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Publicado em: 02/04/2020
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Estudo identifica potencial econômico e social das atividades musicais de rua

Juliana Passos

A Orquestra Voadora começou como bloco não oficial e atualmente 
arrasta multidões na terça-feira de Carnaval. (Foto: Cidades Musicais)

Na pandemia provocada pelo virus da Covid-19, um dos primeiros segmentos afetados e, ao mesmo tempo, mobilizado como válvula de escape e consolo para a crise, foi o setor de entretenimento. Enquanto os shows nas ruas, nos bares e casas especializadas foram os primeiros eventos cancelados para se evitar aglomerações, as sacadas e as transmissões online têm emergido como alternativa para que a população possa seguir apreciando as apresentações. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas chegou a anunciar incentivos para essas novas modalidades de concertos no período de quarentena.

Tendo como foco inicial o estudo da cena musical de rua no Rio de Janeiro há alguns anos, as pesquisas dos professores de Comunicação Micael Herschmann e Cíntia Sanmartin Fernandes evidenciam a relevância socioeconômica dessas atividades não só na capital fluminense, como em outras cidades fluminenes. Herschmann é professor na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) e Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Fernandes é professora da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e também vem recebendo diversos apoios da Fundação ao longo desses anos.

Iniciada na metrópole do Rio, a pesquisa em curso Cidades Musicais do Estado do Rio de Janeiro, liderada por eles, passou a abarcar também as cidades de Paraty, Rio das Ostras e Conservatória. Em Paraty e Rio das Ostras a movimentação nas ruas e do turismo se deve principalmente à realização de grandes festivais como Mimo e Bourbon. Rio das Ostras também tem atraído muitos turistas com um dos principais festivais de jazz e blues do país, enquanto Conservatória continua há décadas com atrações musicais mais direcionadas para um segmento de público de Terceira Idade, valorizando principalmente as tradições das serestas e serenatas. Já na capital do Estado foram identificados a ocupação de diversos espaços estratégicos por atores de diferentes faixas etárias, os quais vêm agenciando nos eventos variados gêneros musicais: que vão das tradicionais rodas de samba e jongo aos concertos de hip hop, rock e jazz.

No entanto, apesar de existirem algumas vocações musicais regionais predominantes, ambos os pesquisadores ressaltam que os processos de ressignificação promovido pela música (e pela arte de modo geral) nas cidades são constantes e bastante significativos. Nessa investigação foi possível constatar uma forte preocupação com a renovação das políticas públicas. “A nossa presença nessas cidades tem feito com que alguns gestores públicos, especialmente os mais progressistas, passassem a refletir mais sobre certos aspectos menos visíveis das suas iniciativas. Em Paraty, por exemplo, a Secretaria de Cultura e o Serviço Social dos Comércio (Sesc) estão tentando incluir na sua programação mais manifestações das culturas juvenis com menos legitimidade na localidade, tais como o hip hop ou mesmo festas das cenas alternativas locais. Em Conservatória está ocorrendo uma renovação do público com a inclusão do Chorinho e da Bossa Nova na agenda oficial da cidade. Além disso, os coletivos artísticos, apoiados pelo poder público, têm promovido um ‘carnaval antigo’ neste pequeno vilarejo, com grande êxito, nos últimos anos”, comenta Fernandes.

Os pesquisadores advertem para os riscos da euforia em torno das cidades musicais e criativas, bastante presente no País, e o crescente número de municípios que se candidatam para o selo “Cidades Criativas” criado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2004. “É muito comum hoje se discorrer muito nos meios de comunicação sobre a relevância das chamadas Cidades Criativas. Na realidade, há muita confusão entre iniciativas de marketing territorial – que são muito comuns, constituem-se em ações pontuais e de grande impacto midiático – e a difícil missão de construção de cidades que sejam efetivamente criativas, pois a sua consolidação implica processos complexos e endógenos de adensamento dos territórios, os quais devem redundar na promoção da democracia e mais qualidade de vida. Portanto, essas localidades devem alcançar novos patamares de Desenvolvimento Local Sustentável. O objetivo dessa investigação é o de elaborar cartografias que poderiam mais adiante auxiliar nos processos de renovação das políticas públicas implementadas em cidades do Estado do Rio de Janeiro, especialmente as que já possuem altas taxas de ocupação turística e atraem o público por sua movimentação cultural”, explica Herschmann.

Encontro do Slam das Mina na Lapa, centro do Rio. Após apresentações
nas ruas, coletivo fechou diversas parcerias, mas também enfrenta 
dificuldades de ocupar o espaço público. (Foto: Cidades Musicais)

Para esse pesquisador, além da produção cultural institucionalizada – aquela que já conta com algum apoio do poder público para ser realizada nos espaços públicos e privados – receber pouco incentivo, há certa dificuldade por parte de setores do Estado em reconhecer que muitas das iniciativas espontâneas geralmente não apoiadas podem se constituir em riquezas locais. Ele cita ações simples por parte do poder público que poderiam contribuir com essas iniciativas culturais, tais como a disponibilização de banheiros químicos, empréstimo de praticáveis para a realização dos concertos ou a disposição de colocar menos entraves burocráticos para a concessão de licenças e alvarás, os quais dificultam a realização desses eventos. O Carnaval, principal exemplo do potencial das festas de rua no Rio, trouxe dois milhões de turistas para a cidade em 2020, de acordo com dados fornecidos pela RioTur. “Apesar de todos os benefícios que são gerados – e em um momento de crise econômica vivido pelo Estado e país, em geral os eventos de rua seguem sendo considerados como práticas que ameaçam a ordem pública”, argumenta Herschmann.

Institucionalização

Os coordenadores da pesquisa enfatizam que a fronteira entre o que está institucionalizado e o que não está é muito tênue. Muitas iniciativas não institucionalizadas ocorrem, pelo menos num primeiro momento, de forma gratuita. Vários músicos já tocaram em espaços privados, mas por estarem na rua não são reconhecidos pelo público. A rua muitas vezes funciona como vitrine que possibilita que alguns grupos passem a ser convidados para lugares fechados, como têm ocorrido nos últimos anos com artistas de diversas rodas de samba, jazz ou de fanfarras. “A nossa proposta é que tenhamos daqui uns dois anos uma plataforma digital (cartografias) que ofereça uma amostragem expressiva dessa produção cultural. O usuário poderá visitar esse site e ter uma noção de quem são esses atores, como se distribuem e organizam nessas urbes. Achamos que esse mapeamento pode contribuir para a valorização dessas produções locais quase invisíveis”, comenta o pesquisador.

A questão da sustentabilidade dessas iniciativas atravessa também a pesquisa. O chapéu, por exemplo, que muitas vezes funciona como forma de financiamento dos músicos nessas cidades, é ainda um tema controverso de acordo com as entrevistas realizadas pelos coordenadores. “Os músicos com frequência se colocam essa questão como prioritária. Para muitos deles o chapéu é pouco eficaz em resolver a questão da sustentabilidade. O problema do chapéu é que há muito preconceito (e mesmo oposição) a esta prática no Brasil: existe muita resistência por parte do público em relação a esse tipo de produção musical que ocupa em geral as ruas, isto é, frequentemente essas iniciativas são associadas ou mesmo confundidas com mendicância. Há artistas mencionados na nossa pesquisa, por exemplo, que trabalham com outras alternativas. Exigem cachês dos ambulantes (e comerciantes locais) ou querem participação na venda de bebidas durante os eventos. Há outros coletivos artísticos que sempre estão em editais, mas também há outros que não querem participar de nenhum, em nome da preservação da sua autonomia. A temática é bastante complexa, mas fundamental para a continuidade de muitas dessas atividades culturais”, avalia Herschmann.

As cartografias realizadas também evidenciam as complexidades e as disputas nos espaços urbanos. Se por um lado, determinadas regiões são afetadas positivamente por processos de gentrificação e/ou maior valorização imobiliária justamente por serem ponto de encontro de diversos públicos e coletivos artísticos; por outro lado, esses atores que protagonizam esses momentos de sociabilidade enfrentam inúmeras dificuldades burocráticas para viabilizar esses eventos. Um caso ilustrativo é o da Pedra do Sal, tradicional reduto dos sambistas e que foi convertido em 2014 em espécie de anfiteatro ao ar livre de diversas tribos da cidade e incorporado ao projeto do Porto Maravilha, mas que nos últimos anos, encontra-se esvaziado, pois a localidade tem sofrido com a repressão policial.

Ao mapearem as manifestações culturais em cidades do Estado, pesquisadores
querem contribuir para a integração entre atores sociais (Fotos: Arquivos pessoais)

“O mais interessante é perceber que para além das disputas e tensões, há também muita solidariedade: são inúmeros, coletivos e redes que se ajudam nos processos de ocupação das ruas. Muitas teorias sociológicas falam de um individualismo reinante, mas o que temos acompanhado na pesquisa sinaliza dinâmicas distintas, muito gregárias. Além disso, existe também uma grande capacidade de improvisação para lidar com as adversidades: na rua a lógica da gambiarra impera. Um exemplo disso é o uso de baterias de automóvel para fazer a eletrificação dos concertos musicais”, comenta Fernandes.

Mulheres e festa

Fernandes salienta ainda aspectos relacionados a condição das mulheres nas ruas, que emergem com frequência nesses eventos cartografados. Em estudo realizado com a doutoranda Flávia Barroso, constataram que algumas mulheres do século XIX – na sua maioria negras e mestiças – agenciavam as festas públicas como espaço de liberdade, de afirmação do corpo feminino na cena pública, em uma época que o espaço público era praticamente vedado às mulheres. “Fomos buscar no século XIX algumas evidências de que já tínhamos essa potência de liberdade que se enunciava, mas que, naturalmente, identificamos apenas de forma clara na contemporaneidade – especialmente nos eventos de rua que são protagonizados pelas mulheres. Hoje reconhecemos muito claramente o potencial político e transgressor de movimentos tais como poetry slam, que colocam em pauta e atualizam uma agenda não só feminista, mas também da Cultura Queer na cena urbana contemporânea. Difícil mesmo é constatar que eventualmente as mulheres negras do século XIX – apesar de todo sofrimento, vivendo entre a chibata e o poder patriarcal – conseguiram encontrar brechas para estar nas ruas naquela época”, comenta. Para a pesquisadora, a presença das mulheres no espaço público é um dado relevante a ser analisado com mais cuidado nessa investigação em curso. “Cada vez mais identificamos grupos musicais formados majoritariamente (ou na totalidade) por mulheres que exercem um significativo protagonismo não só na cena cultural local, mas também nos processos importantes de ressignificação das cidades”, finaliza.

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