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Publicado em: 06/09/2018
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Imagem negativa persegue jovens moradores de comunidade

Vilma Homero 

Em Copacabana, o contraste visto da praia: proximidade
entre 
favela e prédios da orla (Fotos: Divulgação)  

Como é ser jovem, de baixa renda e morador da periferia ou de uma das muitas favelas de uma grande cidade? Sobretudo se esse jovem for do sexo masculino e negro, as estatísticas revelam que ele terá grande possibilidade de não chegar à vida adulta. Isso acontece porque uma boa parte dos atos considerados violentos no País envolvem jovens como suas principais vítimas ou agentes. Somam-se a esses números as mortes em decorrência da rivalidade violenta das quadrilhas de traficantes de drogas, assim como resultado dos confrontos entre eles e a polícia.

No projeto “Mortes precoces e sociabilidades juvenis: juventudes, violências e estilos de masculinidade em favelas pacificadas no Rio de Janeiro”, contemplada com um Auxílio à Pesquisa (APQ 1), da FAPERJ, a cientista social Fátima Regina Cecchetto, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e professora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), ambos na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), procurou tratar o homicídio juvenil como problema social e de saúde pública. Eles são o resultado do que ela chama de “interação perversa” entre fatores sociais e aspectos culturais específicos, como as representações rígidas sobre as identidades de gênero e os estereótipos de cor/raça que incidem sobre os homens.

“É fundamental que se veja a masculinidade para além da mera herança biológica, como uma construção contextual. É preciso entender o masculino como algo plural, com a constituição de diversos estilos de ser homem, que variam mesmo dentro de um determinado grupo”, fala a pesquisadora. Da mesma forma, ela ressalta que também não se pode pensar a natureza masculina como sendo atavicamente violenta. “Mas é no cenário conturbado que predomina nas comunidades que um jovem rapaz vai perceber as noções do que é ‘ser homem’. A partir daí, a violência pode ser, ou não, um fator determinante para definir sua noção de masculinidade”, diz Cecchetto.

No estudo – que ainda está em andamento –, ela analisa a percepção de diferentes grupos sobre violência e sociabilidade nas áreas de favelas pacificadas. “Acredito que a relevância do projeto resida justamente na articulação entre a temática da violência associada à dimensão de gênero. Ou, mais especificamente, da construção social das masculinidades”, diz. Sim, masculinidades no plural, uma vez que, como ela considera, há mais de uma forma de “ser homem”.

Como analisa a pesquisadora, a juventude da periferia de grandes cidades, como o Rio de Janeiro, sofre um aberto cerceamento de liberdades. “Eles são classificados como ‘envolvidos’, uma nova forma de rotulação criminal que autoriza uma série de violações, incluindo a de policiais. Nas comunidades, é preciso obedecer à risca os códigos de comportamento que prevalecem no lugar, manobrando as cercas impostas pela polícia, pelo tráfico de drogas e pela milícia. Para os que querem se ver longe de tudo isso, é preciso manter um distanciamento dos grupos armados de traficantes pelos quais se passa diariamente, dos policiais que fazem incursões armadas pelas favelas – ou, se for o caso, dos milicianos que estiverem dominando a localidade", explica.

Em pesquisa de campo, Fátima Cecchetto constatou relatos
frequentes dos jovens revelando o estigma de que são alvo

Ao mesmo tempo, como os jovens de periferia com frequência constatam, a grande maioria dos moradores do asfalto tem uma imagem negativa sobre as favelas, consideradas reduto de traficantes e bandidos. Assim, mesmo para aqueles que estudam e trabalham, transitar pelas regiões mais ricas da cidade, sobretudo pelos shoppings da Zona Sul, é também, muitas vezes, ser alvo da desconfiança de funcionários da segurança. “É muito comum que jovens negros falem sobre situações em que as pessoas apressam o passo ou atravessam a rua à sua aproximação. Fora da favela, eles se sentem discriminados, sobretudo em shoppings, agências bancárias, ruas, lojas e restaurantes. É o descaso no atendimento, perseguição e violência dos seguranças dos estabelecimentos comerciais, assim como da própria polícia, principalmente para os homens”, cita a pesquisadora. É mais uma das muitas cercas sobre as quais ela fala.

Nesse tipo de visão, todo favelado é visto como um envolvido com o crime. “O peso do estigma é experimentado por esses jovens como uma dimensão chave em suas interações, sobretudo quando estão fora das comunidades. Tudo isso encontra um solo fértil para mobilizar vigilâncias difusas e controles ampliados sobre esses grupos sociais e alimenta a acusação perene do envolvimento com o crime. Na narrativa desses rapazes, isso transparece como um anátema da condição territorial. E termina constituindo até mesmo um obstáculo a mais para se conseguir um emprego formal”, fala a pesquisadora.

Para driblar esse estereótipo, quando em busca de emprego, muitos rapazes contam que recorrem ao endereço de algum parente de fora da comunidade, ou se contentam em arranjar trabalho próximo à favela. “Para alguns empregadores, que já sabem quem eles são, contratá-los significa pagar salários mais baixos, já que aqueles rapazes têm poucas opções. Mas também, como contou um dos jovens, ‘é viver com a desconfiança constante de ser roubado.’”

Analisando como se dá esse processo de rotulação criminal, e as manobras que os moradores de favelas usam para lidar com esses distintos graus de incriminação em suas vidas, é possível perceber como tudo isso configura um cenário extremamente hostil. “E, nesse contexto, a qualquer momento a violência pode irromper. Para mudar esse rumo, só ampliando o leque de perspectivas de futuro que esses jovens terão pela frente”, conclui.   

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