Divulgação/UFRJ Primeiro curso organizado pelas pesquisadoras
Vilma Homero
promoveu amplo debate sobre violência sexual
Pesquisa feita entre 2001 e 2002 pelo Instituto Noos e pela ONG Promundo em domicílios de dois bairros do Rio de Janeiro, Botafogo e Bangu, apontou um número bastante elevado de casos de violência doméstica na cidade: nada menos que 51,4% dos homens, pelo menos uma vez, já praticaram algum tipo de violência contra suas atuais ou ex-companheiras. Em 17,2% dos casos, tratava-se de violência sexual. Esse tipo de violência será discutido no segundo curso sobre Direitos Humanos, Gênero e Violência, que movimentará quatro quintas-feiras entre 19 de abril e 26 de maio no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O curso é voltado para um público de estudantes de pós-graduação, graduação e profissionais ligados ao tema. É também uma das atividades que integra a pesquisa que as professoras Bila Sorj e Aparecida Fonseca Moraes, do Núcleo de Estudo de Sexualidade e Gênero (Neseg), do IFCS-UFRJ, coordenam. Com o estudo Gênero e Direitos Sexuais – um estudo sobre as percepções da violência entre vítimas e profissionais da área de segurança pública do Rio de Janeiro, apoiada pelo programa de Direitos Humanos da FAPERJ, elas pretendem não apenas conhecer as percepções sobre gênero, sexualidade e direitos sexuais que prevalecem entre os profissionais de segurança pública responsáveis pelo atendimento às vítimas desse tipo de violência no estado, como comparar os atendimentos nas unidades da Polícia Civil e contribuir para a formação de pesquisadores no setor, entre estudantes de graduação do curso de Ciências Sociais da universidade.
Tudo isso tem sido feito com base em entrevistas e na observação das rotinas das delegacias policiais. “Uma parte das informações quantitativas que nos chegam tem mostrado que, em geral, os dados relacionados à violência contra a mulher levados à polícia se referem a agressões cometidas por maridos, companheiros ou 'ex'. Apesar dos números da violência contra a mulher nas delegacias policiais brasileiras, na grande maioria dos estados há deficiências no tratamento e na apresentação das estatísticas criminais, o que gera escassez de informações sobre o tema”, explica Aparecida.
No Rio de Janeiro, apenas a partir de 2001 as ocorrências policiais passaram a registrar a relação vítima-agressor, informação fundamental para se detectar as dinâmicas que envolvem a violência de gênero. Em recente estudo, feito com o CESeC-Ucam (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Candido Mendes) sobre os casos de violência sexual registrados nas delegacias policiais do Rio de Janeiro, identificamos 3.608 vítimas de estupro e 4.947 de atentado violento ao pudor num período de apenas três anos (2001-2003). Entre as vítimas de atentado violento ao pudor, 72% conheciam os seus agressores. Nos registros de estupro quase 50% das mulheres vitimadas também disseram conhecer seus estupradores. Muitos deles eram parentes, vizinhos, pessoas com as quais as vítimas mantinham ou haviam mantido uma relação amorosa, entre outros. Mas isso não é tudo. “Consideramos importante lembrar que os crimes sexuais que chegam às delegacias representam apenas uma parcela daqueles realmente praticados, já que são sabidamente altas as taxas de subnotificação nesses casos”, diz.
Vítimas se sentem inseguras diante da má qualidade do atendimento recebido
Embora repudiada por todos, a violência sexual – na avaliação de quem lida com o assunto – não tem mobilizado esforços suficientes do sistema de justiça criminal, seja no plano da prevenção e do atendimento às vítimas, seja nos âmbitos investigativo e repressivo. “Policiais mal preparados afugentam as vítimas da rede de instituições de segurança e interrompem a cadeia que as deveria conduzir às unidades de saúde, para prevenir os danos decorrentes da violência, como traumas psíquicos, gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis. São conhecidos os casos de mulheres que buscam ajuda em delegacias e desistem de efetuar a denúncia pela má qualidade do atendimento recebido”, explica.
Desde sua criação, entretanto, essas delegacias têm passado por transformações significativas e, apesar de sua importância como política pública, não constituem um campo de investigação homogêneo da violência contra a mulher. Hoje existem mais de 350 delegacias no país que, no entanto, atingem apenas 10% dos municípios brasileiros, sendo que 1/3 delas se encontra em São Paulo. Além desta diferença de cobertura, também chama atenção a particularidade de funcionamento das delegacias em alguns estados. “No Rio de Janeiro, por exemplo, são mulheres (delegadas) que comandam as DEAMs. Contudo, ao contrário do que ocorre em outros locais, homens também integram o quadro de investigadores”, fala.
Apesar da luta feminista para que a ‘violência conjugal’ seja considerada crime e o agressor penalizado, como apontam Aparecida e Bila em trabalho recente, a experiência das usuárias mostrou que as mulheres recorriam às delegacias com outros objetivos. “Em geral, elas não desejavam a punição legal do agressor, mas queriam recuperá-lo, mediante a ameaça ou aconselhamento de uma autoridade policial”, explica Aparecida. Mesmo assim, a lei federal 11.340/2006 foi promulgada em agosto de 2006, tornando-se conhecida como lei Maria da Penha.
“Mas essa lei ainda precisa cumprir a fase de regulamentação e de criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher nos vários estados brasileiros. Por enquanto, ainda não há base de informações suficiente para fazer considerações acerca do seu processo de judicialização, ou quanto a suas formas de aplicação e fluxos de encaminhamentos no judiciário, na polícia, nos centros de atendimento, abrigos etc.”, diz Aparecida.
Mesmo assim a lei Maria da Penha pode significar enorme avanço no combate à violência. Anteriormente considerados como de ‘menor potencial ofensivo’, os casos de violência conjugal terminavam sendo encaminhados aos Juizados Especiais Criminais (JECRIMs), que na prática acabavam por “despenalizar” esses crimes, punidos em geral com fornecimento de cestas básicas, serviços à comunidade e participação em grupos terapêuticos. As críticas a essa atuação levaram à elaboração de uma nova proposta de lei. A lei Maria da Penha inclui medidas preventivas, assistenciais, punitivas, educativas e de proteção à mulher e aos filhos.
“É importante notar que há diferenças significativas na forma como feministas e usuárias, mulheres vitimadas, percebem o papel do Estado no combate à violência de gênero. A dificuldade de imposição de normas jurídicas universais na resolução de conflitos conjugais mostra que é complexa a recepção das políticas de combate a este tipo de violência”, explica Aparecida. Mesmo assim, gradativamente, as mudanças estão em curso. E o fato de alguns profissionais vinculados à academia de polícia haverem solicitado inscrições no segundo curso sobre Direitos Humanos Gênero e Violência tem sido considerado pelas pesquisadoras como bastante positivo, especialmente sem ter havido uma divulgação específica para as instituições policiais.
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