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Publicado em: 23/06/2005
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Epilepsia, ciência e preconceito

Vinicius Zepeda

 

Numa madrugada de 1973, o funcionário da PUC-RJ Roberto Sobreira, 36 anos, então com quatro, estava exausto depois de virar a madrugada ajudando a família a embalar os doces de Cosme e Damião. Debruçado num muro baixo, de repente foi derrubado por uma vertigem e começou a salivar e debater-se involuntariamente. Mais tarde, diante dos sintomas típicos, um médico diagnosticou: Sobreira é um dos oito milhões de brasileiros portadores de uma das primeiras enfermidades conhecidas e descritas com detalhes na história da medicina – a epilepsia. A doença é o tema da pesquisa Ciência e preconceito: Uma história social da epilepsia no pensamento médico brasileiro, coordenada pela historiadora da PUC-Rio Margarida de Souza Neves e apoiada pela FAPERJ através da bolsa Cientistas do Nosso Estado 2005/2006.

 

A pesquisa pretende analisar os documentos científicos produzidos por médicos no Brasil entre a primeira tese acadêmica sobre o tema, em 1859 e 1906, ano em que o italiano Camilo Golgi e o espanhol Ramón y Cajal receberam o prêmio Nobel de Medicina por suas descobertas que permitiram identificar o funcionamento da rede de neurônios do cérebro humano.  Até o Nobel de Golgi e Ramón y Cajal, a medicina não possuía instrumentos científicos para entender os processos que originavam as crises epilépticas e a etiologia da doença. “Ao pesquisarmos os documentos científicos sobre a epilepsia escritos antes de 1906, quando os médicos lidavam quase às cegas com a doença, identificamos facilmente o preconceito contido neles”, acrescenta Margarida.

 

De acordo com a pesquisadora, Ciência e preconceito vai além de estudar a discriminação sofrida pelos epilépticos. ”Nosso estudo é importante para analisar qualquer preconceito, que pode estar presente em pessoas comuns e médicos que lidam com doenças crônicas como hanseníase, AIDS, hepatite, herpes, entre outras que ainda estigmatizam seus portadores”, observa.

 

 

Margarida ressalta que a epilepsia foi e continua sendo uma doença fortemente marcada por preconceitos. ”Ao desconhecer a etiologia da doença, os médicos do século 19 associavam a epilepsia a questões morais, ao controle dos corpos, e mesmo a uma propensão inata ao crime”, afirma. Algumas destas idéias perduraram até meados do século 20 e fundamentaram algumas das mais terríveis ações do nazismo, por exemplo.

 

A equipe coordenada pela historiadora conta também com a ajuda da historiadora Heloísa Corrêa e mais seis estudantes de História da PUC-RJ, entre eles dois bolsistas de Iniciação Científica da FAPERJ. De acordo com Margarida, a pesquisa é trabalhosa do ponto de vista de levantamento de material empírico: as teses médicas produzidas no Rio de Janeiro se encontram, principalmente, na Biblioteca Nacional e na Academia Nacional de Medicina, ambas fechadas aos pesquisadores. Em conseqüência, a equipe vem trabalhando no material já coletado anteriormente, ao mesmo tempo em que aprofunda o viés da historiografia da saúde e da doença e a vertente teórica da pesquisa.

 

Os primeiros resultados já foram apresentados e debatidos em congressos realizados no Brasil e em agosto deste ano serão apresentados em Paris, no Congresso da Sociedade Internacional de Epilepsia.

 

Para Margarida Neves, o apoio da FAPERJ tem sido fundamental não apenas para o desenvolvimento de seu projeto, mas também para a pesquisa e a pós-graduação em todo o Rio de Janeiro. ”Para mim a FAPERJ soube criar um nicho muito particular em suas ações, evitando duplicar ações das agências nacionais de fomento”, analisa a historiadora.

 

Auto-aceitação, mitos e preconceitos
Na opinião de Roberto Sobreira – o funcionário da PUC-RJ diagnosticado aos quatro anos – o pior preconceito é o da própria pessoa portadora de epilepsia com ela mesma. Ele não vê nenhum problema em contar para amigos e colegas de trabalho sobre a doença e até incentiva que outros façam o mesmo. ”É preciso revelar o problema ao menos para o seu meio mais próximo. Assim quem estiver próximo saberá como agir diante de uma crise”, afirma

 

Só por volta dos 14 anos de idade, conta Sobreira, é que ele começou a ter auto-aceitação e a buscar mais informações sobre a doença. “Conheci um garoto que era epilético que, por não tomar os remédios regularmente, tinha crises fortíssimas. Isso me motivou a ler e procurar entender mais minha própria doença e a sair do anonimato”, recorda.

 

Por volta dos 20 anos, quando teve seu primeiro namoro sério, sentiu pela primeira vez a discriminação por ser epiléptico. A namorada freqüentava o candomblé, religião que considera a epilepsia um problema de “espírito mal-resolvido”. “Ela terminou o namoro quando soube da doença”, conta.

 

De acordo com a pesquisadora Margarida Neves, o mito do espírito mal-resolvido perdura até hoje no imaginário popular. Ela dá o exemplo dos ex-votos, que são testemunhos de fé do povo em agradecimento por graças recebidas – entre elas a cura da epilepsia. “Ex-votos são hoje considerados documentos valiosos que permitem análises sobre o imaginário coletivo”, acrescenta.

 

Outro exemplo de discriminação ocorreu mais recentemente com Roberto Sobreira no processo de renovação da carta de motorista. “Eu já tinha feito todos os testes e, na hora de renovar, falei que sofria de epilepsia. Resultado, a renovação foi proibida até que eu trouxesse um laudo do meu médico comprovando minha

 

capacidade”, resume Sobreira. “Por que não me perguntaram isso antes? E se eu não tivesse falado, qual seria a diferença?”, questiona.

 

Um outro mito que ainda resiste é o de que deve-se puxar a língua do epilético durante a crise evitar que ela enrole. ”O procedimento correto é colocar a pessoa em posição confortável de modo a proteger sua cabeça durante as convulsões, além de evitar que a pessoa sufoque com a própria saliva”, esclarece Sobreira.  Margarida Neves alerta, ainda, que a força de uma convulsão é tão intensa que a pessoa pode ficar seriamente ferida ao tentar puxar a língua de um doente em crise.

 

Desde que descobriu a epilepsia e começou a se tratar Roberto Sobreira, casado há 12 anos, leva uma vida perfeitamente normal e saudável, bastando que tome os remédios com regularidade e na hora certa.  Sua única limitação é não poder beber álcool, estimulantes ou praticar esportes radicais, em que a adrenalina sobe muito. “Faz cinco anos que não tenho uma crise. A última que tive foi por não estar fazendo o tratamento direito. Fora isso, sempre pratiquei esportes, comi muito e tive este corpo magro. Hoje em dia pratico capoeira, ginástica e futebol”, orgulha-se.

 

 

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