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Publicado em: 27/08/2009
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Favelas na Índia e no Rio de Janeiro: semelhanças e diferenças


Vilma Homero

 Divulgação / UFRJ

      
     Na favela da Praia da Rosa, anos depois de realizado o projeto de
     urbanização, a falta de manutenção provoca queixas dos moradores  
 
Quem viu o filme Quem quer ser um milionário, vencedor de um Oscar em 2009, pôde constatar, ainda que pela ficção, um pouco da realidade das favelas indianas. Que, se em muito se assemelha à das comunidades fluminenses, como a de diversos outros países emergentes, particularmente os do grupo chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), também guarda diferenças marcantes. Como viram as pesquisadoras Maria de Fátima Cabral Marques Gomes e Lenise Lima Fernandes, do Núcleo de Pesquisa e Extensão Favela e Cidadania (Faci), da UFRJ, depois de passar duas semanas, em fevereiro, visitando favelas em Mumbai e Nova Delhi, na Índia.

Fátima e Lenise fazem parte de um grupo de pesquisadores que vem acompanhando, nos últimos vinte anos, as mudanças ocorridas em duas favelas da Ilha do Governador – Praia da Rosa e Sapucaia – antes, durante e depois de um processo de urbanização das duas áreas, com o projeto Bairrinho, da prefeitura municipal do Rio. O grupo a que pertencem, o Faci, foi escolhido para fazer parte de um estudo comparativo, coordenado pela França, sobre políticas públicas direcionadas para favelas nos dois países – Índia e Brasil. O estudo, que conta com apoio da FAPERJ, inclui também pesquisadores franceses e da Universidade de São Paulo (USP).

"A diferença mais gritante entre os dois países é a precariedade das favelas indianas, densamente povoadas. Dharavi, a que aparece no filme, teria 750 mil habitantes, segundo as estatísticas oficiais, ou mais de 1 milhão, de acordo com seus próprios moradores. Ali, como nas demais favelas indianas, as casas não contam com banheiro e os moradores precisam fazer uso de sanitário coletivo. Outra diferença é a violência, tão forte nas comunidades brasileiras sob influência do tráfico de drogas, e pouco presente nas favelas indianas. Na Índia, o que ainda predomina é a influência da religiosidade e das castas", fala.

Pelo que puderam ver as pesquisadoras em sua curta estada naquele país, isso contribui para despolitizar as iniciativas de organização popular, embora pareça não influenciar mais tão fortemente os jovens. "As coisas estão começando a mudar naquele país. Embora o preconceito de castas não tenha sido superado, os dalits (os chamados intocáveis) já não estão mais tão acomodados. Alguns já foram até eleitos para cargos públicos. Mas tudo isso é um processo lento", fala a pesquisadora.

Fazendo uma análise mais geral, Fátima Cabral explica que, com o neoliberalismo, as políticas de remoção – que predominaram nas décadas de 1950 e 1960 no Brasil – passaram a ser consideradas onerosas. Em seu lugar, as diretrizes da Organização das Nações Unidas (ONU) passaram a sugerir o tipo upgrade de intervenção, através da melhoria desses assentamentos de baixa renda. "O que tem sido adotado em diversos países, sobretudo aqueles que têm significativa população favelada e buscam investimentos dos órgãos internacionais de financiamento."

 Divulgação / UFRJ
   

  Nas cidades indianas, a miséria das favelas é mais acentuada,    
  e as remoções dos moradores ainda hoje continuam a acontecer

Mas a pesquisadora pondera também que, apesar disso, na Índia, as remoções ainda ocorrem, sobretudo em Delhi, a capital. "Se nos anos 1970, cerca de 750 mil indianos foram removidos à força para áreas periféricas da cidade, agora, essas remoções ainda acontecem sob diferentes argumentos, como a preocupação ambiental, que muitas vezes esconde interesses econômicos", fala Fátima. Ela cita o exemplo de moradores removidos da margem de um rio, em Délhi, área que vai dar lugar a obras previstas para o Common Wealth Games. "Ali, prevalece a visão de que as favelas enfeiam a cidade, que afinal é a capital do país", diz.

No Rio de Janeiro, a questão das favelas mostrou-se mais politizada e, nos projetos, houve um certo respeito pelos direitos de cidadania de seus habitantes. Exemplo disso foi a transferência dos moradores de palafitas sobre as águas da baía de Guanabara nas favelas de Praia da Rosa e Sapucaia para os chamados embriões (construções de um cômodo e banheiro), construídos na mesma área, que foi aterrada e urbanizada. "Eram pessoas que, sem emprego ou renda fixa, não tinham minimamente como adquirir um imóvel nem como bancar a construção da própria casa. O projeto, então, precisou adaptar-se a essa realidade", explica Fátima. Ela enfatiza, no entanto, que na Índia, esse processo de politização ainda está sendo iniciado. "Só agora é que programas em Mumbai começam a garantir alguns direitos aos moradores", aponta a pesquisadora.

No Brasil, mais especificamente nas favelas estudadas, a pesquisa está procedendo a um follow up do processo de urbanização, cujas obras foram realizadas entre 1996 e 1998, e atualizando os dados coletados nos dois censos locais anteriores (1986 e 1996) não só para fazer um acompanhamento do projeto, mas também para reconstruir o banco de dados sobre toda aquela área, complementando-o com informações adicionais. "Para isso estamos efetuando uma amostra estatística, aplicando um questionário a 25% da população de cada área, com os mesmos critérios dos anteriores, para aprofundar a análise", explica Fátima. Na primeira fase, qualitativa, as entrevistas foram feitas com todos os atores envolvidos no processo de urbanização, como moradores e gestores públicos.

Numa análise preliminar, Fátima explica que a pesquisa tem constatado o que já era previsto. "Como imaginávamos, a urbanização – mesmo a mais bem-feita – por si só, não melhora a vida dos moradores. Trata-se de um processo que precisa ser associado à presença do poder público, que nas comunidades só costuma aparecer em sua face mais repressiva e arbitrária, que é a polícia, e a políticas públicas de geração de renda, educação etc. para garantir conquistas reais, que não se diluam no tempo, como acabou acontecendo nas favelas estudadas", diz Fátima.

 Divulgação / UFRJ

 

  Maria de Fátima Cabral Gomes: 
  trabalho em equipe, na Faci/UFRJ

 

Na prática, embora a urbanização tenha sido uma conquista para as comunidades da Ilha do Governador, não houve projetos paralelos, nem manutenção das obras. Situação que hoje gera reclamações dos moradores, pelas ruas esburacadas, pelos problemas de esgoto e mesmo pela expansão do tráfico de drogas, que tem tornado as favelas cada vez mais estigmatizadas. A única creche, construída pelo projeto como um meio de também aproximar crianças da favela e do asfalto, não dá vazão à demanda das duas comunidades. "Observamos que o que proliferou foram as igrejas evangélicas pentecostais e com elas o surgimento de um novo fenômeno: o banimento, muitas vezes violento, das religiões de matriz africana e seus praticantes, do fechamento dos terreiros de umbanda e de candomblé", explica.

Entre suas considerações, as pesquisadoras frisam a clara relação que há entre o crescimento das favelas, políticas de distribuição de renda, e a ausência de programas habitacionais, de emprego ou geração de renda. "Na amostra que estamos fechando, até incluímos um item para dimensionar os efeitos do programa Bolsa Família sobre as populações de Praia da Rosa e Sapucaia. Entendemos que possa ter ocorrido alguma distribuição de renda, mas que essa transferência tem sido realizada da classe média para baixo através do Programa Bolsa Família. Entre nós, o topo da pirâmide brasileira é que parece intocável", brinca a pesquisadora.

Todo esse processo vem gerando também registros valiosos. "São três documentários que acompanham cada um dos diferentes períodos das comunidades: o primeiro, de 1986, que documenta como era a vida dos moradores dessas favelas antes do Programa Bairrinho; o segundo, chamado Um lugar para morar, realizado em 1996, registrando a fase de implantação do programa; e o que está proposto para esta nova fase da pesquisa, Crescendo com a favela: um outro olhar sobre a vida cotidiana no Rio de Janeiro, enfocando o dia-a-dia dos moradores dez anos depois das obras de urbanização."

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