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Publicado em: 11/12/2009
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Pesquisadores contribuem para o resgate cultural de comunidade quilombola

 

Danielle Kiffer

 

 Divulgação/PUC-Rio

    
           A oficina de desenho foi uma das atividades desenvolvidas
            pelos pesquisadores com as crianças da comunidade

Nem só da prática de subsistência e do artesanato vivem algumas comunidades quilombolas no estado do Rio de Janeiro. A do Campinho da Independência, localizada na cidade histórica de Paraty, vem buscando resgatar as práticas culturais de seus ancestrais para que as futuras gerações não percam sua identidade. Para fortalecer esse movimento, a antropóloga Carla Dias – que à época do projeto estava na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e hoje é pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – desenvolveu o projeto “O caminho das coisas – Estética e cultura em uma comunidade quilombola”, apoiado pela FAPERJ por meio do Auxílio à Pesquisa (APQ 1).

O objetivo principal do trabalho foi reconhecer, entre as práticas e saberes locais, os caminhos atuais da tradição e da cultura quilombola. Este foi o foco das discussões, articulações e base de todas as ações previamente negociadas com a Associação de Moradores do Campinho (AMOC). A estratégia assumida pela equipe foi a de utilizar as práticas construtivas e os meios de representação plástica e gráfica como instrumentos de interação social. Para tanto, foram desenvolvidas uma série de oficinas, como a de construção com bambu, desenho de observação, ilustração, animação e fotografia. Com isso, pretendia-se promover a aproximação entre os grupos, misturando pesquisadores, estagiários, integrantes da comunidade e as crianças participantes das oficinas.

 

Na primeira semana da pesquisa, Carla e sua equipe de pesquisadores começaram o trabalho com uma oficina de desenho. “Decidimos iniciar com esta atividade para conquistar a confiança dos pequenos e para entender o que era significativo para eles naquele espaço. Tudo o que aparecia nos desenhos se confirmou em nossas conversas com as crianças. Quando perguntávamos sobre o local de sua moradia, por exemplo, as respostas eram depois de uma árvore, depois da igreja. Pudemos perceber assim que todos aqueles marcos territoriais estavam ligados ao que tinha muito valor para aquelas crianças”, explica.

 

Na oficina de construção com bambu, as crianças aprenderam a erguer uma casa. Mas desconstruir também fez parte do projeto. Contudo, a oficina mais surpreendente foi a de fotografia. Funcionou assim: com todo o grupo dividido em duplas, um ficava com a máquina e o outro com planilha e papel, para anotar tudo o que fosse fotografado. Depois de uma hora, as crianças revezavam seus papéis. “O resultado foi maravilhoso. Elas nos surpreenderam porque aprenderam rapidamente a utilizar as máquinas digitais e todos os seus recursos. A princípio, os pesquisadores foram bastante fotografados; depois elas também se fotografaram, capturavam partes distintas do corpo. Achei esse detalhe importante: era como se usassem aquele recurso para se ver. Árvores, estradas e cachoeiras também foram imagens recorrentes, fotografadas de ângulos muito distintos e interessantes”, entusiasma-se a antropóloga. Carla também fez um acordo com a criançada: todo dia, as crianças se revezavam, levando as câmeras para casa.

 

De acordo com a pesquisadora, depois da estada na comunidade, quando viram o resultado, todos ficaram simplesmente maravilhados com a quantidade de informações obtidas. “Enquanto estávamos no Campinho, não pudemos ver todas as fotografias. Também não imaginávamos que encontraríamos tantos vídeos. Um aspecto curioso, que eu particularmente não esperava, foi ter encontrado tanta foto de céu aberto”, conta. Outro ponto importante que ela pode perceber foi a preocupação das crianças em mostrar seu próprio universo aos pesquisadores. “Em um dos vídeos, havia um diálogo entre duas meninas: ‘Vamos correr, porque a gente precisa mostrar tudo o que temos aqui.’ Achei curiosa a preocupação que as crianças tiveram em revelar, com seu olhar, tudo o que era importante para elas”, detalha

 

 Divulgação/PUC-Rio
    
  À direita, a antropóloga Carla Dias acompanha de perto           
         o desenvolvimento das crianças nas oficinas

A antropóloga também descreve outro trecho de vídeo que achou interessante. “Um menino levou a máquina para casa e filmou a novela que passava na televisão. No banheiro, ele capturou o encanamento, a descarga, o vaso sanitário, a caixa-d’água. Na verdade, ele se preocupou em nos mostrar objetos que, para ele, significavam valores. E eu pude refletir como objetos considerados triviais para muitos, como uma simples caixa d’água, pode ter um significado estético. Pude perceber que aquilo era de uma beleza surpreendente para aquela criança. E não é o valor de termos funcionais", explica a pesquisadora. E acrescenta: "Na verdade, acabamos vendo beleza em objetos que jamais imaginamos, em movimentos do corpo, na maneira desse andar, no modo de construir, no uso cotidiano das coisas e formas que eles valorizam. Tudo isso, na verdade, nos fala do significado que essas crianças atribuem às coisas”, completa.

 

Essas crianças vivem entre dois mundos diferentes. Um deles caracterizado pela vida na comunidade, carregada de histórias, heranças culturais e natureza. O outro representa o lado externo, capturado pelas telas de televisão e pela cidade de Paraty, nas proximidades. Mundos diferentes, mas que, pelo menos entre as cerca de 30 crianças que participaram das oficinas, parecem não entrar em conflito. Nenhum desenho animado ou anúncio de brinquedo de última geração parece desviar a atenção dos pequenos quando o assunto é colher e comer jaca, sua brincadeira predileta. “Um dia, caminhando com as crianças para iniciarmos mais uma oficina, uma delas avistou uma jaqueira carregada. Elas não pensaram em mais nada, inteiramente mobilizados em subir na árvore e pegar as frutas. A meninada tem uma técnica toda especial para pegar jaca. Quando eu digo que isso é brincadeira, é porque eles fazem isso juntos, rindo, conversando. E também saboreiam a fruta juntos, como se fosse uma festa. Naquela ocasião, eles comeram, por incrível que pareça, dez jacas”, conta.

 

Da permanência da equipe na comunidade, resultou uma vasta quantidade de pinturas e desenhos animados, feitos a partir dos registros de vídeo e fotos clicadas pelas crianças e pelo grupo de pesquisadores, além dos depoimentos gravados em vídeo. Com base nesse material, foram produzidos o livro de fotografias “O Olhar das Crianças da Comunidade do Campinho”, com falas das crianças apresentando o lugar e sua cultura, bem como um conjunto de painéis em tecido, sobre temas determinados pela associação de moradores, intitulado “Movimento Quilombola, Griôs, Sustentabilidade, Cultura, Território e Nova Geração”, para exposição.

 

Quando o livro de fotografias foi publicado, Carla e equipe levaram alguns dos exemplares para a comunidade. “Um acontecimento marcou este nosso retorno. Como, lá no Campinho, a casa de um dos moradores se destaca das demais, isso fez com que ela fosse muito fotografada. Uma das fotos saiu no livro. Quando o dono viu ele e sua casa retratados no livro, não hesitou e fez uma dedicatória para si mesmo. Isso nos emocionou muito, pois queríamos que o livro fosse reconhecido por eles como uma propriedade. E foi exatamente o que aconteceu. Um resultado melhor do que poderíamos esperar", finaliza.

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