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Publicado em: 22/03/2007
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O analfabetismo funcional e os preconceitos

Vinicius Zepeda

                                              Vinicius Zepeda

 
Bairro Maré: comunidade carente da Zona Norte
 do Rio onde o analfabetismo funcional é alto
A idéia ainda difundida em nossa cultura de que alunos de comunidades carentes não têm meios de obter acesso à norma culta da língua portuguesa pode estar com os dias contados. É o que mostram pesquisas desenvolvidas com apoio da FAPERJ por Maria Cecilia Mollica, professora de lingüística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que resultaram numa série de publicações teóricas e quatro livros-jogos voltados para o ensino de português e matemática a crianças, jovens e adultos. “O diferencial do meu trabalho é aproximar professor de aluno, sem que o ensino sofra prejuízos por conta disso. Nós nos utilizamos da linguagem informal utilizada pelos alunos no cotidiano e de sua realidade para chegarmos à norma culta da língua portuguesa. Assim, despertamos no aluno o interesse pelo estudo, e o trabalho ganha maior eficácia e consistência”, explica Cecilia.

Outro aspecto inovador no trabalho desenvolvido por Cecilia juntamente com uma equipe de mais sete pesquisadores da EJA/UFRJ (Escola de Jovens e Adultos) diz respeito ao conteúdo dos livros-jogos. “Os similares disponíveis no mercado e utilizados pelo Programa Brasil Alfabetizado do Ministério da Educação (MEC) dissociam o ensino do português do de matemática. No nosso trabalho o ensino das duas disciplinas é feito de maneira integrada, uma vez que no cotidiano estas ciências não caminham separadamente”. Para a pesquisadora, as atividades lúdicas podem ser utilizadas como importantes estratégias de ensino no processo de apropriação da leitura, da escrita e da escrita matemática. “Especialmente se partirmos do contexto real dos alunos, da competência inata que os falantes já possuem de sua língua e das operações matemáticas feitas por cálculo mental”, diz.

Segundo Cecilia, grande parte dos moradores de comunidades carentes aparece nas estatísticas do MEC como analfabetos funcionais – capazes de realizar operações matemáticas básicas e que possuem grande limitação de ordem gramatical e ortográfica para a escrita devido à má formação educacional. “Nosso trabalho vai além de alfabetizar. Ele contribui para tirar as pessoas dessa estatística que os estigmatiza nos subempregos e nas precárias condições de vida em que vivem”, explica Cecilia. “Junto ao processo de alfabetização são realizadas também atividades de acesso a bens culturais, como visitas a exposições, museus e concertos, visando despertar o gosto pela cultura nestas pessoas e um maior senso crítico e conhecimento do mundo e da realidade em que eles estão inseridos”, acrescenta.  

A série de quatro livros-jogos desenvolvidos pela professora da UFRJ, intitulada de Brinca-Palavra, teve tiragem inicial de 50 exemplares para cada volume. O primeiro deles foi publicado em 2005. No ano seguinte, mais dois foram impressos. O último, Banco de Compra e Venda, acaba de sair do prelo. Os volumes, de excelente qualidade gráfica, tiveram custo alto. “Só consegui publicá-los devido ao apoio da Fundação, que, em 2002, concedeu-me importante auxílio através do edital Cientistas do Nosso Estado. Com isso, pude dar continuidade à pesquisa Letramento, Formação Profissional e Qualificação Continuada”, recorda.

Desde 2006, os livros desenvolvidos pela equipe coordenada por Cecilia vêm sendo testados nos processos de ensino desenvolvidos na EJA. “Estamos aplicando as publicações em cinco turmas de alfabetização, e filmando os resultados para compararmos com outras turmas em que não nos utilizamos deles para ensinar”, explica. Os resultados têm sido animadores. Maria Cecilia espera agora divulgar melhor o material junto com as secretarias de educação municipal e estadual, e também junto ao MEC. “Com isso espero ao menos que possamos em grande escala duplicar sua tiragem e levar estes volumes aos professores”, afirma.

O sistema de educação formal precisa ser revalorizado, defende a pesquisadora

Vinicius Zepeda 

  
ONG na favela Nova Holanda oferece aula com
o objetivo de diminuir as desigualdades sociais

Recentemente, o governo federal anunciou uma verba de R$ 1 bilhão para serem investidos no ensino técnico nos próximos quatro anos. Segundo Maria Cecilia Mollica, a iniciativa já é um passo para a formação de profissionais e a redução do desemprego e subemprego no país. Ela, contudo, defende que não só o aprendizado de nível técnico-profissional seja valorizado, mas sim toda a educação formal. ”O sistema formal de educação tem a obrigação de ser eficiente, investir na educação básica e na formação continuada dos professores. É indispensável, para tanto, restaurar a dignidade do docente e revalorizar o status do professor e seu papel de liderança na sociedade”.

De acordo com a pesquisadora, muitas comunidades carentes do país são abandonadas pelo poder público no que toca o ensino. “O trabalho social e educacional desenvolvido por iniciativa de movimentos sociais, ONGs e mesmo de projetos desenvolvidos pelas universidades como os que desenvolvemos no EJA contribuem para diminuir este abismo social, cultural e econômico a que são relegados os moradores destes locais”, afirma Cecilia. Em sua opinião, na falta de investimentos necessários e adequados para reverter esse quadro na educação brasileira, esses programas são de extrema importância para a inclusão social.

Há mais de 10 anos que Maria Cecilia Mollica vem desenvolvendo pesquisas na área de sociolingüística. De 2004 a 2006, ocupou cargo de direção no Departamento de Letras da UFRJ, e foi ainda presidente da Abralin (Associação Brasileira de Lingüística) na gestão 2001-2003. Seus trabalhos visam reduzir o fosso intelectual que ainda separa o professor das universidades dos moradores de áreas pobres e diminuir o estigma que estas pessoas carregam. “A escola é o espaço de estímulo ao domínio de estilos e gêneros mais formais do português. O professor deve partir da linguagem do aluno, sem estigmatizá-la, com a finalidade de ampliar o espectro discursivo dos falantes”, defende.

O apoio da FAPERJ contribuiu ainda para que Cecilia avançasse em outras pesquisas que resultaram em outras publicações. Na mais recente delas, Fala, Letramento e Inclusão Social, a pesquisadora procura derrubar o mito de que o aluno de áreas pobres não tem capacidade para estudar e aprender as normas cultas da língua portuguesa. O mesmo trabalho traça ainda um panorama da riqueza lingüística brasileira, sua relação com a cultura letrada e com os critérios educacionais a serem adotados na escola. Para Cecília, é essencial chamar a atenção para a importância social que a pesquisa lingüística se reveste na área não só de Letras, mas também na de Educação e Saúde. “Como a lingüística se ocupa da linguagem humana, seus paradigmas oferecem subsídios importantes a todas as disciplinas que também se voltam para o processamento verbal nas modalidades falada e escrita”, conclui.

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