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Publicado em: 09/03/2006
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Pesquisa da UFRJ desvenda vida de santos e beatos

Marina Ramalho

Multiplicar o pão, curar enfermos, fazer milagres – os relatos de vida dos santos católicos são repletos de lugares-comuns. Mas, nas entrelinhas desses chavões, presentes em textos religiosos que contam a história de santos e beatos (as chamadas hagiografias), estão implícitas pistas importantes para se interpretar a sociedade da época. É nesse campo que o Programa de Estudos Medievais, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCS) da UFRJ, vem empreendendo um esforço inédito de pesquisa, que terá aplicações em diferentes áreas do estudo histórico.

O projeto Igreja, Santidade e Gênero na Hagiografia Mediterrânea dos Séculos XI ao XIII, contemplado pelo edital Primeiros Projetos da Faperj, está realizando um levantamento da vida e das características de santos e beatos venerados nas penínsulas Ibérica e Itálica, no período chamado de Idade Média Central. “Muitos acham que o estudo dos santos se aplica apenas ao ambiente religioso. Mas os critérios usados pra elevar alguém à santidade podem revelar muito sobre o que pensava a sociedade. Há muitos exemplos que fogem aos padrões estabelecidos e revelam particularidades de um povo”, explica Andréia Frazão da Silva, historiadora que coordena o projeto.

De acordo com a pesquisadora, estes casos revelam que, mesmo na área do culto aos santos, houve apropriações e negociações entre Igreja e população. Em alguns exemplos, como o de Rosa de Viterbo, na Itália, o culto popular se desenvolveu, mas não foi reconhecido pela Igreja. Em outros, diante da grande popularidade alcançada por um santo como Francisco de Assis, mesmo que fora dos padrões hegemônicos, a canonização oficial deu-se em tempo recorde, trazendo para o seio da instituição eclesiástica uma nova forma de vida religiosa.

 

O estudo contemplado pela Faperj é sub-projeto da pesquisa coletiva Hagiografia e História, que estuda  textos hagiográficos e  biografia de homens e mulheres considerados santos ou beatos no período e local escolhidos, a partir de seis eixos temáticos principais: o caráter didático e propagandista das hagiografias, as metas e projetos da Igreja Romana, as construções sociais de gênero, os centros de formação intelectual, as práticas e as crenças da religiosidade e o crescimento da espiritualidade leiga.

 

Para empreender o projeto, os pesquisadores se depararam com um obstáculo: procuraram por levantamentos de santos e beatos da época e não os encontraram. O grupo, então, resolveu encarar o desafio de reunir e organizar documentos e relatos sobre santos e beatos, para compilar essas informações, tal como um censo, que servirá de subsídio fundamental para futuros estudos no Brasil e no exterior, em diferentes campos da História.

 

“Embora alguns textos sejam de fácil acesso, esse material é extremamente disperso e contém dados divergentes. Reunir as informações e confrontá-las é um trabalho sem precedentes”, diz a historiadora. O objetivo do esforço não é “corrigir” as divergências dos textos, mas extrair deles características do fenômeno da santidade e da sociedade à época.

 

Até o momento, a pesquisa coletou materiais de cerca de 100 hagiografias e já produziu fichas de 141 santos e 126 beatos da Península Itálica, contendo dados sobre seu estado civil, sexo, filhos, grau de instrução e letramento, quais atributos lhe eram conferidos, entre várias outras informações. Da Península Ibérica, cuja coleta de dados é mais recente, foram criadas fichas de 67 santos e 18 beatos. A idéia é publicar esses dados e também disponibilizá-los na internet até 2007.

 

“Esse conjunto de informações pode gerar uma série enorme de monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado e servirá de material de consulta para outras áreas, como estudos em História da Arte, Teologia e Literatura”, explica Frazão.


Estudo do IFCS ressalta santos que fugiam aos padrões hegemônicos da Igreja

O culto cristão aos santos iniciou-se no século II, em torno dos mártires, ainda na Igreja Antiga. Mas foi na Idade Média que se difundiram e se consolidaram os centros de veneração na Europa e que se desenvolveram as hagiografias – textos com objetivos religiosos que se debruçam sobre a vida e feitos dos santos.

 

Os primeiros estudos críticos das hagiografias remontam ao século XVIII, mas visavam principalmente criticar as fontes para analisar sua veracidade. Esse tipo de estudo foi renovado há algumas décadas. Nesse movimento, destaca-se o pesquisador francês André Vauchez, que publicou diversas obras, dentre elas o artigo O Santo, uma espécie de síntese de suas reflexões, no qual busca dar uma visão global da santidade.

 

“Vauchez faz um panorama de como evoluíram os modelos de santidade no medievo. Segundo o autor, a santidade antes era atribuída a mártires. Depois passaram a existir os santos chamados confessores, ou seja, aqueles que, mesmo sem sofrerem o martírio, confessavam com a vida a sua fé. Eram, em sua maioria, bispos e abades”, explica Frazão.  Mais tarde, entre os séculos VIII ao XI, foi o momento de santos ligados ao poder político e à realeza e, por fim, a partir do século XIII, cresce o número dos santos leigos.

 

As pesquisas do grupo, porém, já mostraram que esses modelos não se aplicam com rigor. “Verificamos, por exemplo, o caso de Santo Domingos de Silos, que viveu na Península Ibérica no século XI, mas cujo culto desenvolveu-se ligado ao movimento de reconquista. Como Vauchez só se preocupa em realçar traços gerais da santidade a cada época, sem distinção de espaço, acaba por não levar em consideração as particularidades do fenômeno da santidade só compreensíveis à luz de seu contexto mais próximo”, ressalta Frazão. Ela explica que nos séculos contemplados pela pesquisa, os reinos ibéricos estavam voltados para a conquista das áreas ocupadas pelos muçulmanos, logo, este foi um fator fundamental na configuração da santidade nesta região.


Frazão destaca ainda que, embora a maioria dos santos fosse ligada à própria Igreja, foram venerados leigos, como Isidro, que foi agricultor, e Margarida de Cortona, filha de camponeses e mãe solteira, entre outros exemplos que fugiam ao padrão hegemônico: homens, letrados e clérigos.

 

“Nós buscamos analisar as tendências ligadas às santidades, mas ressaltando as particularidades, para mostrar o que elas revelam sobre os conflitos presentes na Igreja e na sociedade. Também estamos procurando lançar questões novas, usando os textos religiosos para analisar temas como as percepções sobre o corpo, a sexualidade e o tempo e as construções de gênero, entre outras vertentes ainda não exploradas”, explica Frazão.

 

Saiba mais:

 

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