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Publicado em: 08/12/2011
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Religiosidade e medicina: pesquisa investiga práticas de cura na zona portuária

Danielle Kiffer

Mariana Leal 

          
    Uso de plantas para curar doenças é investigado no estudo
Até que ponto a cura de uma doença pode ser baseada na fé? Num vasto universo, em que predominam banhos, garrafadas ou mesmo rituais de oferendas a orixás, certas práticas terapêuticas, baseadas na tradição afrodescendente, tiveram continuidade no século XX. Em entrevistas com moradores de comunidades da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense, o pesquisador Fernando Sergio Dumas dos Santos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), investiga questões referentes à relação entre a medicina e os costumes populares de cura e práticas religiosas. Com o projeto “Práticas terapêuticas da comunidade portuária no século XX: memórias e identidades”, ele descobriu que há, arraigada na cultura carioca, a compreensão de que a espiritualidade ajuda na cura.

“Resolvi estudar o século XX porque não há historiografia disponível para este assunto a partir deste período. Constatei como a medicina popular tem sido empregada para complementar a tradicional. Mesmo quando não pertence à umbanda ou ao candomblé, muita gente alia as duas formas de tratamento. É um apoio terapêutico”, afirma Fernando. O ponto de partida escolhido para o início do projeto foi a zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, localizada nas imediações da Praça Mauá, no Rio de Janeiro, um local com fortes raízes afro, que abrigou, nos séculos XVIII e XIX, um conhecido mercado de escravos: o Valongo. Foi neste território rico em tradições culturais que o pesquisador começou a desenvolver seu estudo, que teve apoio da FAPERJ por meio do programa de Auxílio à Pesquisa (APQ 1). “Os livros indicam que a região foi um dos berços da cultura negra no Rio de Janeiro. Por isso, achei interessante investigar como andava, no século XX, a questão dessas práticas de cura, transmitidas de pais para seus filhos”, conta.

Para isso, o pesquisador procurou contatar os terreiros de candomblé e de umbanda que ainda existissem na região, mas descobriu que as reformas urbanas na cidade, com a construção do porto e das avenidas em seu entorno, como a Rodrigues Alves, a Francisco Bicalho e a Presidente Vargas, assim como a especulação imobiliária, transformaram o espaço e seus vínculos com a cultura negra. Em sua busca, Fernando só encontrou um terreiro de candomblé no morro da Pedra Lisa, ao lado do morro da Providência. “Hoje, a maioria dos moradores daquela região é branca e os cultos são feitos nas residências. Acho que isso se deve a todas essas mudanças.” Isso fez com que o pesquisador partisse para a Baixada Fluminense, para entrevistar praticantes, babalorixás e ialorixás da umbanda e do candomblé sobre práticas de cura.

O projeto rendeu 30 entrevistas, cada uma delas de cerca de quatro horas, além de um filme curta-metragem, intitulado Ancestralidade e cura no Rio de Janeiro, e realizado por meio da parceria entre a Fiocruz e o Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da Universidade Federal Fluminense (UFF), sob a ótica das práticas populares, com o radialista e estudioso das questões dos afrobrasileiros Rubem Confete, que viveu grande parte de sua vida na Zona Portuária. “Os depoimentos são muito importantes para a compreensão da pesquisa; as pessoas envolvidas participaram de rituais de curas de diversas correntes do candomblé e da umbanda.”

Segundo o pesquisador, na crença dos praticantes das religiões afrodescendentes, as doenças em geral têm um fundo espiritual, que precisa ser tratado de forma completamente diferente da medicina tradicional. “Isso, no entanto, não significa conflito; há, na verdade, uma complementação de procedimentos de cura.” Como constatou Fernando, esses procedimentos também são diferentes para tratar males atribuídos a feitiços, como o mau-olhado, e doenças vinculadas à medicina formal, como dores e doenças diversas.

Segundo Fernando, há depoimentos bem interessantes. “Uma senhora garante, por exemplo, que a filha paralítica depois de um acidente, foi curada a partir dos rituais das religiões afrodescendentes. Outra entrevistada relata que a filha bebê tinha uma doença de pele. Ao consultar uma rezadeira, foi prescrito um unguento à base de enxofre, banha de ori (espécie de gordura vegetal) e ervas, como sete sangrias e vassourinha do mato, para ser usado durante o banho e antes de dormir. Ela revela que, em questões de dias, o problema começou gradativamente a sumir. Ela acabou se convertendo ao candomblé e terminou mãe de santo”, conta.

O pesquisador também observa como costumes de crenças distintas foram incorporados e consolidados em práticas sincréticas. “Um senhor me disse que costumava fazer um chá com ervas compradas no Largo de São Francisco da Prainha, na Saúde”.  Segundo Fernando, certas práticas de chá vêm da tradição portuguesa, mas no candomblé e na umbanda, estão vinculadas ao culto dos orixás e têm um caráter ritualístico. "No cotidiano da população, principalmente no senso comum dos não-iniciados, isso se traduz em sincretismo. A interculturalidade está consolidada”, analisa o pesquisador.

As entrevistas, editadas no Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi), da UFF, fazem parte da construção de uma escrita acadêmica em vídeo. “Em vez de transcrever os vídeos e transformá-los em tese, preferi usar a linguagem audiovisual; o vídeo permite maior divulgação e tem a capacidade de atingir um número maior de pessoas”, explica.

A pesquisa também inspirou Fernando a realizar a exposição “Um século de vivências num porto moderno: Rio de Janeiro, 1910-1920”, da qual é curador. A mostra, que reúne cerca de 100 fotografias, além de cenários interativos, vídeos, e a maquete do projeto “Porto Maravilha”, conta também com seminários e oficina pedagógica para retratar a comunidade e as experiências sociais cotidianas da região portuária e sua rica história ao longo do século XX. A exposição acontece no Centro Cultural dos Correios (Rua Visconde de Itaboraí, 20, no Centro do Rio), até o dia 8 de janeiro.

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