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Publicado em: 26/08/2002 | Atualizado em: 29/03/2022
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Centro de Documentação recupera memória da escravidão no Vale do Paraíba

Centro de Documentação recupera memória da escravidão no Vale do Paraíba

Cinqüenta anos antes da assinatura da Lei Áurea, a cidade de Vassouras, na região do Vale do Paraíba, foi cenário da maior rebelião de escravos rurais do Brasil. Em 1838, mais de 500 negros tentaram fugir das fazendas Freguesia e Maravilha para formar um quilombo. Alguns deles conseguiram libertar-se, mas o principal líder do movimento, Manoel Congo, não teve a mesma sorte. Capturado, Congo foi julgado e condenado à morte por incitar a rebelião e ter matado um soldado.

O processo criminal de Manoel Congo e centenas de outros processos criminais, civis e comerciais dos séculos XIX e XX, que estavam abandonados nos cartórios dos municípios da região, estão sendo recuperados. Em breve, serão colocados à disposição dos interessados em pesquisar a vida dos escravos e o ciclo do café. Os documentos estão sendo organizados pelos pesquisadores do Centro de Documentação Histórica (CDH), da Fundação Educacional Severino Sombra, em Vassouras.

Parte do acervo - 750 caixas de processos, que enfileirados equivalem a 70 metros de documentos - já está disponível para os interessados, através de fichas informatizadas. No segundo semestre deste ano, a equipe do CDH, chefiada pelo pesquisador Carlos Eugênio Líbano Soares, pretende disponibilizar mais 350 metros de documentação.

Cerca de 90% deles vieram do Fórum de Vassouras, em 1999. O restante foi encontrado nos cartórios de Paty do Alferes e do distrito de Avelar.

“Este é um trabalho de parceria com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.O objetivo é salvaguardar essa documentação. O Poder Judiciário é o que mais produz documentos e o que menos tem recursos para gerir e preservar todo esse material histórico”, explica Carlos Eugênio Líbano Soares, Doutor em História pela Universidade de Campinas. Desde outubro de 2000, a iniciativa do CDH conta com apoio financeiro da FAPERJ, através de uma linha de auxílios para preservação de acervos. “O trabalho desenvolvido pelo CDH é fundamental para evitar que todo aquele patrimônio histórico saísse da região”, destaca o professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, Assessor Científico da FAPERJ. O apoio também representa a interiorização dos auxílios. “Há uma concentração de projetos na cidade do Rio de Janeiro e uma das propostas da Fundação é descentralizar esses apoios”, explica.

Centro de Memória para Resgatar a História do Vale do Paraíba

Outros acontecimentos que podem ajudar a contar a história do trabalho escravo e do ciclo do café no Vale do Paraíba deverão ser resgatados com a chegada de novos documentos. O CDH está fazendo parcerias com as prefeituras da região e com fazendas locais para recuperar documentação particular.

Um desses acordos deve ser fechado com a Prefeitura de Piraí, onde há mais de 4 mil processos dos séculos XIX e XX. Entre eles está a documentação de um dos mais influentes barões do café, Joaquim José de Souza Breves, que chegou a ter uma ferrovia própria e mais de 6 mil escravos em suas 27 fazendas.

A região é rica em histórias, como a do Barão de Guaraciaba, único negro a receber o título de barão, concedido em 1887, um ano antes da Abolição. Em uma das antigas propriedades do barão, que na juventude foi tropeiro de comitivas de café e depois chegou a dono de terras, funciona hoje a Prefeitura de Petrópolis. Sua documentação é originária de Valença.

Com a implantação do Mestrado em História da Universidade Severino Sombra, em 1994, o CDH passou a atuar, quase exclusivamente, em apoio aos alunos do curso de pós-graduação. Entretanto, com a chegada da documentação cartorária da região, a universidade está investindo em um novo projeto: a criação do Centro de Memória da História do Vale do Paraíba.

“Atualmente, estamos atendendo a pesquisadores de todo o Brasil e do exterior. Com o Centro de Memória pretendemos recuperar o material histórico de 18 municípios do interior fluminense”, explica Carlos Eugênio. Já há projeto para a construção de mais um andar no CDH, onde ficariam guardadas mais de 6 mil caixas, formando um dos maiores acervos do Brasil sobre o Vale do Paraíba, incluindo documentação da primeira metade do século XX.

Os interessados em pesquisar o material já recuperado pelo CDH podem ir até Vassouras. O Centro funciona na Rua Maria Gomes 169, Bairro do Madruga, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h. Os telefones para contato são (0xx24) 471-8210/2243.

Vassouras rivalizava com a capital

Líder mundial na produção de café em meados do século XIX, Vassouras, fundada em 1833, era a principal cidade da parte fluminense do Vale do Paraíba. A presença dos barões do café, grandes proprietários de terras e senhores de vasto contingente de escravos, contribuiu para o destaque do local. Um detalhe peculiar é que os barões viviam na vila, ao contrário de outros lugares, onde era costume a moradia nas fazendas.

O fato é que naquele período, Vassouras tinha status de capital do café, a corte do sertão. “Criou-se um ambiente raro de convivência entre os barões do café, que possuíam dinheiro e prestígio, e o restante da sociedade. O resultado foi o aparecimento de uma microurbanidade diferenciada, sofisticada em termos arquitetônicos, devido à presença dos grandes fazendeiros”, explica Carlos Eugênio Líbano Soares, lembrando que a cidade possuía construções sofisticadas, de inspiração francesa, além de teatro, hotéis, casa de ópera, redação de jornais e outros itens característicos da corte.

Centro das atenções, Vassouras quase acabou servindo de palco para nova rebelião de escravos, a chamada Revolta da Ubanda, em 1848. O movimento seria deflagrado durante visita de Dom Pedro II à região, mas foi sufocado. “Alguns meses antes, já se tinha conhecimento da existência de uma rede de comunicação entre escravos para arquitetar o movimento, que foi debelado antes de explodir”, explica Carlos Eugênio. “Há indícios de que os escravos eram apoiados por agentes britânicos, contrários ao tráfico negreiro.”

Para manter a liderança na produção de café, Vassouras - onde a notícia da Abolição chegou no dia 20 de maio de 1888 - chegou a ser um dos principais pólos de compra de escravos do país. Segundo Carlos Eugênio, entre os séculos XVI e XIX chegaram ao Brasil 4 milhões de negros, dos cerca de 8 milhões que desembarcaram nas Américas.

Entre 1780 e 1831, chegaram à cidade do Rio de Janeiro cerca de 1 milhão de africanos. Destes, 800 mil foram para o Vale do Paraíba.

Com o declínio do ciclo do café, a prosperidade da região foi minguando, paulatinamente. Vassouras, entretanto, ainda conseguiu manter-se em evidência por mais algum tempo. “Analisando a documentação encontrada, é possível verificar indícios de que, ainda no início do século XX, havia uma forte atividade econômica na região”, afirma.

Material resistiu à ação do tempo por mais de 100 anos

Esquecidos por mais de 100 anos em porões e sótãos dos cartórios do interior fluminense, muitos dos documentos que agora estão sendo recuperados estavam amontoados em caixas ou espalhados pelo chão sob goteiras, sem qualquer tipo de conservação ou tratamento arquivístico. Vulneráveis à ação de insetos e roedores, muitos só resistiram à ação do calor e da umidade devido à boa qualidade do pergaminho e do papel utilizados.

Para que possam ser novamente consultados pela sociedade, os documentos estão passando por um minucioso trabalho de recuperação que, dependendo do estado de conservação, pode levar meses para ser concluído. Assim que chega no CDH, o material é registrado e passa por um processo de higienização. O objetivo é retirar a poeira acumulada durante décadas e livrá-lo de infestações de cupins, brocas e traças.

Recuperada a parte material, a fase seguinte é o tratamento arquivístico. “Todos os documentos são classificados de acordo com sua fonte geradora. Os processos comerciais, civis e criminais são agrupados conforme sua natureza”, explica o arquivista Antônio Cláudio Lopes Ribeiro. “Feito isso, a etapa seguinte é fazer a ordenação cronológica de cada tipo de processo”. Uma vez separados por tipo e ordem cronológica, os documentos são identificados e acondicionados em caixas. Em seguida, a equipe do CDH faz a descrição do conteúdo de cada documento, por intermédio de uma planilha que reúne informações básicas. Todo material recebe um código de notação.

Na etapa final, o conteúdo das fichas é informatizado. Feita a digitação, o material já pode ser consultado pelos pesquisadores. Atualmente, o trabalho de higienização da maior parte do acervo está sendo concluído. Até o final de maio, os processos estarão classificados e serão disponibilizados no segundo semestre.

Personagens de uma época

Em meio ao material recuperado estão processos dos mais variados gêneros e documentos de figuras de destaque na região. Há casos de demarcação de terras; homicídios; porte de moedas falsas; e arbitramento - decisão judicial tomada toda vez que os senhores de escravos negavam-se a conceder alforria, mesmo quando esta era comprada.

Na documentação restaurada pelo CDH, encontram-se testamentos, inventários e processos de diversos personagens da história do Vale do Paraíba e do Ciclo do Café. Nomes como o da abolicionista Eufrásia Teixeira Leite, do líder negro Manoel Congo e do fazendeiro Joaquim José de Souza Breves.

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