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Publicado em: 08/10/2020
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Entrevista: Ana Maria Jacó, diretora do Instituto de Psicologia da Uerj

Débora Motta

Ana Jacó-Vilela destaca a importância da saúde
mental na pandemia (Foto: Divulgação/Uerj)

A mudança brusca na rotina diante da pandemia causada pelo novo coronavírus, que obrigou boa parte da população de diversos países a cumprir um necessário isolamento social, está relacionada ao agravamento de distúrbios psicológicos, como a depressão e os transtornos de ansiedade. A saúde mental em tempos de pandemia é uma questão que vem afetando a vida acadêmica e colocando novos desafios às instituições de ensino e pesquisa, que tiveram que se adaptar rapidamente ao ensino a distância. A diretora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IP/Uerj), Ana Maria Jacó-Vilela, traça um panorama dos impactos da pandemia, à luz da Psicologia, e elenca as iniciativas que o IP vem desenvolvendo para prestar assistência à população em geral e à comunidade uerjiana, formada por alunos, professores e diversos profissionais do seu quadro de recursos humanos. Nascida em uma pequena cidade no Sul de Minas Gerais, São Gonçalo do Sapucaí, ela está à frente do IP desde 3 de março de 2020, pouco antes do início da quarentena no Rio, cidade que elegeu para residir há quase 50 anos. Ao longo de sua trajetória, Ana vem desenvolvendo vários projetos de pesquisa com o apoio da FAPERJ, por meio do programa Cientista do Nosso Estado, e também foi coordenadora da área de Psicologia na Fundação de 2012 a 2018. Ela é professora titular e pesquisadora em História da Psicologia e publicou, também com suporte da Fundação, pelo programa Auxílio à Editoração (APQ 3), alguns livros da série Clio-Psyché.

BOLETIM FAPERJ: O período de isolamento social, necessário diante da pandemia causada pelo novo coronavírus, tem sido considerado por alguns especialistas como o maior experimento psicológico da História. Houve um aumento considerável dos casos de depressão e de transtornos mentais, como os de ansiedade e compulsão, em todo o mundo. Como você avalia esse momento histórico, à luz da Psicologia?

Ana Maria Jacó-Vilela: A pandemia nos levou a um afastamento tanto físico quanto mental do contato humano e ao uso intenso e extenso de ferramentas virtuais. O confinamento implicou em falta de contatos com familiares, amigos, colegas de trabalho, toda uma gama de sociabilidade que nos constitui e nos fortalece no dia-a-dia. A falta de informações governamentais confiáveis, ou pelo menos não contraditórias, gerou (e gera) consequências psíquicas, como a ansiedade e o medo em relação à Covid. Além disto, há aqueles que eram invisíveis em nossa sociedade, os sem emprego ou trabalhadores informais, que vivem a angústia de obter um rendimento mínimo para seu sustento e de seus familiares; aqueles outros, principalmente mulheres, que convivem agora em horário integral com seus agressores; há ainda a confusão entre o “mundo do trabalho” e o “mundo da casa”, as crianças tendo aulas virtuais – e, mais uma vez, as mulheres aprendendo uma nova função, de professora. Isto tudo acompanhado pelas mortes de pessoas, próximas ou não. Afinal, temos 134 mil mortos, um número absurdo de perdas de brasileiros, principalmente pobres e negros. De muitos deles, família e amigos não puderam ou podem fazer o ritual de despedida, pelos riscos de contágio. É toda uma ambiência que não favorece a saúde mental, daí o aumento também de casos de depressão. Por isto, a importância de cuidados. 

O Instituto de Psicologia da Uerj vem desenvolvendo alguns projetos voltados ao suporte psicológico de profissionais da Saúde em geral e dos pacientes no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) no contexto da pandemia. Pode descrever brevemente esses projetos?

Um dos nossos projetos nesse sentido é o Intervenção Clínica em Situação de Crise Social. Coordenado pelo professor Luciano Elia, do Programa de Psicanálise e Políticas Públicas (curso de Mestrado Profissional), ele é resultado de uma parceria com a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, especificamente com sua Coordenação de Atenção Psicossocial. Visa atender aos profissionais de Saúde mental que atuam na Região Metropolitana do Rio Janeiro, enfrentando a situação da pandemia na ponta assistencial, por estarem cuidando diretamente de cidadãos infectados pela Covid-19, e vivenciando angústia e sentimentos diversos de impotência. Além do atendimento aos profissionais, o projeto oferece supervisão clínico-territorial à distância, através de plataformas de videoconferência, para equipes de atenção psicossocial e para profissionais de saúde mental alocados junto à Central de Atendimento, criada pela Secretaria de Estado de Saúde para atender à demanda de profissionais da área  que se situam na linha de frente da assistência a pessoas infectadas ou com forte suspeita de infecção pela Covid-19. 

Outro projeto no campo de Saúde é o PSI Covid, conduzido por residentes em Psicologia Clínico-Institucional do IP, que trabalham no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe/Uerj) como parte de sua formação, oferecendo suporte direto aos familiares dos pacientes internados com Covid,  ou providenciando encontros virtuais (por meio de celular) entre pacientes e familiares. O objetivo é aliviar as consequências negativas do distanciamento social e permitir, em casos de agravamento, a despedida e o conforto emocional no luto. Este projeto, coordenado pelo professor Vinicius Darriba, reúne também professores e estudantes da área de Psiquiatria da Uerj. A Residência em Psicologia Clínico-Institucional ainda manteve sua atuação em alguns setores do Hupe, como na Enfermaria de Pediatria e Perinatal e no Ambulatório de Atendimento a Idosos.

Temos desenvolvido ainda o projeto Morte, Luto e Psicoterapia em Tempos de Covid-19, aberto à comunidade em geral, coordenado pela professora Ana Maria Feijoo. Trata-se de uma pesquisa-ação, abrindo espaço para a escuta dos enlutados, cuidando das pessoas em sofrimento pela perda e, ao mesmo tempo, investigando como elas são afetadas pelo acontecimento.

Uma das cartilhas produzidas pelo Instituto
de 
Psicologia da Uerj (Imagem: Reprodução)

E para a comunidade externa? Vocês têm oferecido projetos de extensão para a sociedade em geral, durante a pandemia?

Partindo do isolamento social, equipes de pesquisa e extensão do IP consideraram a elaboração de cartilhas de orientação um meio ágil e atraente de fazer chegar à população informações importantes e interessantes com caráter preventivo. A primeira destas cartilhas, construída ainda no mês de março, oferecia  algumas orientações básicas sobre o cuidado em relação à saúde mental e foi feita sob demanda de um dos órgãos da Uerj, a Policlínica Piquet Carneiro (PPC), preocupado em oferecer, além de orientações sanitárias, também cuidados relativos à Saúde Mental.

Em seguida, surgiram outras, de forma que hoje contamos com oito cartilhas que estão disponíveis no site do IPno site da Uerj. O Grupo voltado ao cuidado da obesidade do Programa de Educação pelo Trabalho (PET–Saúde/Interprofissionalidade) da Uerj, uma iniciativa apoiada pelo Ministério da Saúde, na qual atua a professora Claudia Cunha, produziu uma cartilha e um informativo voltados especificamente à prevenção da obesidade ou seu agravamento em função do isolamento.

A Liga Acadêmica de Teoria Cognitivo Comportamental (TCC), coordenada pela professora Ângela Donato, criou quatro cartilhas com o intuito de auxiliar as pessoas a lidarem com sentimentos despertados pela pandemia, sinalizando recursos internos e externos que podem ser acionados para minorar os efeitos das mudanças bruscas de vida e de normalidade. São elas: “Por que me sinto assim? Compreendendo, à luz da psicologia, minhas reações à pandemia da Covid-19”, “Ansiedade em Tempos de Isolamento Social”, “Ligando filhos, pais e avós na quarentena” e “Empatia e cooperação frente à Covid-19”.

O Programa de Desenvolvimento Interpessoal para prevenção do suicídio e promoção de saúde mental no curso de vida (Prodin, 2020), coordenado pela professora Vanessa Leme, elaborou uma cartilha para adolescentes sobre como lidar com as relações interpessoais  e cuidar da saúde mental.

Em parceria com pesquisadores de outras universidades e com apoio de agências de fomento, a professora Adriana Benevides Soares produziu a cartilha “Habilidades Sociais para melhores relações interpessoais durante o enfrentamento do Covid-19”, visando apresentar estratégias de enfrentamento cotidiano para o isolamento social.

Considerando a demanda dos pais confinados com crianças em suas casas, o projeto de extensão “COMtextos: arte e livre expressão na abordagem gestáltica”, coordenado pela professora Laura Cristina de Toledo Quadros, desenvolveu, na mesma linha das cartilhas, um “Caderno de sugestões de atividades expressivas para crianças em tempos de coronavírus: a arte como recurso de expressão e organização de sentimentos”. O projeto desenvolvido pelo professor Wladimir Ferreira, junto a profissionais de Saúde, também gerou uma cartilha: "EncontrAtividade: Trabalho, Gestão e Saúde Mental".

Destacam-se ainda, entre os materiais informativos, dois vídeos. Um deles, resultado da parceria da professora Patrícia Lorena Quitério com o Programa de Pós-Graduação em Educação (ProPEd) da Uerj, é voltado para as famílias e crianças com deficiência. O outro, um subproduto da pesquisa “Vidas em movimento”, coordenado pela professora Laura Cristina de Toledo Quadros, voltado para o acolhimento a pessoas em situação de refúgio, e narrado em espanhol, intitula-se “Mira, para y respira: recursos simples para la ansiedad en la pandemia" (Projeto Vidas em Movimento, 2020).

O "GAPsi: grupos de apoio psicológico", coordenado pela professora Eleonôra Prestrelo, efetuou ações de cuidado em unidades da Uerj durante a pandemia e, em conjunto com o Centro Acadêmico Luís Carpenter, da Faculdade de Direito, realizou uma roda de conversa e uma live; já na Engenharia Elétrica, junto com um grupo estudantil, fizeram uma roda de cuidado, uma de acolhimento e participaram da VII Semana de Engenharia Elétrica.

Foram também produzidas inúmeras lives, algumas disponíveis no canal de youtube do IP. Nesse contexto, o projeto Desafios Emocionais e Relacionais da Adolescência para a Adultez Emergente (Dera), coordenado pela professora Edna Tinoco, é um dos que realizou diversas palestras online  

Por sua vez, a professora Alexandra Tsallis desenvolve o projeto Redes de Dispositivos de Regeneração Social (DRS), com o objetivo de fortalecer e ampliar a capacidade de renovação frente a desafios, como a pandemia, a partir de quatro frentes de atuação: escolas associativas, cuidados paliativos na atenção básica, grupos com pessoas negras e grupos com pessoas com deficiência visual.

O relacionamento familiar na quarentena foi
tema de outra cartilha (Imagem: Reprodução)

O Instituto de Psicologia da Uerj tem desenvolvido projetos para prestar apoio psicológico à comunidade uerjiana, de alunos, professores e servidores?

Sim, um desses projetos é o Psicologia, Presente! Coordenado pelas professoras Claudia Cunha e Laura Quadros e pelo professor Vitor Gomes, com a colaboração da professora Edna Ponciano na primeira fase, iniciou-se em 5 de abril, com a proposição de acolhimento à comunidade interna da Uerj – professores, servidores técnico-administrativos e alunos – nos moldes de um acolhimento psicológico. Foram organizadas duas equipes integradas: um Grupo de Recepção, com 25 pessoas distribuídas em regime de plantão, recebendo os pedidos de acolhimento a partir de um formulário de inscrição online e um Grupo de Voluntários, formado por psicólogos, alunos de pós-graduação, ex-alunos e professores do IP, contabilizando um total de 41 profissionais, todos devidamente registrados no Conselho Regional de Psicologia, seguindo as orientações para atuação remota. Criou-se um formulário de inscrição, com os dados presentes no formulário, pois a diversidade econômica da população atendida indicava acesso variável às redes de comunicação.

Além disso, o Núcleo de Saúde Mental da Policlínica Piquet Carneiro da Uerj ofereceu respaldo para o atendimento psiquiátrico que não configurasse emergência, sendo estes  encaminhados para outros dispositivos de assistência psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

Até o dia 30 de abril registramos 281 solicitações, uma média de 10,73 por dia, o que, somado à dificuldade de agendamento prévio, fizesse que as tentativas de contato fossem superiores ao número de solicitantes registrados: houve uma média de 16,79 tentativas de contato por dia. Até o final de abril receberam acolhimento psicológico um total de 173 pessoas, ou seja, foram atendidos 61,57% dos solicitantes.

A partir destes resultados, a Coordenação do projeto avaliou a necessidade de rever o modelo de atuação da primeira fase, construindo uma segunda fase na qual predominou a proposição de Grupos de Acolhimento Online, mantendo-se o acolhimento individual para situações específicas. Foram constituídos nove grupos, abertos, com renovação contínua. Um só para jovens mulheres; dois para estudantes de graduação e pós-graduação; dois para profissionais de Saúde; um para idosos e três grupos para o público interno em geral (grupos mistos). Realizamos mais de 150 acolhimentos até o momento. A metodologia de atuação foi sendo aperfeiçoada e, inclusive, aproveitada tanto como modelo de estágio para os estudantes de graduação durante a pandemia quanto de inspiração para novas pesquisas.

A pandemia vem sendo objeto de estudo em inúmeras pesquisas acadêmicas. Como ela vem sendo abordada nas pesquisas do IP/Uerj?

Duas pesquisas foram realizadas, com resultados já aprovados para publicação: “Fatores ligados à saúde mental entre brasileiros em quarentena por conta da Covid-19”, do professor Alberto Gonçalves, e “O impacto do evento-surto da Covid-19 na saúde mental da população do Rio de Janeiro”, do professor José Evangelista Hernandez (veja reportagem publicada anteriormente no Boletim FAPERJ sobre o trabalho de Hernandez aqui). Encontram-se em andamento outras três pesquisas: “Saúde mental, crenças, atitudes e sentimentos de idosos frente a pandemia da Covid-19”, da professora Heloísa Ferreira; “Jovens vivendo com HIV/Aids em tempos de Covid-19 - vulnerabilidade social, adesão ao tratamento e adoecimento psíquico”, da professora Claudia Cunha; e a pesquisa transcultural “Adaptação Social sob estresse, durante Covid-19”, vinculada à Russian State University for the Humanities (RSS), da qual a professora Edna Ponciano faz parte. Tais pesquisas já apresentam resultados iniciais, sendo, inclusive, consideradas referência no meio acadêmico e na mídia que veicula informações baseadas na ciência.

Quais foram os principais desafios para manter as atividades do Instituto de Psicologia durante a pandemia, que passaram a ser realizadas no mundo virtual?

Na primeira semana do semestre letivo de 2020, iniciado em 9 de março, a Reitoria da Uerj comunicou a suspensão das atividades acadêmicas, tendo em vista o risco de contágio pelo novo coronavírus. Acompanhávamos as notícias do que estava ocorrendo em outros lugares e ficamos estarrecidos com os pronunciamentos governamentais em desalinho com as práticas de cuidado. A primeira reação foi de estupor, quase paralisia. O que e como fazer para mantermos nossas atividades acadêmicas de ensino e pesquisa, bem como as extensionistas, com tudo sendo feito em casa, sem o contato com os colegas, sem o auxílio dos funcionários, sem o alento dos alunos? O mundo virtual, mesmo para aqueles que frequentavam redes e tinham as “habilidades básicas” para o manuseio do computador e da internet, parecia muito assustador quando toda a vida de trabalho – e o contato com os amigos, com a família – deveria transcorrer de forma longínqua e solitária. Mas, rapidamente, começamos a resistir – o que é um lema da Uerj, visto os inúmeros ataques que sofre, dentro do espírito de extinção da educação pública. Neste processo de resistência, mobilizamos discentes, docentes, pessoal técnico e administrativo e inventamos modos de seguir fazendo o que sabemos fazer, e fazemos com qualidade: pesquisa, educação em seu sentido amplo e acolhimento àqueles em sofrimento psíquico.

E quais são os desafios agora, nesse período de retorno às aulas na modalidade de ensino a distância, que teve início no dia 14 de setembro?

As atividades envolvem equipes de docentes, discentes e técnicos que, ao realizarem tais ações, também encontraram suas próprias forças de resistência para o enfrentamento das consequências do distanciamento social. Trabalhar em equipe de forma remota é, ao mesmo tempo, desafiador e confortador, visto que se constitui num movimento reflexivo de cuidado e um esforço coletivo em prol de algo maior no qual mobilizar, inventar e intervir tornam-se modos de enfrentar e atualizar nossas práticas na universidade. Durante seis meses – um tempo intenso, porém exíguo – conseguimos nos articular para reafirmar a missão da universidade no enfrentamento de adversidades, em busca da produção de um conhecimento que beneficie a população e da formação de psicólogos críticos e comprometidos. Nesse sentido, temos uma oportunidade de desenvolver novos conhecimentos diante desse desafio e, ao nosso ver, isso é fazer ciência.

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