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Publicado em: 19/10/2006
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Pesquisa diz que favelados são os mais preocupados com a violência

Vilma Homero

Como num confronto militar, a polícia age na favela como se estivesse no campo do inimigo, criminalizando todos os moradores no imaginário social
Há décadas o professor Luiz Antonio Machado vem traçando os diversos aspectos de uma antropologia urbana. Ao deter o olhar sobre as favelas, ele constatou que, ao contrário do que se imagina, seus moradores estão longe de habituar-se à convivência forçada com o tráfico de drogas, no que se convencionou chamar de "banalização da violência". Pelo contrário, são eles os que mais sofrem tanto como as vítimas mais próximas dos confrontos quanto pelo preconceito do restante da sociedade.

Na pesquisa Rompendo o cerceamento da palavra: a voz dos favelados em busca de reconhecimento, contemplada pelo edital Direitos Humanos e Cidadania, da FAPERJ, o professor percebeu que no domínio da criminalidade local sobre boa parte do cotidiano nas favelas, esse sofrimento é imenso. "Não apenas pelo impacto dos confrontos, mas mais amplamente pelo sofrimento psíquico que é viver lado a lado com bandos armados circulando ostensivamente", diz Machado, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj/Ucam) e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ).

Segundo Machado, a idéia generalizada, inclusive entre pesquisadores, é de que essas populações "se habituam" com a situação, incorporando a violência, a crueldade e as arbitrariedades cometidas por policiais e criminosos ao seu dia-a-dia, "banalizando o mal". Entretanto, em seus estudos há farta evidência de que, muito ao contrário, a preocupação dos favelados com a violência é constante.

Há ainda a estigmatização de que são vítimas por dividir seu território com criminosos. "Além de reprovarem pessoalmente a violência criminal, ao contrário do restante da população, eles precisam desenvolver um trabalho de "limpeza simbólica", demonstrando a toda hora que são gente confiável e respeitadora das regras de convivência pacífica. Sendo assim, onde está a banalização?", questiona o pesquisador.

Para Machado, a expressão "lei do silêncio" também é ambígua e precisa ser contextualizada. "Em primeiro lugar, há a contigüidade física, que nada tem a ver com conivência com esse poder armado", explica. E o puro preconceito: como a sociedade estimula a demanda de uma cultura repressiva, a intervenção dos aparelhos policiais é feita como um confronto militar, às vezes atravessado pela corrupção, em que as favelas são o "campo do inimigo", criminalizando todo o conjunto dos moradores no imaginário social.

"Eu diria que vivemos um momento de clara dessolidarização e desconfiança. Antes de reivindicar algo, os favelados precisam adquirir legitimidade como atores na cena pública, o que, por princípio, lhes é negado", diz Machado. Isso bloqueia a ação das organizações e lideranças tradicionais. "Primeiro, porque a população, de um modo geral, tem medo e pensa duas vezes para dizer ou participar de alguma coisa. Segundo, porque como o tráfico é um poder armado, isso enfraquece as organizações de base, que perdem adesão e ficam esvaziadas. Pior: produziu-se uma suspeição generalizada de que essas organizações tenham associação com o tráfico. O que cria um verdadeiro cerco à ação política de base", explica.

Para os favelados, falta apoio do restante da população

E prossegue: "Tudo isso traz aos favelados um imenso sentimento de desamparo. Primeiro, porque identificam não apenas indiferença e falta de apoio por parte do restante da população, mas algo ainda mais profundo, uma rejeição provocada pela estigmatização que sofrem. E se ressentem do descaso, quando não do arbítrio, com que costumam ser tratados pelos funcionários das instituições estatais. Para não falar, é claro, da péssima qualidade dos serviços públicos oferecidos às camadas populares."

Diante desse quadro, Luiz Machado centrou sua pesquisa em três comunidades do Rio com diferentes situações: uma favela antiga e grande, que já teve um movimento organizado, e hoje convive com a presença ostensiva de traficantes armados, confrontos repetidos com a polícia e com outros grupos de traficantes; uma comunidade que seria o oposto, pequena, sem confrontos recentes e sem presença ostensiva de criminosos, tomada em certo momento pelo poder público como caso exemplar de "ocupação social"; finalmente, uma favela onde a atuação do tráfico de drogas é impedida por outro poder armado privado, conhecido como "mineira".

Para colher evidências que permitissem uma análise crítica bem fundamentada, Machado recorreu à realização de 14 "coletivos de confiança", reuniões com oito a 12 membros, e dois pesquisadores como moderadores. Os integrantes foram escolhidos a partir de conhecimento prévio, em que já se havia estabelecido relação de confiança com os pesquisadores.

"O resultado superou nossas expectativas mais otimistas", entusiasma-se Machado. Para ele, ficou evidente que os moradores lidam cotidianamente com situações-limite, que afetam tremendamente sua capacidade de seguir com a rotina e solapam as bases de sua "segurança ontológica", isto é, a certeza de saber "como é o mundo" e, nele, "quem sou". Por outro lado, apesar da influência da mídia e da linguagem militar que ela divulga, foram muito esporádicas e vagas entre eles a idéia de se encontrarem no meio de uma guerra.

A presença, ou o fantasma, do tráfico é uma constante na vida prática e nas preocupações subjetivas. É referência cognitiva e moral tanto nas favelas "tranqüilas", quanto nas dominadas pela "mineira" ou nas "violentas", assim como nas demais áreas da cidade. "Isso afeta a circulação dos moradores, particularmente dos jovens, tanto no local onde moram quanto nas demais áreas urbanas, já que passam a orientar-se segundo o que acreditam ser um lugar permitido ou não, perigoso ou não. Desse modo, o poder do tráfico acaba parecendo maior do que sua capacidade material de impor o arbítrio", diz.

Nas favelas, os policiais agem de forma violenta, arbitrária e pouco confiável



Machado enfatiza que, nos depoimentos colhidos, não houve qualquer crítica que envolvesse a retirada da polícia das favelas. Pelo contrário. "Todas as reclamações visam apenas mudar a conduta policial, para que usem a força comedida` constitucional, respeitando os favelados tanto quanto a população de outras áreas da cidade. Os poucos episódios em que a polícia deu segurança aos moradores foram lembrados e valorizados como exemplos da polícia que eles desejam - e merecem -- ter."

Para o pesquisador, quando se limitam a permanecer no posto policial, os policiais são figuras irrelevantes na vida local; e quando fazem as temidas operações`, tornam-se um corpo estranho para os moradores, demonstrando que estão mal localizados na cidadania da qual os aparelhos policiais são, ou deveriam ser, uma instituição. As evidências avassaladoras da pesquisa mostraram que nas favelas - ao contrário das zonas nobres e das camadas mais abastadas - os policiais são violentos, arbitrários e, portanto, não confiáveis. Logo, eles são mais temidos do que os próprios criminosos.

Segundo Machado, é provável que o isolamento e segregação em que se acham as favelas e os favelados seja em boa parte responsável pelo fato de que o sofrimento e a indignação pessoal sejam insuficientes para um esforço generalizado e consistente de tornar sua voz publicamente audível. "Mais do que passividade e conformismo, acho que existe um bloqueio - a lei do silêncio - ao desenvolvimento de práticas discursivas e materiais que tenham repercussão no espaço público", fala.

Na opinião do pesquisador, uma política de segurança democrática deve incidir o mais pesadamente possível sobre uma mudança de postura dos atores. "É urgente reverter essas tendências à dessolidarização claramente visíveis no Rio, e ao mesmo tempo garantir voz às categorias sociais mais afetadas pela violência criminal que, no momento, são os favelados. Esta é uma dimensão crucial na construção de pontes efetivas de negociação e reconhecimento entre os diversos segmentos sociais. Sem isso, não será possível equacionarmos o problema da violência no Rio de Janeiro", conclui.

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