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Publicado em: 18/09/2008
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Livro analisa a questão dos conflitos entre juventude, violência e as leis

Vilma Homero

   Reprodução

        

      Artigos mostram questão da violência
      social sob diferentes pontos de vista 


"... sociólogos, criminalistas e jurisconsultos mais eminentes vêm demonstrando, baseados nos argumentos irrespondíveis da estatística, que uma das causas do aumento espantoso da criminalidade nos grandes centros urbanos é a corrupção da infância que, balda de educação e cuidados por parte da família e da sociedade, é recrutada para as fileiras do exército do mal." Embora permaneça atual, o comentário foi feito há exatos 95 anos, pelo juiz João Bonuma no livro intitulado Menores abandonados. O título traduz a experiência de Bonuma como delegado no Rio de Janeiro naquele início de século. Hoje, tal como o juiz, vários especialistas vêm procurando entender melhor o problema, que pouco mudou ao longo do tempo. E analisam os vários aspectos da questão em outro livro, Juventude em Conflito com a Lei, organizado por Vanilda Paiva e João Trajano Sento-Sé.

Sob a ótica da vivência numa sociedade moderna, Juventude em Conflito com a Lei procura responder a uma pergunta básica: o que fazer com jovens em conflito com a lei, numa sociedade que se mostra a cada dia mais individualista e mais violenta? Os números são eloqüentes em traduzir o crescimento dessa violência juvenil: das 110 prisões em conseqüência de ocorrências policiais envolvendo menores de 18 anos em 1980, saltou-se para 1.584, em 2001. O que significa um aumento de 1.340%.

Apesar disso, as medidas do Estado brasileiro, segundo os autores, segue frequentemente na contramão do que estudiosos apontam. Se, de um lado, há o não reconhecimento de direitos iguais a setores inteiros da sociedade, de outro há a eclosão cada vez mais acirrada de conflitos: são jovens que enfrentam um mercado de trabalho mais e mais restrito; um sistema social cada vez mais polarizado; um crescente apelo ao consumo, em que o acesso a bens traduz status social; e uma pesada exclusão das camadas periféricas da população. Em meio a isso tudo, prevalece a enorme necessidade de reconhecimento pessoal e social por parte dos jovens.

Esse cenário foi traçado em trabalhos apresentados no seminário internacional Juventude em Conflito com a Lei, realizado em 2005, a partir de experiências socioeducativas que foram desenvolvidas nos Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei (Criam), na cidade do Rio de Janeiro. Experiências que mais tarde deram origem ao livro. "Há nele uma razoável pluralidade de pontos de vista e de intervenções, o que torna o livro, a meu ver, bem interessante", fala Sento-Sé.

Preocupados com o "aqui e o agora", e não com projetos de longo prazo, muitos jovens não vêem problema em usar de todos os meios, mesmo que violentos, para alcançar os fins que desejam. Em seu artigo, Vera Calheiros e Carla Soares, por exemplo, analisam como, submetidos em seu cotidiano à invisibilidade social e à política das classes subalternas, esses jovens reconhecem no outro apenas um meio para conseguirem o que querem. Como o exemplo do rapaz, numa das entrevistas feitas, que à pergunta de por que assaltou e atirou num chefe de família, argumenta: "Porque eu pedi a carteira e ele não quis dar."

Ao contrário do que se acredita, entretanto, expor esses jovens à internação em regime fechado e violento é terminar formando massivamente criminosos, como explica Maria de Lourdes Trassi Teixeira, num dos capítulos do livro. É simples entender por quê: "Ao expor o jovem a humilhações e ao arbítrio, à tortura e terríveis condições de vida, banaliza-se a violência institucional. Esse tipo de modelo também acaba tornando ineficazes o peso moral e o sentido ameaçador da punição." Ou seja, quanto piores os maus-tratos, mais se reduz entre os internos a capacidade de integração social e mais crescem as posturas violentas.

Outra conseqüência é que se difunde também a indiferença sobre os resultados de suas ações. E ele deixa de se sentir obrigado a respeitar o direito do próximo. "Ao se tornar indiferente ao que os demais pensam dele, o recurso da violência é mais facilmente assimilável quando procura realizar seus próprios interesses ou auto-afirmar-se." Ou ainda, como reconhece Michel Misse, "em seu individualismo exacerbado e negativo, mostram uma olímpica indiferença pelo outro (...). Estão imersos num labirinto cuja lei é sobreviver a qualquer custo, e cuja norma é a desconfiança sistemática". Ao mesmo tempo, a falta de reconhecimento social leva à busca de outro reconhecimento, mesmo que negativo, como no caso dos chefes do tráfico, marginais e líderes de gangues.

E por conhecer de perto todas essas questões é que os especialistas que lidam com jovens infratores criticam com veemência a redução da maioridade penal como forma de enfrentar os casos de violência juvenil. Para Michel Misse, "não há agravamento da pena que dissuada esses jovens. Diminuir a idade penal só antecipará seu contato com criminosos mais experientes dentro das penitenciárias. O caminho das penas alternativas é o mais promissor, mas é necessário deixarmos de vigiar apenas o jovem pobre; é preciso que o olhar igualitário da lei atinja também os das classes médias e das elites, muitos dos quais praticam crimes piores sob o manto da mais evidente impunidade." Para Sento-Sé, a proposta de redução da maioridade penal pode ser resumida em apenas duas palavras: "Uma lástima."

Como preconizava o juiz João Bonuma nos idos de 1913, "cumpre à sociedade lançar a taboa (sic) de salvação a esses desgraçados e não mergulhá-los mais na miséria em que se debatem: não é de cadeia que eles carecem, mas de proteção e auxílio". Foi sob essa perspectiva de mudança que foram criados os Criams, que procuram apontar na direção de uma valorização positiva. "Concebidos em consonância com o que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, os Criams dão ênfase à ressocialização através da (re)construção de laços de pertencimento; iniciativas educacionais e laborais; valorização de trajetórias e bagagens pessoais dos adolescentes atendidos.  Há, pelo menos em tese, uma rejeição à combinação de assistencialismo e altas doses de repressão do modelo vigente nas Febems", continua.

"Grande parte dos infratores que terminam num Criam não são necessariamente perversos. Na maioria dos casos são jovens que buscavam um pouco de aventura, desejavam consumir algo, não internalizaram de forma plena as normas da sociedade, mas também não fizeram opção pelo crime", fala Sento-Sé.

O grande desafio é dar continuidade a essas iniciativas.  "Os projetos que vinham sendo desenvolvidos nos Criams continuavam em curso até a finalização do livro, mas confesso que não sei como andam hoje. Um dos maiores problemas das instituições do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) é que elas seguem fortemente identificadas com o sistema carcerário adulto.  Isso ocorre mesmo entre alguns funcionários e agentes.  Atualmente, os grandes desafios são articular iniciativas como as descritas no livro e garantir sua continuidade." Outra questão é desconstruir a imagem estigmatizante que faz parecer que o Degase é um sistema carcerário de adolescentes.  Parecem dois desafios fáceis, mas não são", fala Sento-Sé.

Salvo raras experiências de exceção, no entanto, tal como sinaliza a introdução do livro, "as medidas do Estado brasileiro vão, frequentemente, na contramão daquilo que indicam os estudiosos do tema. "Se fizéssemos cumprir a lei, já daríamos um grande passo.  O ECA está aí, há quase vinte anos, e continua sendo descumprido.  Pior, freqüentemente são os agentes do Estado que violam a lei.  Acho que essa tendência é antiga, arraigada e compartilhada por vários setores da sociedade. Não se trata, contudo, de uma maldição inata de nossa natureza ou algo semelhante.  É possível invertê-la perseverando no imperativo de que violações sistemáticas da lei acabam sendo ruins para todos", responde Sento-Sé.

Segundo Vanilda Paiva, que ao lado de Sento-Sé coordenou o trabalho, "o difícil é convencer o Estado a assumir suas responsabilidades em relação à juventude pobre do país – o que significa assumir a responsabilidade pelo destino da população brasileira, governar a favor dela, redistribuindo renda, criando programas que impeçam sofrimentos desnecessários a todos e em especial aos jovens, e imponham limites à violência, restaurando patamares aceitáveis de paz ao cotidiano de seus habitantes", conclui.

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