Débora Motta
Reprodução |
Reunião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, nos anos 1920: à época, entidade deu suporte às reivindicações das mulheres |
Com um olhar histórico, ela vem pesquisando casos de mulheres que foram pioneiras no acesso a cursos superiores no Brasil. “O objetivo da pesquisa, que está em andamento, é mapear acervos e fontes documentais, escritas e de imagens, sobre a educação feminina de ensino superior no Rio de Janeiro, para analisar trajetórias das mulheres que lutaram por isso e pelo posterior exercício da profissão”, disse Nailda. “Seja pela observação de trajetórias de mulheres anônimas ou de mulheres com trajetórias públicas, o projeto destaca a luta feminina organizada para se inserir e permanecer no espaço educativo de nível superior.”
A pesquisa tem como marco inicial a década de 1870 e segue até a década de 1960. A partir desse recorte histórico, ela vem pesquisando casos das pioneiras no acesso a cursos superiores no Brasil. Até o momento, ela já visitou os acervos da Biblioteca Nacional, especialmente a hemeroteca; da Fundação Getúlio Vargas; do Proedes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); da Fundação Casa do Estudante do Brasil; do Arquivo Nacional, especialmente a Coleção Correio da Manhã e a do Fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino; entre diversos outros.
“Embora o ensino superior estivesse presente no Brasil desde 1808, com a vinda da família real, somente com a Reforma do Ensino Primário e Secundário do Município da Corte e o Superior em todo o Império – instituída pelo Decreto n 7.247, de 19 de abril de 1879, e que ficou conhecida como Reforma Leôncio de Carvalho – a mulher passou a ter esse direito citado”, contextualizou. E foi além: “A primeira mulher brasileira a possuir um diploma de ensino superior foi Maria Augusta Generoso Estrela, que se graduou em Medicina no ano de 1882, porém nos Estados Unidos, não no Brasil. Desta forma, em 1887, Rita Lobato Velho Lopes (1867-1954) se torna a primeira mulher a se graduar no País na Faculdade de Medicina da Bahia, embora tenha iniciado seus estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e depois, por motivos familiares, se transferido para a faculdade em que se formou.”
Um aspecto interessante do tema foi o papel da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino para a inserção acadêmica, em um período em que a mulher ainda era vista pela sociedade brasileira como “a rainha do lar”. A entidade foi precursora de diversas iniciativas pela emancipação, especialmente nos anos 1920 e 1930. “Merece destaque a atuação da Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino, fundada em 1922 e tendo como principal bandeira de luta a busca pelo sufrágio universal. Com sede no Rio de Janeiro, então capital do País, a Federação, que tinha como presidente Bertha Lutz, possuía uma rede de relações significativas e discutiu em seus congressos diversos temas, como a nacionalização do ensino público, a educação doméstica, o ensino primário, a formação para o magistério, o ensino secundário e o superior para as mulheres”, disse.
Divulgação/WikiCommons |
Bertha Lutz foi uma das sufragistas e líderes do movimento pela inclusão acadêmica feminina |
A federação foi peça-chave para a organização de três congressos feministas nos anos de 1920 e 1930, no Rio, então Distrito Federal: a 1a Conferência pelo Progresso Feminino, no mesmo ano de sua fundação; o 2 Congresso Internacional Feminista, em 1931; e o 3 Congresso Internacional Feminista, em 1936. “Vale citar que, entre os temas reivindicados pelas feministas no 2 congresso, estava a criação de um pavilhão feminino no projeto da Casa do Estudante do Brasil na cidade universitária, atual UFRJ. Argumentava-se que moradia estudantil não era apenas uma necessidade para os rapazes como estava previsto no projeto inicial”, destacou.
Já em 1929, as mulheres da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino fundaram a União Universitária Feminina, que em 1961 passou a se chamar Associação Brasileira de Mulheres Universitárias. A partir da década de 1930, a União Universitária Feminina, presidida pela engenheira Carmem Velasco Portinho, teve papel importante para a inserção e permanência das mulheres nas faculdades. Por sinal, Carmen foi fundadora da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, com apenas 18 anos. Ela foi uma das “sufragistas”, isto é, mulheres que lutaram pelo direito ao voto feminino, mais próximas de Bertha Lutz.
Além de Carmen Portinho, a União Universitária Feminina teve como integrantes de sua diretoria mulheres como Heloisa Marinho (formada em filosofia pela Universidade de Chicago), Orminda Bastos (advogada); Natércia da Silveira (advogada); e Amélia Sapienza (engenheira). Integravam a Comissão do Conselho: Bertha Lutz, Joana Lopez (médica cirurgiã), Mirtes de Campos (advogada), Erbina de Assis (médica) e Emília Snethlage (doutora em ciências).
Existia um movimento promovido pela União Universitária Feminina para incentivar o estudo superior entre as mulheres. “Quando elas conseguiam ingressar no curso superior, era oferecido às estudantes, pela União, o ‘chá das calouras’. E, quando elas conseguiam concluir os respectivos cursos, a união promovia nova comemoração, com o ‘chá da vitória’”, relatou Nailda, que observou em jornais da época que a União Universitária Feminina foi convocada formalmente para a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1937.
Divulgação |
Nailda Marinho observou questões de gênero do início do século XX que permanecem atuais |
Os movimentos femininos iniciados ainda no século XIX visavam ao resgate social e à afirmação política das mulheres. “Hoje, temos três mulheres concorrendo à presidência da República, fato impensável há tempos atrás. Entretanto, ainda hoje precisamos de cotas para ganhar espaço na política. A nossa sociedade só acabou com o pátrio poder com a Constituição de 1988, o que é ainda muito recente. Mas isso só ocorre na letra da lei, pois ainda há mulheres ganhando menos do que homens e exercendo a mesma profissão; além de mulheres condenadas por usarem roupas entendidas como provocantes. Se pensarmos que foi notícia de jornal, em 1917, uma mulher ter que se esconder em uma loja para fugir da população por ousar andar no Centro do Rio de calça comprida, ainda temos muito o que caminhar”, concluiu Nailda.
Ela conta com a participação de três bolsistas de iniciação científica da UniRio no projeto, todas alunas do curso de Licenciatura em Pedagogia: Beatriz Olivencia Piolla, Mariana Rodrigues de Jesus e Mônica da Costa Monteiro.
Página Inicial | Mapa do site | Central de Atendimento | Créditos | Dúvidas frequentes