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Publicado em: 29/10/2020
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Pesquisa identifica o hábito da horticultura entre os povos pré-históricos do litoral brasileiro

Débora Motta

Panorama do Sambaqui da Roseta, em Santa Catarina: um dos
sítios arqueológicos visitados no projeto (Fotos: Divulgação/MN) 

Bem antes da chegada dos colonizadores portugueses, entre cerca de 8.500 a mil anos atrás, viviam no litoral brasileiro povos pré-históricos que habitavam as restingas no entorno de lagoas, baías e estuários. Eles deixaram como testemunhas de sua existência os sítios arqueológicos conhecidos como sambaquis – montes construídos com conchas e sedimentos, contendo instrumentos de pedras lascadas e polidas, ossos, esqueletos humanos, restos de fogueiras e outros materiais. Esses locais são preciosas fontes de estudo para a reconstituição dos hábitos desses grupos, além de revelar aspectos da flora e da fauna da época. Recentemente, duas pesquisadoras do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ), as arqueólogas Rita Scheel-Ybert e Célia Boyadjian, publicaram um artigo que apresenta uma nova visão sobre a organização social destes grupos, revelando que eles cultivavam hortas domésticas, além das suas já conhecidas habilidades como pescadores.

Intitulado Gardens on the coast: Considerations on food production by Brazilian shellmound builders, o artigo foi publicado recentemente no Journal of Anthropological Archaeology, e é um resultado da pesquisa que vem sendo desenvolvida por Rita com apoio da FAPERJ, pelo programa Cientista do Nosso Estado. Durante muito tempo, os povos “sambaquieiros” foram considerados pelos arqueólogos como “pescadores-coletores”, especialmente de moluscos, e de frutos. No entanto, evidências de uma grande diversidade de plantas selvagens e de plantas domesticadas nesses sítios, como tubérculos, frutos e sementes, incluindo cará, batata-doce, araruta, abóbora e milho, demonstram que a pesca e a coleta eram associadas à prática de horticultura.

“Os povos que viviam nos sambaquis também eram horticultores, e não apenas pescadores e coletores, como se pensava. Eles ajudaram a modificar a paisagem no seu entorno de diversas maneiras, aumentando as proporções de plantas frutíferas e outras plantas úteis e deixando marcas na paisagem que podem ser identificadas até os dias de hoje, nas restingas, que concentram grande número de espécies vegetais frutíferas”, explicou Rita, que é professora do Departamento de Antropologia do Museu Nacional e fez seu doutorado em Biologia de Populações e Ecologia pela Université Montpellier II, na França. Ela ressalta ainda que o fato desses povos terem vivido da horticultura sugere a possibilidade de uma participação maior das mulheres na realização das atividades comunitárias. “Essa é uma questão muito interessante e que podemos investigar futuramente.”

Escavação de sepultamentos encontrados no sambaqui
Cabeçuda, em SC: testemunhas da pré-história 

Com formação em Arqueologia e reconhecida como uma pioneira da Arqueobotânica no Brasil e introdutora na América tropical da área de Antracologia – o estudo dos restos de madeira carbonizados provenientes de sítios arqueológicos ou de solos –, Rita destaca no artigo, como evidências científicas, diversos achados de restos de plantas, encontrados em sambaquis localizados nas costas dos estados do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, que teve a oportunidade de estudar durante várias expedições realizadas na última década. Um desses achados é o resto carbonizado do cará (tubérculo parecido com uma batata roxa) mais antigo das Américas, que evidencia seu consumo em um sambaqui na região de Cabo Frio, Região dos Lagos fluminense.

“Nosso trabalho na Antracologia é estudar vestígios de plantas que pegaram fogo e viraram carvão. Outra forma de encontrar plantas em sítios arqueológicos é através da análise dos grãos de amido e dos fitólitos, que são cristais de plantas preservados, encontrados muitas vezes em utensílios para o preparo dos alimentos por esses povos pré-históricos. Minha coautora, a Célia, é especialista nesses microvestígios e trabalha com cálculo dentário, o tártaro nos dentes, que permite a observação dos alimentos que eles ingeriam ou mesmo de materiais que colocaram na boca durante o trabalho de artesanato”, detalhou.

Os sambaquis, que chegam a ter até 70 metros de altura em alguns sítios, eram palco de múltiplas atividades que demonstram que os seus construtores constituíam uma sociedade complexa para a época. “Eram o local onde as pessoas sepultavam os mortos, realizavam rituais elaborados, cultuavam seus deuses, honravam seus antepassados, confraternizavam em festas e banquetes funerários e reforçavam seus laços sociais através de trocas de comida e do trabalho comunitário”, explicou a pesquisadora.

A partir da esq.: as pesquisadoras Rubia Patzlaff, Celia
Boyadjian, Rita Scheel-Ybert e Taís Capucho

Ela conta que as pessoas não eram enterradas debaixo do solo, como hoje. “Os corpos eram envoltos em cestarias e cobertos por conchas e pelos restos dos banquetes funerários. Pela presença do material calcário das conchas, muitos deles são encontrados em bom estado de preservação. Como parte do ritual religioso, eram deixadas oferendas de comidas para os mortos”, completou. No Brasil, há registro de mais de 900 sambaquis ao longo do litoral. Eles foram criados por povos que existiram durante o período Holoceno do Quaternário. “Nesse período, as plantas já tinham características modernas”, concluiu.

Também participam do projeto estudantes do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional, como Taís Capucho e Leonardo Waisman de Azevedo; alunos de graduação, como Bruna dos Santos Gomes Lopes, da Biologia da UFRJ, e Isabel Mesquita de Oliveira Silva, do curso de Arqueologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); e até alunos do Ensino Médio, como Lívia Coutinho da Cruz e Vitoria da Silva Andrade, que ingressaram no projeto no ano passado, quando eram alunas de Iniciação Científica do Colégio Pedro II e receberam apoio da FAPERJ, por meio do programa de pré-iniciação científica Jovens Talentos, e atualmente, já cursando a graduação em Biologia na UFRJ, continuam colaborando com o projeto como bolsistas PIBIC da UFRJ e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A doutora em Botânica pelo Museu Nacional Rubia Patzlaff, que é técnica de Laboratório de Arqueobotânica e Paisagem, também é integrante da equipe.

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