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Publicado em: 29/04/2021
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Pandemia expõe uma dura realidade sobre o direito universal à água

Paula Guatimosim

Às margens do rio Sarapuí, o retrato das famílias que não têm
acesso à água de qualidade (Fotos: Leau/Prourb/UFRJ)

O direito humano à água e ao saneamento, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) há 11 anos, ainda exclui 16% da população brasileira. Segundo dados de 2019 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada. A desigualdade social é expressa no mapa do abastecimento de água disponibilizado no portal, que revela que enquanto o Sudeste tem 90% de sua população atendida, na região Nordeste apenas 57,5% da população tem acesso a água (http://snis.gov.br/painel-informacoes-saneamento-brasil/web/painel-abastecimento-agua).

Coordenadora de Laboratório de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Lucia Nogueira de Paiva Britto conduz estudos sobre gestão dos serviços de saneamento, sua história, características atuais e interfaces com o uso e ocupação do solo, gestão dos recursos hídricos e governança metropolitana. Para dar continuidade às suas pesquisas, incluindo seu mais recente projeto, intitulado “Mudanças nas estruturas de gestão dos serviços de saneamento básico na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: perspectivas para o atendimento do Direito Humano à Água e ao Esgotamento”, a doutora em Urbanismo conta com apoio da FAPERJ por meio do programa Cientista do Nosso Estado (CNE), projeto com vigência até 2025.

Geógrafa, com mestrado em Planejamento Urbano e Regional, Ana Lucia conta que o seu interesse pela gestão de águas urbanas teve início no curso de doutorado com o estudo “Políticas de Saneamento no Rio de Janeiro”. Ela explica que o tema tem várias vertentes, mas seu interesse versa, principalmente, na política pública alinhada aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, como o do direito ao acesso à água de qualidade, sem intermitência, com um valor de tarifa acessível a todos e o fornecimento de um volume mínimo aos que não podem pagar. Ela esclarece que associado ao direito universal à água está o direito ao esgotamento sanitário, mediante instalação sanitária adequada nas residências e a existência de rede de  coleta de esgoto com posterior tratamento.

No laboratório, Ana Lucia e sua equipe pesquisam
a gestão dos serviços de saneamento e suas
interfaces com o uso e ocupação do solo

À frente da coordenação do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas (Leau) do Prourb, Ana Lúcia e sua equipe se dedicam ao estudo da política pública de saneamento focada no direito à água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Outras linhas de pesquisa incluem projetos urbanos sensíveis à água, ou seja, como tornar as metrópoles mais permeáveis à água, preparando as cidades para evitar inundações, por exemplo. De acordo com Ana Lúcia, essa é uma tendência mundial rumo à sustentabilidade, e cita o exemplo do programa de longo prazo desenvolvido em Paris, onde os subbairros vêm trabalhando na substituição do concreto por áreas verdes. “Até a icônica Galeries Lafayette investiu em um telhado verde, com horta e plantação de morangos”, conta. Uma outra dimensão do urbanismo sensível à água é a revitalização de rios urbanos e os pesquisadores do Leau vêm desenvolvendo projetos nesse sentido voltados para rios metropolitanos.

Na opinião da pesquisadora do Observatório das Metrópoles, grupo vinculado ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ, o Brasil está muito atrasado na questão ambiental em geral e enfrenta um retrocesso em várias áreas no atual governo. Para ela, no Rio de Janeiro talvez tenha havido uma pequena evolução em alguns instrumentos de planejamento de saneamento, mas, no geral, desde 2010 a cidade evoluiu muito pouco e a Região Metropolitana, menos ainda. “A pandemia evidenciou a situação precária de vários bairros e comunidades que sofreram com a falta d’água, e mostrou que em regiões como Zona Oeste, Baixada Fluminense, Itaboraí e São Gonçalo muitas vezes o problema nem era de intermitência, mas de ausência de acesso à rede mesmo”, esclarece Ana Lucia. Para ela, que coordena alguns projetos do Observatório Nacional do Direito Humano à Água e ao Saneamento (Ondas), o avanço acanhado nesses dez anos é resultado de falta de prioridade nessa área, falta de uma visão de que aplicar recursos em saneamento é um investimento social. Em sua opinião, mesmo quando há investimento, muitas vezes é de baixa efetividade, como é o caso da despoluição da Baía da Guanabara, que já contou com dois grandes programas e continua poluída.

“Sobretudo porque os investimentos visam a coleta e tratamento do esgoto na região da bacia hidrográfica, para evitar sua chegada à Baía. Mas as obras nos municípios da Baixada Fluminense como Duque de Caxias e São João de Meriti, localizados na bacia dos rios Iguaçú e Sarapuí, cujas águas correm para a Baía, são sempre postergadas”, alega. Ana Lucia dá o exemplo de projeto numa das regiões em que trabalha, no bairro de Campos Eliseos, em Duque de Caxias, que carecia de fornecimento de água.  Segundo ela, apesar de a licitação da obra ter ocorrido em 2007, época em que contava com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra foi postergada devido a vários fatores e só foi inaugurada este ano. “Quatorze anos é uma vida para uma família ficar sem água”, pondera Ana Lucia. 

No Colégio Estadual Adelina Castro, em Duque de Caxias, os
pesquisadores promovem atividade que estimula os estudantes
a discutirem o direito humano à água nas escolas e em suas casas;
atividade está prevista entre as exigências do edital da FAPERJ

Um grande alento para a pesquisadora foi inicialmente cumprir e, depois, agregar grande satisfação à realização da contrapartida exigida pelo edital da FAPERJ. Os pesquisadores apoiados pelo programa Cientista do Nosso Estado devem desenvolver atividades científica e/ou tecnológica para alunos de escolas públicas durante a vigência do projeto. “Nosso programa intitulado Direito Humano à Água nas Escolas leva o debate acerca do tema para as escolas públicas”, explica Ana Lucia. Nesse ambiente escolar, onde muitas vezes a água é obtida de poço artesiano ou de caminhões pipa fornecidos pela prefeitura, a pesquisadora e sua equipe têm a oportunidade de conhecer a realidade dos alunos, como eles têm acesso à água em suas residências e realizam análises rápidas de qualidade, além de ensinar como purificar a água com o kit de purificação.

Mesmo considerando a influência do contexto socioeconômico sobre a falta de investimento - o Estado do Rio está sob recuperação fiscal - Ana Lucia acha que a situação precária do saneamento é histórica, sobretudo devido ao fato de não ser considerado um setor prioritário no estado. “Mas quando comparamos o Rio de Janeiro com outras metrópoles também atendidas por companhias públicas de água e esgoto, como São Paulo e Belo Horizonte, vemos que o cenário é completamente diferente, o que mostra que a gestão pública pode ser mais eficiente”, diz Ana.

Ana Lucia: outras linhas de estudo da
pesquisadora 
visam a sustentabilidade.

Para a pesquisadora, a situação do País como um todo é igualmente desfavorável, pois com a Emenda Constitucional nº 95 do teto de gastos, não haveria disponibilidade de verba do Governo Federal. Ana Lucia acredita que diante da tendência de aumento da pobreza em decorrência do desemprego gerado pela pandemia, a população de extrema pobreza estará cada vez mais vulnerável. Segundo o Mapa da Desigualdade divulgado em 2020 pela Casa Fluminense – organização sem fins lucrativos formada por ativistas, pesquisadores e cidadãos – na Região Metropolitana do Rio de Janeiro os municípios com menor renda média mensal são os com acesso mais precário ao saneamento. E exatamente esta população que acaba acumulando mais dificuldades para se proteger contra o vírus diante da realidade de vida em situações de aglomeração; menor capacidade de cumprir o isolamento social; privação econômica e limitações para acesso ao sistema de saúde. A pandemia expõe, assim, uma dívida histórica do poder público e dos prestadores dos serviços de saneamento básico com uma população que tem seus direitos básicos negados. E reforça a urgência da universalização do saneamento para a garantia da saúde da população não só no contexto de prevenção da COVID-19, mas também de uma série de doenças de veiculação hídrica.

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