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Publicado em: 26/11/2009
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Livro mostra como Revolta da Chibata contribuiu para construção da cidadania

 Divulgação

   
  As reivindicações dos marinheiros se confundiam
  com os anseios da população pobre do país
Na manhã de 22 de novembro de 1910, a cidade do Rio de Janeiro amanheceu sob a mira dos potentes canhões do encouraçado Minas Gerais. Marinheiros revoltosos haviam tomado o navio como forma de pressionar as autoridades a pôr fim nos castigos físicos que ainda vigoravam na Marinha, a conceder melhores salários e a lhes garantir a necessária formação técnica para exercer novas funções em navios de guerra. Tanto quanto as duras condições de trabalho, essas reinvidicações revelavam também que, mesmo 22 anos após a abolição, as relações de dominação senhor/escravo ainda prevaleciam entre o oficialato e a marujada, como a permanência a bordo das punições físicas em pleno século XX evidencia. Ao lutarem por seus direitos, os revoltosos – em sua maioria negros, pobres e analfabetos – também lutaram pela construção da cidadania no país. É o que mostra o livro do historiador Álvaro Pereira do Nascimento, Cidadania, Cor e Disciplina na Revolta dos Marinheiros de 1910, publicado pela Editora Mauad, com apoio do Auxílio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ.

Como escreve o professor de história da Universidade de Campinas (Unicamp), Sidney Chalhoub, na introdução do livro, a mentalidade escravagista permanecia forte no "sonho dos oficiais de perpetuar-se na condição de senhores de escravos ao comandar homens livres". Para esses comandantes, as chibatadas eram o único meio de disciplinar "aqueles negros raquíticos, mal-encarados, com todos os signos deprimentes das mais atrasadas nações africanas", como relatavam nos documentos. Contra esse pensamento ainda reinante na Marinha, os revoltosos pediam ordem – que significava submeter o poder dos comandantes ao domínio da lei – e liberdade, ou seja, melhores condições de vida nos navios.

Essa situação de dominação, na verdade, traduz a vida dos excluídos da "cidadania formal" naquele começo de século XX. "Quando se pensa em cidadania, logo se pensa em termos de república, democracia, como algo organizado, em que a participação popular se dá em agremiações políticas, como partidos, movimentos ou associações de classe, e em que o desejo do povo é expresso pelo voto", explica Álvaro, mestre e doutor pela Unicamp, professor de história da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Este, na verdade, é seu segundo livro. O primeiro publicado foi A ressaca da marujada: recrutamento e disciplina na Armada Imperial, que recebeu o prêmio Arquivo Nacional, em 1999.

"O que se espera do discurso político é que seja intelectualizado, com a linguagem que a teoria política clássica nos ensina. Mas o discurso político está em qualquer coisa que se fale: reclamar da falta da água e das condições de vida é discurso político, quer se escute ou não", fala o historiador. Ele acrescenta ainda que o ser humano, ao se ver injustiçado, grita. "Esse grito, às vezes, é organizado. Mas, na maioria das vezes, é descontrolado", fala Álvaro.

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   A revolta dos marinheiros, de 1910, revelou as duras condições de            
   trabalho na Marinha, onde ainda vigoravam as punições físicas
 

O pesquisador prossegue: "A república no Brasil aconteceu sem participação dos estratos populares. É um movimento de elites, em que o cidadão comum permanece de fora. E se isso ainda ocorre ainda hoje, imagine naquele início do século XX...", comenta o historiador. Segundo Álvaro, até hoje a ideia que prevalece é a de que "pobre não pensa, não tem proposta nem discurso político".

Se a república se deu sem a  participação popular, as camadas mais pobres da população também permaneceram à margem da cidadania. "Temos que ter em mente, por exemplo, que as leis eleitorais da jovem república, se por um lado eliminaram a comprovação de renda para o eleitor, por outro, passaram a exigir que esse eleitor fosse alfabetizado, o que excluía a grande maioria da população, especialmente os mais pobres", diz Álvaro. Também é nesse contexto que a Marinha se tornava um caminho para órfãos e meninos que, por suspeita de vadiagem ou pequenos delitos, eram encaminhados pelo Juizado de Menores à carreira naval. Em outras palavras, a marujada representava exatamente as camadas mais pobres da população, excluída de direitos.

Excluída de direitos, mas unida para reivindicá-los. No caso do que ficou conhecido como Revolta da Chibata, segundo a farta documentação encontrada pelo historiador, as cartas trocadas entre os insurgentes meses antes comprovam que aquele teria sido um movimento arquitetado em detalhes. "O aspecto mais importante é exatamente essa organização, esse planejamento", diz o pesquisador.

A insurreição logo se espalharia entre a tripulação de outros navios, ancorados no porto do Rio de Janeiro. A população carioca, que chegou a ouvir o estrondo dos tiros de canhão, também tomou conhecimento das péssimas condições de trabalho que os marinheiros eram obrigados a suportar a bordo. Tudo isso logo ganharia as manchetes de jornal e conquistaria grande simpatia popular.

"A população, sobretudo a mais pobre, achou interessantíssima a revolta. Sabe-se que muita gente acorreu ao cais, senão em apoio, mas por simpatia às reivindicações dos marinheiros, que, em certa medida, também traduzia seus próprios anseios. Até a imprensa criticou a Marinha, que, mesmo depois de abolido o castigo físico, com a proclamação da República, voltou, por pressão do oficialato, a permiti-lo, numa brecha do código da Companhia Correcional", diz o pesquisador. A repercussão na imprensa – em particular nos jornais internacionais, como o New York Times – leva as autoridades governamentais a fazer promessas de anistia, algo importantíssimo para a época.

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   Ao desembacarem, João Cândido e os demais
   revoltosos foram presos e enviados à Ilha das Cobras

O contragolpe dos oficiais, no entanto, viria a seguir. "Assim que os revoltosos depuseram as armas, imaginando que haviam conseguido ter algumas de suas reivindicações atendidas, vem a vingança do governo Hermes da Fonseca. Já no dia seguinte, os navios começam a ser desarmados e os marinheiros presos assim que desembarcavam", conta o pesquisador. Uma nova revolta, que estoura no Batalhão Naval, na Ilha das Cobras, é atacada duramente pelo exército, que bombardeia a ilha a partir da Praça XV e do mosteiro de São Bento. "Há relatos que contam que mesmo após hastearem a bandeira branca, os marinheiros continuaram a ser alvejados pelo exército", diz.

A repressão que se seguiu foi bárbara. João Cândido e os outros líderes da revolta foram presos e literalmente jogados nas masmorras subterrâneas da Ilha das Cobras. "Pelos relatos, essas celas eram praticamente inabitáveis, sem entrada de ar. E a pretexto de desinfetarem as instalações, as celas foram banhadas com cal e água, o que provocou a intoxicação e morte de 16 de seus 18 ocupantes. Sobraram apenas João Cândido e mais outro marinheiro.

Se, para os revoltosos, o resultado não chegou a ser positivo, a verdade é que, como enfatiza o pesquisador, sua luta por direitos mudou, em vários aspectos, a história subsequente da Marinha no país. João Cândido não apenas sobreviveu à prisão, como pôde contar sua história, que mais tarde foi pesquisada e recontada por historiadores, como Álvaro Nascimento. "A luta dos marinheiros liderados por João Cândido não apenas reinvidicou direitos na Marinha. Ela também foi uma das revoltas que melhor traduziu os anseios populares e as lutas pela construção da cidadania brasileira."

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