Danielle Kiffer
Divulgação/PUC-Rio |
A oficina de desenho foi uma das atividades desenvolvidas pelos pesquisadores com as crianças da comunidade |
Na primeira semana da pesquisa, Carla e sua equipe de pesquisadores começaram o trabalho com uma oficina de desenho. “Decidimos iniciar com esta atividade para conquistar a confiança dos pequenos e para entender o que era significativo para eles naquele espaço. Tudo o que aparecia nos desenhos se confirmou em nossas conversas com as crianças. Quando perguntávamos sobre o local de sua moradia, por exemplo, as respostas eram depois de uma árvore, depois da igreja. Pudemos perceber assim que todos aqueles marcos territoriais estavam ligados ao que tinha muito valor para aquelas crianças”, explica.
Na oficina de construção com bambu, as crianças aprenderam a erguer uma casa. Mas desconstruir também fez parte do projeto. Contudo, a oficina mais surpreendente foi a de fotografia. Funcionou assim: com todo o grupo dividido em duplas, um ficava com a máquina e o outro com planilha e papel, para anotar tudo o que fosse fotografado. Depois de uma hora, as crianças revezavam seus papéis. “O resultado foi maravilhoso. Elas nos surpreenderam porque aprenderam rapidamente a utilizar as máquinas digitais e todos os seus recursos. A princípio, os pesquisadores foram bastante fotografados; depois elas também se fotografaram, capturavam partes distintas do corpo. Achei esse detalhe importante: era como se usassem aquele recurso para se ver. Árvores, estradas e cachoeiras também foram imagens recorrentes, fotografadas de ângulos muito distintos e interessantes”, entusiasma-se a antropóloga. Carla também fez um acordo com a criançada: todo dia, as crianças se revezavam, levando as câmeras para casa.
De acordo com a pesquisadora, depois da estada na comunidade, quando viram o resultado, todos ficaram simplesmente maravilhados com a quantidade de informações obtidas. “Enquanto estávamos no Campinho, não pudemos ver todas as fotografias. Também não imaginávamos que encontraríamos tantos vídeos. Um aspecto curioso, que eu particularmente não esperava, foi ter encontrado tanta foto de céu aberto”, conta. Outro ponto importante que ela pode perceber foi a preocupação das crianças em mostrar seu próprio universo aos pesquisadores. “Em um dos vídeos, havia um diálogo entre duas meninas: ‘Vamos correr, porque a gente precisa mostrar tudo o que temos aqui.’ Achei curiosa a preocupação que as crianças tiveram em revelar, com seu olhar, tudo o que era importante para elas”, detalha
Divulgação/PUC-Rio |
À direita, a antropóloga Carla Dias acompanha de perto o desenvolvimento das crianças nas oficinas |
Essas crianças vivem entre dois mundos diferentes. Um deles caracterizado pela vida na comunidade, carregada de histórias, heranças culturais e natureza. O outro representa o lado externo, capturado pelas telas de televisão e pela cidade de Paraty, nas proximidades. Mundos diferentes, mas que, pelo menos entre as cerca de 30 crianças que participaram das oficinas, parecem não entrar em conflito. Nenhum desenho animado ou anúncio de brinquedo de última geração parece desviar a atenção dos pequenos quando o assunto é colher e comer jaca, sua brincadeira predileta. “Um dia, caminhando com as crianças para iniciarmos mais uma oficina, uma delas avistou uma jaqueira carregada. Elas não pensaram em mais nada, inteiramente mobilizados em subir na árvore e pegar as frutas. A meninada tem uma técnica toda especial para pegar jaca. Quando eu digo que isso é brincadeira, é porque eles fazem isso juntos, rindo, conversando. E também saboreiam a fruta juntos, como se fosse uma festa. Naquela ocasião, eles comeram, por incrível que pareça, dez jacas”, conta.
Da permanência da equipe na comunidade, resultou uma vasta quantidade de pinturas e desenhos animados, feitos a partir dos registros de vídeo e fotos clicadas pelas crianças e pelo grupo de pesquisadores, além dos depoimentos gravados em vídeo. Com base nesse material, foram produzidos o livro de fotografias “O Olhar das Crianças da Comunidade do Campinho”, com falas das crianças apresentando o lugar e sua cultura, bem como um conjunto de painéis em tecido, sobre temas determinados pela associação de moradores, intitulado “Movimento Quilombola, Griôs, Sustentabilidade, Cultura, Território e Nova Geração”, para exposição.
Quando o livro de fotografias foi publicado, Carla e equipe levaram alguns dos exemplares para a comunidade. “Um acontecimento marcou este nosso retorno. Como, lá no Campinho, a casa de um dos moradores se destaca das demais, isso fez com que ela fosse muito fotografada. Uma das fotos saiu no livro. Quando o dono viu ele e sua casa retratados no livro, não hesitou e fez uma dedicatória para si mesmo. Isso nos emocionou muito, pois queríamos que o livro fosse reconhecido por eles como uma propriedade. E foi exatamente o que aconteceu. Um resultado melhor do que poderíamos esperar", finaliza.
Página Inicial | Mapa do site | Central de Atendimento | Créditos | Dúvidas frequentes