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Publicado em: 03/11/2016
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No caminho da inovação agrícola: abacaxi vermelho

Vilma Homero

 Com casca vermelha e gomos bem aparentes, 
o abacaxi da Botânica Pop se destaca (Fotos: Divulgação)

A coloração é de um vermelho forte, vivo. E sua coroa de folhas também é um pouco menor do que a habitual. Mas a maior diferença é mesmo a polpa, que pode ser separada em gomos e comida com a mão. Detalhe: a casca também é comestível. Pela descrição, poucos diriam tratar-se de uma fruta tão conhecida: o abacaxi. Mas o produzido pela empresa Botânica Pop é resultado de quase 20 anos de cruzamentos seletivos e melhoramento genético até chegar à fruta atual, que, na próxima safra, no início de 2018, deverá estar entrando comercialmente no mercado fluminense.

Não foi um trabalho fácil. Popular, que por seu sabor se coloca entre as dez favoritas no consumo mundial, o abacaxi é uma fruta antiga, conhecida há mais de três mil anos, do gênero Ananas. A espécie doméstica é o Ananas comosus. “A espécie selvagem mais próxima é o Ananas bracteatus, natural da Mata Atlântica, que percorre a faixa que vai de Pernambuco até o Rio Grande do Sul, chegando à Argentina e ao Uruguai”, explica o biólogo Pedro Nahoum, da Botanica Pop, que, com recursos do auxílio ao edital Desenvolvimento e Inovação Tecnológica (ADT 1), da FAPERJ, passou a empenhar-se no desenvolvimento de um tipo diferente da fruta.

Funciona assim: a empresa faz o melhoramento genético clássico da fruta, o que equivale dizer que produz sementes híbridas através da polinização de flores para a seleção dos genótipos mais promissores, que depois são levados para uma posterior clonagem em laboratório. Ou seja, aqueles exemplares que possuem todo o conjunto de genes desejáveis, herdados de seus progenitores, servem como base para clonagem. Feita por micropropagação​, essa clonagem possibilita a obtenção de milhares de mudas com a mesma genética.

O biólogo Pedro Nahoum aposta no sucesso do
abacaxi vermelho, novidade prevista para 2018

Especializado em bromeliáceas, família de grande diversidade na Mata Atlântica, o interesse de Nahoum pelo abacaxi surgiu ainda nos tempos de estudante. “Como trabalhava com plantas ornamentais, fazia cruzamento de bromeliáceas para acentuar-lhes o colorido.” Uma vez que o abacaxi também é da família das bromeliáceas, partir para o cruzamento de espécies diferentes foi só mais uma questão de curiosidade e de tempo. 

“Não havia nada na literatura a respeito. Então, era preciso partir de tentativa e erro”, conta Nahoum. Foi um trabalho demorado, porque a ideia não era produzir plantas geneticamente modificadas. “Partimos para o melhoramento natural, com troca de pólen entre plantas. Isso inicialmente leva dois anos só para tirarmos as mudas híbridas. Após a seleção dos melhores genótipos híbridos, processo que pode levar mais de cinco anos, são necessários mais três anos para proceder à micropropagação em laboratório e levar essas mudas para o cultivo em campo. Em compensação, uma das vantagens é que de poucas plantas podemos conseguir milhares. E o melhoramento é inteiramente orgânico”, enfatiza Nahoum.

Esse é um dado importante, já que, como lembra Nahoum, o popular abacaxi é também uma das cinco frutas que mais recebem agrotóxicos. “Como é muito suscetível ao ataque de fungos, seu cultivo emprega muito fungicida como forma de proteger as lavouras”, acrescenta.  Poder dispensar o uso de agrotóxicos, fazendo um cultivo orgânico, como faz questão de enfatizar Nahoum no caso do abacaxi vermelho, é um benefício a mais.

Mas o que seria um cultivo orgânico? Como explica Nahoum, existem práticas e produtos orgânicos que viabilizam o plantio e nos levam a reduzir o uso de agrotóxicos. “A urina de vaca diluída em água e aplicada nas folhas, por exemplo, é uma forma de combater fungos, que também serve como adubo para as plantas”, cita o produtor. Paralelamente a isso, Nahoum procura selecionar as variedades de abacaxi com menor propensão a pragas, como a Imperial da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), que é especificamente resistente a certas doenças fúngicas, como a fusariose, causada pelo fungo Fusarium sp. e a principal praga do abacaxi no Brasil. “Como não existem variedades resistentes a todas as doenças fúngicas, que são muitas, boas práticas de produção são fundamentais. Por isso selecionamos as variedades adaptadas ao cultivo orgânico, naturalmente mais resistentes, e cultivamos nossas mudas em solo arenoso, o chamado regossolo, que tem muita drenagem e ajuda bastante a evitar fungos,” fala.

O colorido da fruta vem da antocianina, um flavonóide com propriedades antioxidantes, presente em diversas famílias de plantas cultivadas habitualmente: das Vitaceae (uva) às Rosaceae (cereja, ameixa, framboesa, morango, amora, maçã, pêssego, etc.), das Solanaceae (tomate, batata) às Cruciferae (repolho roxo, rabanete), das Leguminoseae (vagem)  às Gramineae (sementes de cereais). Além de atrair polinizadores de flores, as antocianinas oferecem proteção contra os danos provocados pela luz UV na folha, atuando como filtro, melhorando e regulando a fotossíntese. Se são importantes para as plantas, essas propriedades antioxidantes – de combate aos radicais livres –, são ótimas também para a dieta humana, como boas aliadas na prevenção de doenças cardiovasculares e neurodegenerativas.

Pelo método de melhoramento clássico – que usa a seleção dos melhores exemplares como matrizes das novas plantas, como vem sendo feito pela agricultura humana desde o primórdio dos tempos –, Nahoum buscou acentuar a coloração. “A cor forte era uma ideia que me agradava. E, durante o processo, descobri a formação em gomos, que, embora pouco se perceba, existe naturalmente de forma incipiente no abacaxi e que também achei interessante incluir no desenvolvimento da fruta. E, a partir do ano 2000, comecei a colocar mais um item na balança: a casca comestível”, conta.  As variações desejáveis foram sendo incorporadas ao processo de seleção, como forma de aprimorar determinados potenciais. Um deles foi reunir as plantas que apresentavam menor quantidade de espinhos nas folhas. “Foi outra característica que desenvolvemos.”

O resultado foram duas variações da fruta: ‘Cesar’, cuja coroa de folhas ainda mantém um certo número de espinhos, e ‘Davi’, com uma coroa de folhas grandes, mas sem espinhos. Também na polpa, eles são diferentes: a de Cesar é mais amarela, enquanto a de Davi é mais esbranquiçada. “Embora a acidez varie de acordo com as condições de solo e adubação, e dependa do grau de maturação em que a fruta é colhida, ambos mantém a combinação de acidez e doçura que caracteriza o abacaxi”, entusiasma-se o produtor. E, se chama atenção pela cor, a folha avermelhada de ambos os tipos da fruta ainda tem uma vantagem menos óbvia: por seu teor de fibras pode ser utilizada para a produção de papéis e tecidos.

As duas variantes estão sendo desenvolvidas na fazenda da família em Maricá, onde as mudas são produzidas em estufa e de onde saem para o cultivo em campo na região de Quissamã, cujas terras arenosas são mais adequadas ao plantio. “Por sua baixa umidade, a região reúne condições de clima e solo bem mais apropriados ao cultivo do abacaxi. Criei um pool gênico, com matrizes que continuam sendo cruzadas e aperfeiçoadas. Estamos na oitava geração de cruzamentos”, anima-se Nahoum. Pelas características da fruta que produz, ele já iniciou contatos para a exportação para países como França, Holanda, Emirados Árabes e Japão.      

“Com 15 mil mudas de cada variedade, começamos a produzir em escala de uns poucos milhares e aumentamos muito rapidamente, já que a propagação de mudas é exponencial. Teremos cerca de 400 mil mudas para o próximo ano, com colheita prevista para o início de 2018. É só esperar pra ver.”   

A plantação de Nahoum floresce no solo de Quissamã

Breve história do melhoramento do abacaxi

Paulista de Piracicaba, o cientista Felisberto Camargo (1896-1977) foi, nos anos 1940, o pioneiro mundial na realização de cruzamentos de abacaxis, no estado do Rio de Janeiro. Sua coleção de variedades foi doada e hoje integra o acervo de plantas vivas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Nos anos 1970, foi a vez de o cientista Ricardo Gadelha, da Pesagro RJ, realizar importantes pesquisas com o abacaxi, incluindo a realização de cruzamentos e o estudo dos híbridos. 

Tanto Camargo quanto Gadelha estudaram a planície litorânea do norte fluminense, considerada como dotada de uma das melhores condições de solo e clima – o que também é definido como terroir – para a produção de abacaxis no País. Tais registros se aliam à tradição, há mais de 200 anos, de cultivo na região, junto à cana de açúcar, à antiga cultura indígena fluminense de cultivo da fruta, à grande diversidade no estado de espécies de bromeliáceas e ao fato de o ancestral, ou seja, do parente silvestre do abacaxi ser a espécie Ananas bracteatus, encontrada em toda a Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Todos esses pontos serviram como ponto de partida para a Botânica Pop desenvolver junto ao Instituto Nacional de Produtos Industriais (INPI /Mapa), a criação da identidade geográfica do Puã – o abacaxi vermelho do Rio de Janeiro.

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