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Publicado em: 30/09/2021
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África e América do Sul: um passado de conexões continentais

Débora Motta

Reconstituição artística das pontes terrestres que
existiram entre América do Sul e África, permitindo
a passagem de animais e a evolução das espécies
entre os continentes (Paleoarte: Vitor Silva)

Um novo olhar sobre a história da formação geológica dos continentes. É o que revela o estudo que descobriu um novo grupo de mamíferos, indicando que América do Sul e África estiveram unidas através de pontes terrestres, por muito mais tempo do que se imaginava, há cerca de 60 milhões de anos – bem após a separação desses dois continentes e a formação do Oceano Atlântico, que se deu há 120 milhões de anos. A pesquisa foi desenvolvida pelo professor e zoólogo Leonardo Avilla, chefe do Laboratório de Mastozoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), que vem desenvolvendo projetos com suporte do programa Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ; e pela bióloga Dimila Mothé, pesquisadora de Pós-Doutorado em Biodiversidade e Biologia Evolutiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e bolsista Nota 10 da Fundação. Os resultados do estudo foram publicados no artigo "Out of Africa: a new Afrotheria lineage rises from extinct South American mammals", na revista científica suíça Frontiers Ecology and Evolution, de livre acesso.

O ponto de partida para a formulação dessa hipótese científica foi o reconhecimento de um novo grupo de mamíferos ungulados nativos sul-americanos, o Sudamericungulata. A árvore filogenética desses animais, elaborada por meio da análise morfológica de dentes (pela semelhança entre as cúspides e cristas dentárias) e os crânios, apontou que os Sudamericungulata são mais próximos de mamíferos exclusivos da África do que daqueles provenientes das Américas. Os pesquisadores verificaram que seus parentes mais próximos foram os Hiracoides (integrantes do grupo Afrotheria, de origem africana). “Depois da separação progressiva dos continentes, surgiram os Hyraxes ou Hiracoides, na África, e os Sudamericaungulatas na América do Sul”, contextualizou Dimila.

O parentesco direto entre esses mamíferos sul-americanos e africanos sugere que havia conexões via pontes terrestres entre os dois continentes, mais duradouras do que se sabia. “Eu e o professor Leonardo Avilla investigamos, a partir da filogenia, as relações evolutivas desses grupos de mamíferos pré-históricos da América do Sul, comparando com grupos de mamíferos dos outros continentes e alguns grupos da própria América do Sul. Nesse caso, notamos uma relação evolutiva mais próxima com alguns grupos da África. Na ancestralidade deles, no início da era Cenozoica e final da Mesozoica, ou seja, de 70 a 50 milhões de anos atrás, eles tinham uma relação de parentesco muito próxima”, explicou Dimila. “Não há descendentes vivos dos Sudamericungulata e, talvez por isso, eles foram sub-representados nos estudos acadêmicos, que desconheciam a relação filogenética deles dentro dos mamíferos placentários”, completou.

Dimila Mothé e Leonardo Avilla com um fóssil de
Proboscidea, mamífero do clado Afrotheria,
durante visita ao Museu de História Natural
de El Salvador 
 (Foto: Divulgação)

O estudo propõe, assim, uma alternativa à hipótese tradicional da origem de alguns grupos de mamíferos sul-americanos, conhecida como Dispersão Transatlântica, segundo a qual fragmentos de terra teriam se soltado da África, formando balsas naturais que flutuaram pelo Oceano Atlântico até chegar à América do Sul, trazendo consigo esses grupos de mamíferos, incluindo os Sudamericungulata. De acordo com Avilla, essa hipótese seria muito improvável. “A balsa deveria, necessariamente, conter uma quantidade muito grande de indivíduos de cada espécie de cada grupo de mamíferos, que permitissem uma variabilidade genética entre eles, para garantir a geração e o estabelecimento de descendentes viáveis no novo continente, sem o problema da consaguinidade”, afirmou Avilla.

Os resultados evolutivos do estudo indicam grande possibilidade de que existiram pontes terrestres e intermitentes, ligando os dois continentes, que permitiam a passagem dos animais e a sua posterior evolução e adaptação ecológica. “As pontes teriam sido intermitentes devido ao movimento dinâmico das placas tectônicas do assoalho do Oceano Atlântico, mas elas existiram por um bom período de tempo, suficiente para garantir a passagem de diversas espécies. O ancestral dos grupos africanos e sul-americanos viveu provavelmente nessas conexões terrestres, que quando se romperam deixaram parte dos animais em cada continente", explicou o zoólogo.

Avilla destacou que há muito tempo os cientistas não descreviam uma linhagem nova de mamíferos. “A partir dessa descrição conseguimos levantar essa hipótese das conexões terrestres, que vamos continuar pesquisando”, disse ele. “Existiam hipóteses anteriores na literatura de que todos os mamíferos da América do Sul seriam um grupo só, mas, nesse estudo, mostramos que houve histórias evolutivas diferentes, mesmo que os mamíferos da América do Sul tenham sido todos encontrados aqui”, acrescentou Dimila.

Os Sudamericaungulatas eram animais herbívoros, com diversas linhagens, e se extinguiram há cerca de 11 mil anos. Todos tinham cascos e eram mamíferos placentários, e nenhum possuía chifres. A última espécie a desaparecer foi o Toxodon, mamífero da Idade do Gelo. Em uma expedição, Charles Darwin encontrou fósseis deste animal na América do Sul e os enviou para a Inglaterra, onde foram descritos pelo naturalista Richard Owen. “Em geral, eles tinham médio ou pequeno porte. Há registros de alguns Sudamericaungulatas maiores, chegando a pesar uma tonelada. Essa variação de tamanho ocorreu de acordo com a seleção natural e a pressão seletiva do meio ambiente”, disse Dimila.

A publicação do artigo só foi possível a partir do conhecimento adquirido por Avilla e Dimila em longos anos de dedicação à pesquisa. “A Dimila sempre estudou mamíferos de origem africana e que viveram aqui na América do Sul, e eu, os mamíferos da América do Sul. Estudo os Sudamericaungulata desde o início do meu Doutorado, em 2002, que defendi no Museu Nacional. Unimos nossos conhecimentos nesse projeto. Daí podemos ver um exemplo da importância dos investimentos em pesquisa a longo prazo, em todas as etapas da pós-graduação, para alcançarmos resultados científicos interessantes e impactantes”, disse Avilla, que coordena o projeto "Biogeorio: Biodiversidade e Aspectos Biogeográficos Transatlânticos da América do Sul e África durante o Cenozoico", contemplado pelo edital Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ. “A Ciência se faz com publicações e observações das evidências e essa é nossa contribuição para o debate da filogenia dos mamíferos”, concluiu Dimila.

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