir da reutilização de resíduos sólidos; e promover a educação ambiental por meio da produção e disseminação de conteúdos informativos sobre preservação do meio ambiente, coleta, beneficiamento e repasse da tecnologia de processamento de resíduos. Outra importante meta do projeto é gerar empreendimentos inovadores que solucionem ou mitiguem problemas históricos de saneamento básico urbano, a fim de beneficiar a comunidade da Rocinha, a região de São Conrado e a cidade do Rio de Janeiro. Todos esses objetivos estão alinhados a Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 e da Agenda Rio 2030 e poderão ser replicados em outras comunidades.

A cooperativa Recicla Rocinha ganhou do projeto uma empilhadeira para facilitar o trabalho com os pesados fardos de PET prensado

Com metas ambiciosas, o projeto pretende capacitar inicialmente 100 moradores com a transferência de tecnologia, dobrar a atual capacidade de reciclagem anual da cooperativa, reduzir em 70% o volume de garrafas PET contaminadas (sem valor no mercado de reciclagem e impactante ao meio ambiente), reduzir meia tonelada do lixo passivo (não coletado); desenvolver e promover melhorias na comunidade com instalação de pisos e de mobiliários públicos produzidos no projeto, aumentar a produção de skates e desenvolver novos produtos a partir da reciclagem do plástico, como armações de óculos, relógios, raquetes etc. 

Carlos Pedro da Silva, o Pedrinho, comanda a Rocinha Recicla e diversos outros projetos na favela. Ele conta que a cooperativa acaba de receber do projeto apoiado pela FAPERJ uma empilhadeira, equipamento fundamental para a arrumação dos pesados fardos de PET compactados. “A reciclagem de PET foi uma grande solução para a Rocinha, que caminha para ser uma favela realmente sustentável”, aposta Pedro. Ele também é responsável pelo projeto Rocinha Solar, que capacitou 130 jovens para a instalação de duas usinas solares na comunidade. “A cooperativa terá 100% de energia limpa, assim como quatro igrejas e a Acadêmicos da Rocinha, que será a primeira escola de samba a funcionar com energia solar”, conta Pedro. Por meio de sua ONG “Pedrinho Social”, criada às pressas na pandemia, ele recebeu doações e distribuiu para a população galões de água, botijões de gás, kits de limpeza e alimentos. Além disso, a ONG já realizou 232 casamentos gratuitamente e obtém isenção de taxa para retirada de documentos. 

Davison da Silva Coutinho: cofundador do Coletivo TMJ Rocinha, ele prepara tese de doutorado com foco nas soluções e inovações desenvolvidas nas favelas

Os "espaços makers" do Rocinha Sustentável contarão com três laboratórios, um de reciclagem de papel, outro de reciclagem de plásticos e o terceiro de reaproveitamento de óleo. O projeto conta com apoio do professor de Engenharia de Materiais da PUC-Rio, José Carlos D’Abreu, e também é apoiado pela empresa social Na Laje Designs. Ali, o plástico recolhido nos lixos é transformado em skate e, em breve, em outros produtos. A PUC-Rio foi contemplada em outro edital da iniciativa privada com um projeto que visa reciclar o material plástico sem valor de mercado, como o de bens duráveis como televisores, por exemplo. Segundo Davison, apenas oito gramas desse resíduo utilizados em impressoras 3D produzem armações de óculos que serão doadas para quem não pode pagar e também vendidas com marca própria da Rocinha. O objetivo final é tornar a cooperativa de reciclagem e os laboratórios makers 100% sustentáveis.

Cinco jovens estão sendo capacitados para operar o maquinário de trituração e reciclagem de resíduos. Para intensificar a coleta haverá um programa de recompensa via permuta de produtos com os moradores. O plástico beneficiado e fragmentado poderá substituir parte do material granular (areia/brita) empregado no preparo de argamassa de concreto em obras. Outros cinco jovens cuidarão da produção do projeto audiovisual, que envolve a produção de conteúdo educativo e de conscientização ambiental sobre a importância e as vantagens da coleta de resíduos e seu beneficiamento em produtos utilizáveis. Os próprios catadores serão entrevistados para que falem da importância da separação do lixo para garantir a segurança do seu dia a dia. Os vídeos, palestras e oficinas serão  apresentados nas escolas públicas locais e nas adjacências, nas redes sociais e mídias comunitárias, como jornais, portais e redes de comunicação, cujo público é estimado em 114 mil pessoas. Oficinas e palestras de educação ambiental serão levadas a 10 escolas na Rocinha e adjacências (aproximadamente 4.000 alunos).

Topo da página