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Publicado em: 19/04/2007
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Pesquisa analisa formação da percepção social sobre a criminalidade

Mônica Maia

Cristiane Barbalho / jornal O Cidadão
Crianças apontam as marcas de tiros feitas no Mural Contra a Viol~encia da comunidade Nova Holanda
Crianças apontamas marcas de tiros feitas no mural
contra a violência da comunidade Nova Holanda


Assim como todo brasileiro é um ‘técnico de futebol’ em potencial, os cariocastêm uma opinião e uma visão particular da criminalidade. Mas a maneira como os meios de comunicação noticiam os crimes está de acordo com a realidade da violência na cidade? Apesar de numerosos estudos e pesquisas sobre as possíveis causas e soluções para o problema da criminalidade carioca, praticamente inexistem pesquisas consistentes sobre o modo como a mídia veicula as notícias sobre violência. Com o projeto Laboratório de mídia e medo do crime: análise da formação de percepções sociais sobre a criminalidade na cidade do Rio de Janeiro, o professor Paulo Vaz, coordenador da pós-graduação da Escola de Comunicação (ECO)da UFRJ pretende responder essa questão de uma forma objetiva.

Por meio de estatísticas relacionadas aos fatos divulgados em jornais e tevês,e da análise do conteúdo desse noticiário, o pesquisadoraplicará sua especialidade: a reflexão de um teórico ocupado com os fenômenos da comunicação. Para levar adiante essa empreitada, Vazconta com o apoio do programa Cientistas do Nosso Estado, e também do vice-coordenador da pesquisa, Maurício Lissovsky, e de um grupo de alunos da graduação e pós-graduação.

Segundo Paulo Vaz os critérios de edição e as estratégias narrativas dos meios de comunicação definem as nossas percepções sociais sobre que tipos de crime existem na cidade, quais seriam suas causas e as soluções. O pesquisador ressalta que a constituição dessa realidade mental do crime tem relevância porque afeta o que pode ser dito no espaço público e o que pode ser feito politicamente.

Seu objetivo é examinar como é construída a imagem de quatro personagens da cobertura em jornais cariocas e telejornais: a imagem das vítimas (ressaltando as ligações com propostas de identificação com a audiência); a imagem dos criminosos; a imagem da favela (na medida em que ela é constituída como lugar de onde provém a criminalidade e, assim, há a tendência de transformar seus moradores em criminosos virtuais) e a imagem dos aparatos estatais de prevenção, sentenciamento e punição de crimes.

Vinicius Zepeda

Paulo Vaz (esq.) e Maurício Lissovsky lideram reunião
do
Laboratório de Mídia e Medo do Crime na UFRJ

"O crime passional sumiu do noticiário. Não há registros de crime passional em 36 dias de noticiário doRJ-TV em 2004. Isso quer dizer que não há mais crimes passionais? Cinqüenta por cento das notícias têm o personagem do traficante", polemiza o professor cujo projeto mostra como e porque esse tipo de ocorrênciafoi praticamente esquecida pela cobertura especializada.

A cobertura da tevêdestaca e privilegia os crimes com seleção aleatória de vítima:"Isso é uma continuação da idéia de sofrimento evitável explicitado no raciocínio ‘se a lei fosse rigorosa, se a prisão incapacitasse para contatos com crime e a polícia fosse mais eficiente. Não haveria tanto crime’. Esse discurso da vítima, de tanto peso na mídia, foi construído na década de 1990 e permanece no noticiário. Repete o discurso que passa pelo mundo, muito comum hoje nos Estados Unidos e Inglaterra", explica.

O pesquisador analisará as notícias sobre crime no Rio nos próximos dois anos, e promoverá uma comparação com o que era publicado em1983 e 2001. O ano de 1983 foi escolhido por representar uma época particular: "Um momento histórico ainda ordenado pelos conceitos de norma e progresso. A ditadura militar agonizava e havia a crença de que a democratização reduziria ou erradicaria diversos sofrimentos. O ano de 2001 foi escolhido como pertencendo ao momento em quea temática do risco já conforma a cobertura jornalística do crime", justifica o pesquisador.

Em 2003, enquanto realizavao pós-doutorado na Universidade deIllinois, em Chicago, na época da Guerra do Iraque, Vazverificoucomo o risco pode serusado como argumento político para controlar e cooptar o público:"O crime nos Estados Unidos é usado politicamente pelos republicanos para tomar o poder. O advogado Michael Dukakis, candidato democrata que tinha 30% de vantagem nas pesquisas sobre o primeiro presidente Bush, ganhou manchetes porque era pelo fim do indulto para os presos. Dukakis demorou a assinar o fim de indulto e os republicanos viram aí a chance de ganhar as eleições. O raciocínio era ‘ele se preocupa com os direitos dos criminosos e não com direitos das vítimas’. A idéia era de que se aquela lei fosse aprovada, os crimes diminuiriam. Prender os de mais alto risco traria maior controle", explica Paulo Vaz.

Diante disso,o desafio do político no que toca a criminalidade torna-se maiscomplexo: "Se não defende posição mais forte, ele pode ser acusado de estar desrespeitando a vítima. O político tem medo de ser simpático com o criminoso porque o argumento do eleitor é eu pago meus impostos e não tenho segurança, e o estado gasta com a segurança", diz o teórico confrontado comrealidade violenta. Ele ressalta que hoje, no Brasil, está claro que diante de um acontecimento trágico como o caso do assassinato do menino João Helio [arrastado por bandidos em um carro roubado pelas ruas de um subúrbio carioca] parte dos políticos e totalidade da classe média acredita que se a lei fosse mais dura não aconteceria.

Mas o professorafirma que isso também aumentaria a população carcerária,com conseqüências. "Um excelente jurista mostrou que esses argumentos não têm eficácia. Quem está discutindo políticas púbicas é a vítima. A vitimização é diferente daquela dos anos 1980. Pretendemos fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre os anos de 1983, 1982 e 1981, contrapondo estes aos de2003, 2002, 2001, a fim de expor com muita clareza essa mudança", diz.

Os efeitos colaterais do medo da violência

Segundo o pesquisador, parte dos motivospara cronificaro medo do crime está na cobertura da mídia. "A crença é que se eu não passar pela Linha Vermelha não vou ser assaltado. Restrinja seus hábitos, sua oportunidades de prazer porque você está com medo. A reiteração midiática do perigo mostrando mais um assalto noticiado na Linha Vermelha faz com que sejamos vitimizados pela possibilidade. Minha questão é analisar a realidade midiática e, conseqüentemente, a realidade mental que isso provoca na população", diz Paulo.

Nando Dias/ Viva Favela
Em comunidades de baixa renda a polícia entra  como se todos seus moradores fossem marginais
Assim como a mídia faz, a políciaainda tende a ver todos os
moradores de comunidades de baixa renda como marginais
Ele ressalta aspectos como o uso das SUVs (Sport Utilitarian Vehicles, as caminhonetes hoje muito usadas no Brasil pela classe média alta), hoje ligadas à questão da segurança, assim como o carro com blindagem: "A mensagem é deixe de fazer coisas. A vítima concreta pode ser cada um de nós", explica o professor da pós-graduação da Escola de Comunicação. A alimentação da indústria do crime e da segurança são conseqüências dosdois lados da questão.


Trata-se deum fenômeno iatrogênico porque, por medo do crime, as pessoas tendem a abandonar o espaço público, o que facilita a existência de crimes:"Há mecanismo de auto-reforço especialmente do público mais assustado, e há um efeito perverso que se dá em relação às favelas. A idéia e a experiência que a classe média tem da favela, por exemplo, se dá a partir do que ela vê e lê na mídia. A favela é um estereótipo. Antigamente não havia tantos obstáculos, as pessoas tinham um trânsito maior e mais facilitado no morro. Hoje a classe média está com o pensamento de que favela é coisa perigosa, lugar de traficantes, por isso menos pessoas vão lá e há um efeito de feedback – ao só saberem da favela pelo que vêem ou lêem na mídia, mais perigosa ela parece e menos se têm a experiência concreta de uma favela, o que impede a percepção de cotidianos de normalidade, que também lá existem – aprofundando de fato a imagem da violência", esclarece o pesquisador.

Ele nos lembra que isso tem efeitos ainda mais abrangentes: "Os que vêm de fora do Rio não têm experiência da normalidade na cidade. A experiência de cidade é pautada pela mídia e, assim, pela possibilidade de crime a qualquer momento e lugar. A experiência individual da própria cidade é afetada, os idosos temem as ruas pelo que lêem na mídia, o que faz com que eles pouco saiam de casa e, dess forma,só percebam a cidade através de sua experiência indireta. Isso resulta também em uma indústria de investimento nas favelas. Quanto mais a favela for lugar de risco, mais dinheiro a favela vai receber do estado, de ONGs", diz o filósofo, expondo além de interesses políticos as maneiras como a indústria da segurança aproveita 'relê', interpreta e tira partido do noticiário fundamentado no risco.

Por meio de uma análise da imagem do criminoso no noticiário do jornal O Globo nos anos de 1983 e 2001, os pesquisadores liderados por Vaz e Lissovsky já produziram o artigo A vítima virtual e sua alteridade: a imagem do criminoso no noticiário do crime.Eles mostram que a abordagem da violência constitui uma série de lugares comuns: "Quando uma celebridade é assaltada, por exemplo, sempre há a pergunta se ela vai embora do Rio. Dizer como a cidade é perigosa é um dos chavões que não mudam, e se ampliam. Passando pela polícia, outro chavão é ‘as leis deveriam ser mais rigorosas’. O foco na vítima, e não no assaltante, está mais forte, e é a grande novidade", diz o analista da mídia ressaltando outro lugar comum dessas narrativas jornalísticas– O crime aconteceu a 50 metros da cabine da polícia, da delegacia, do batalhão da PM – reiterando que ‘a polícia tem que ser responsável’.

As imagens coletadas evidenciam como o telejornalismo representa a favela. As comunidades geralmente aparecemfilmadas do alto, de helicóptero, ou das entradas da comunidade. As equipes de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas geralmente estão atrás da polícia nas grandes invasões de favelas, aproveitando suas informações e indicações. Depois fazem uma edição cinematográfica deste material .

Segundo o professor, é preciso ser cauteloso, pois quando os meios de comunicação dizem que alguém é culpado, repetem a voz da polícia edeveriam ter maiores cuidados éticos porque a taxa de resolução de crimes representa cerca de apenas 3% dos casos:"Como se pode confiar no que a polícia diz? Há regras de Direitos Humanos afirmando que todos são inocentes até que se prove a culpa. Em 2004, foi apresentado no RJ-TV do caso do assassinato da família Stäel na Barra da Tijuca envolvendo o caseiro. O caseiro confessou. A Secretaria de Segurança, então, anunciou que resolvera o caso. Em seguida,a justiça - que precisa de fatos - soltou o acusado, e o RJTV se mostrou indignado com o habeas corpus. Poucos dias depois foi dito no RJ-TV que o cara não era o responsável pelo crime - e a mídia, como de hábito, não fez nenhuma mea culpa sobre sua acusação anterior", conta, explicitando episódio de confronto de Direitos Humanos com a abordagemtelejornalística.

O Laboratório de Mídia e Medo do Crime também está colhendo material de telejornais da Rede Globo de 2007. Com o apoio da FAPERJ, a intenção é ampliar esse clipping eletrônico da violência carioca para telejornais de emissoras, além de O Globo,e, em 2008, encerrar a amostragem para oferecer as características da cobertura, seus chavões e estabelecer um diálogo com jornalistas. "Vou trabalhar também na construção de um site para deixar disponível todo esse material da pesquisa em vídeo e jornais impressos. Trata-se de um acervo de informação com parte importante do que foi reproduzido na mídia sobre o crime na década de 1980, e após os anos de 2001 e 2002", promete o titular do projeto.

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