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Publicado em: 11/04/2024 | Atualizado em: 11/04/2024

Pesquisador da UFRJ garimpa novos nomes da poesia contemporânea

Paula Guatimosim

A partir do alto à esq. em sentido horário: Bruna Mitrano, Danielle Magalhães, Leonardo Fróes, Tatiana Pequeno, Vicente Franz Cecim, Moisés Alves, André Luiz Pinto e Carlos Assumpção. personagens de ´Autobiografias poético-políticas' realizadas pelo professor e ensaísta Alberto Pucheu (Fotos: Divulgação)   

É na rica interseção entre filosofia, poesia e política que o poeta e ensaísta brasileiro Alberto Pucheu garimpa a base para seus projetos. Como um “olheiro” do futebol, ele vem descobrindo o que há de pujante na poesia contemporânea e revelando talentos até então pouco conhecidos pela maioria das pessoas. Assim foi com Carlos de Assumpção, cuja visibilidade maior veio após seus 90 anos. “Fiquei encantado por um vídeo dele recitando seu poema 'Protesto' na internet. Repostei o vídeo, comprei seus livros, entrei em contato com ele e 15 dias depois eu estava lá para filmar”, conta Pucheu. Paulista de Tietê radicado em Franca, o professor, advogado e escritor publicou seu livro de estreia – Protesto - em 1982. Mas foi aos 93 anos, depois da visibilidade alcançada em 2019, que Assumpção teve seus poemas reunidos na antologia intitulada “Não pararei de gritar”, publicada pela Companhia das Letras, organizada pelo próprio Pucheu e apresentada pela editora como “poemas [que] tematizam, com coragem e urgência, a desigualdade racial brasileira”. Após essa movimentação, Assumpção obteve um lugar garantido nas páginas dos jornais e, na TV, teve seus poemas apresentados pelo jornalista Eraldo Pereira, na GloboNews.

Alinhado aos meios contemporâneos de registro, Pucheu escolheu o audiovisual como veículo para o que chama de autobiografias poético-políticas e não só filma, partindo da escolha de poemas, mas também dirige e monta seus filmes no sossego do seu refúgio no Vale do Socavão, em Teresópolis. “Vejo o conjunto desse projeto dos filmes como uma forma de homenagear poetas singulares que me marcaram ou outros em quem aposto”, diz o pesquisador.  

Se o filme sobre a obra de Carlos de Assumpção inaugurou o formato longa-metragem (tem 84 minutos), o projeto fílmico de Alberto Pucheu fincou raízes em 2016, quando ele, ao lado de Sergio Cohn e Gabriela Capper, realizou seu primeiro filme, com o poeta fluminense Leonardo Fróes, autor de “Argumentos Invisíveis” (1995), obra de 80 páginas que reúne dez anos da sua produção literária. Já seu segundo filme apresenta a obra de Vicente Franz Cecim, poeta paraense falecido em 2021, cuja obra recria de forma única e metafórica a imensidão da Amazônia.

Em 2019 e por todo o período de pandemia e do Governo Bolsonaro, Alberto Pucheu produziu mais cinco filmes, compondo a série "Autobiografias poético-políticas" com o filósofo carioca “André Luiz Pinto: Prazer, esse sou eu”; “Tatiana Pequeno: muambas e bombas para o nosso tempo”, professora de Literatura na Universidade Federal Fluminense (UFF) autora de quatro livros de poesias; “Bruna Mitrano: a 70km do mar”, com a poeta nascida na periferia do Rio de Janeiro, moradora de Senador Camará, autora de “Ninguém quis ver”; “Danielle Magalhães: Carta aos Sobreviventes”, com a bolsista do programa de Pós-Doutorado Nota 10 da FAPERJ, oriunda da Zona Norte e autora do livro de poemas “Vingar” (7Letras, 2021) e do livro de ensaios "Ir ao que queima: no verso, o amor, no verso, o horror" (Apeku, 2021); e, por fim, o filme com o projeto da série, “Autobiografias poético-políticas”.

“Comecei a observar que na poesia contemporânea brasileira havia uma movimentação singular, uma entrada radical no movimento autobiográfico, que incluía temas antes não abordados, como por exemplo o estupro, fazendo com que esse elemento autobiográfico já seja lido como político”, esclarece o pesquisador. Em suas pesquisas, a constatação de que até pouco tempo a poesia era feita por funcionários públicos, diplomatas e profissionais liberais, todos de classe média alta, ou, como mesmo no caso da poesia “marginal” da década de 1970, tendo por referência central a Zona Sul carioca.

“Em algum momento, entre os anos de 2013 e 2015, a poesia atravessa o Túnel Rebouças e vai para o subúrbio, para a Zona Norte, sobe as favelas e passa a alcançar pessoas que não atingia antes”, diz Pucheu. Para ele, poetas que podem ser considerados da “geração Lula”, pois vivenciaram as profundas mudanças decorrentes dos programas sociais instituídos pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Pessoas que vieram da pobreza e conseguiram entrar numa universidade”, explica Pucheu, que, entre seus alunos e orientandos, muitos foram os primeiros da família a chegar ao ensino superior. Ele também atribui à internet um papel importante no aumento da visibilidade dessa nova poesia, que não depende exclusivamente da impressão em papel para "viralizar".

O último documentário lançado por Alberto Pucheu partiu do poema “O Dinossauro”, publicado primeiramente na internet pelo poeta baiano Moisés Alves. Em “Moises Alves: o fogo que antecede as cinzas”, com pouco mais de uma hora, Pucheu faz o poeta trazer à tona motivações e emoções que integram seu último livro, “Mangue”, lançado pela Martelo Casa Editorial em 2021, obra que o autor considera uma homenagem à figura da mãe, mais que isso, à sua mãe e ao seu pai. No filme, Alves confessa que quando a sua mãe “começou a desaparecer”, expressão que usa referindo-se aos lapsos de memória que antecederam a morte de sua mãe, quando às vezes ela sequer lembrava sua data de nascimento, foi o momento de virada na sua forma de escrever, momento em que “cada verso mostra quando uma coisa vai se transformando em outra”. Filho e neto de mulheres fortes, Moisés conta que sua avó mantinha um salão de beleza num puteiro, para “alisar cabelo de negro”, e que quando ele saía de casa para a rua ela avisava: “Nem ouse voltar (para casa) morto, senão eu te mato”.

Alberto Pucheu (à esq.) durante gravação feita com o poeta baiano Moisés Alves. Com pouco mais de uma hora de duração, registro em vídeo faz o poeta trazer à tona motivações e emoções que integram seu último livro, 'Mangue', lançado pela Martelo Casa Editorial em 2021 (Foto: Divulgação)  

Às gentis câmeras de Pucheu, que também dirige e monta os seus filmes, e de Danielle Magalhães (que participou filmando a maioria dos filmes realizados por ele), acrescentou-se registros feitos pelo próprio Moisés Alves, por celular, em que ele interage com sua mãe. Num desses registros, ele pede para ela ler um de seus poemas, e a mãe, sem os óculos e vexada, titubeia para reproduzir o trecho em que ele fala que a avó mantinha o salão num puteiro. No poema “Oferenda”, Moisés diz traduzir o que sua mãe falaria para ele na hora da despedida. “Rezando em iorubá, o poema é uma oferenda que faço à minha existência”, conta o poeta, sobre a superação da dor. Alberto Pucheu também agrega ao documentário imagens do pai de Moisés Alves dançando com a esposa, uma cena recorrente que povoa a lembrança do poeta, cuja casa foi marcada pela cadência do samba.

Em outra sequência, desta vez na Casa de Alaíde – na verdade Restaurante Alaíde do Feijão, um dos locais de resistência negra no Pelourinho, em Salvador -, as câmeras de Pucheu e Danielle Magalhães colhem depoimentos como o de Geraldo Miranda, criador do Olodum e do Muzenza, falando sobre a origem do samba-reggae; e de Albino Apolinário, ativista cultural, que declara: “A gente já nasce de esquerda para sobreviver; aprendemos cedo a fazer resistência”, para, em seguida, fazer referência ao embate entre a população negra do Pelourinho e o governador Antonio Carlos Magalhães. Reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Patrimônio da Humanidade, o Pelourinho, inserido no Centro Histórico de Salvador, ganhou projeto de reabilitação da arquiteta modernista ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, que procurava preservar as relações sociais e a cultura ali existentes. Entretanto, após 1991, ACM deu inicio a um projeto de intervenção, concebido em sete etapas, que mudou a orientação inicial do projeto, focando o interesse no potencial turístico e econômico, com a expulsão da grande maioria dos moradores de baixa renda e mudando a função dos imóveis para o comércio e os serviços. O olhar poético de Pucheu também oferece belas cenas da Baía de Todos os Santos e das vielas coloridas da Feira de São Joaquim, na Cidade Baixa, com seus temperos, artesanatos, artigos religiosos, iguarias e muitos animais vivos – como uma cabra e galos -, cujos destinos serão certamente as oferendas.

Alberto Pucheu conta que para realizar seus filmes tem o apoio da FAPERJ, por meio do programa Cientista do Nosso Estado, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da própria UFRJ, onde ingressou aos 18 anos, como estudante. Curador da primeira Antologia Poética da Revista Cult, Pucheu reuniu nas 72 páginas, com projeto gráfico de Fernando Saraiva, 32 poetas em uma obra que segundo a Cult “assume seu fazer como uma tentativa de desarmar os poderes constituídos de nosso tempo”. Pucheu alega que, propositalmente, para marcar posição, selecionou poetas com uma pegada radicalmente política, com igualdade de gêneros, dando voz a mais autores negros do que brancos, incluindo duas poetas indígenas (Eliane Potiguari e Marcia Kambeba). Em outra antologia publicada pela Cult, intitulada “Poemas para exumar a história viva: um espectro ronda o Brasil”, o professor reúne 25 poemas sobre a Ditadura escritos por poetas que foram presos políticos, exilados ou assassinados pelo regime militar, como Pedro Tierra, Carlos Marighella, Wilma Ary, Ferreira Gullar, Maria Celeste Vida, Loreta Valadares e Thiago de Mello, entre outros. Ainda este ano será lançado seu próximo livro, também derivado de pesquisa acadêmica, “Trilogia da Resistência”, com três longos ensaios, sobre Pedro Tierra, Eliane Potiguara e Carlos de Assumpção.

Apesar da sua série “Autobiografias poético-políticas” não ter recebido nenhuma abordagem dos críticos de poesia, foi reconhecido pelo crítico de cinema Rodrigo Fonseca, que escreveu em jornal sobre os filmes e até sugeriu a inscrição do último documentário no festival “É tudo Verdade”. Para o poeta e filósofo, a pesquisa precisa provocar dois movimentos fundamentais: levar a universidade para fora do campus e trazer a sociedade para dentro da sala de aula.  “Creio que a força política dessa poesia que está sendo feita aumenta a intensidade da poesia de modo geral e, como não sou o tipo de crítico que quer fazer seu nome a partir exclusivamente dos nomes dos autores consagrados, busco poetas menos reconhecidos, em plena realização de suas obras”, finaliza o pesquisador.

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