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Publicado em: 21/05/2020
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Pesquisadoras temem que pandemia acentue diferenças de gênero na ciência

Juliana Passos

Mães e pesquisadoras: o Parent in Science foi fundado em 2017 por
Fernanda Staniscuaski, professora 
na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)
(Fotos e montagem: Divulgação) 

Um grupo de pesquisadoras de instituições brasileiras publicou, no dia 15 de maio, uma carta na revista Science que faz um alerta sobre os impactos da pandemia na carreira acadêmica das mulheres. De acordo com o documento, a disseminação da Covid-19 afetou, principalmente, as pesquisadoras que são mães e que, em geral, são também as principais responsáveis pelo gerenciamento da casa, dos cuidados com os idosos e crianças. As autoras e um autor fazem parte do movimento “Parent in Science”. Entre as 14 pesquisadoras que assinam a carta, duas delas estão vinculadas a instituições fluminenses, Eugenia Zandonà, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e Letícia de Oliveira, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Tanto Letícia quanto Eugenia passaram a desenvolver projetos relacionados a gênero e ciência por incentivo de suas orientadoras. A primeira participa de um projeto de extensão para discutir o viés implícito de gênero na academia que tem participação da pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eliane Volchan, que a orientou no doutorado, além de outras professoras da UFF e UFRJ. “A Eliane nos inspirou a estudar esta temática”, diz a pesquisadora. Por conta dessa iniciativa, Letícia participou dos simpósios sobre Maternidade e Ciência organizados pelo movimento “Parent in Science”, e acabou sendo convidada a integrá-lo. Foi ainda convidada pela reitoria da UFF para coordenar o grupo de trabalho “Mulheres na Ciência”, e ingressou em um grupo de trabalho sobre o tema na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “No estudo do ‘Parent in Science’ de 2018, metade das mulheres disseram não contar com ajuda ou apoio no cuidado com os filhos. Agora, nosso levantamento preliminar sobre trabalho da quarentena, aponta que apenas 10% das mães na pós-graduação estão conseguindo trabalhar na quarentena, contra 17% dos pais. Para os docentes nas universidades, os dados também estão preocupantes, mas ainda não finalizamos a coleta”, comenta a neurocientista. Pesquisadora honorária na University College London, ela recebe apoio da FAPERJ para a realização de suas pesquisas por meio do programa Cientista do Nosso Estado.

Doutora pela Drexel University, nos Estados Unidos, Eugenia adotou o hábito de sua orientadora Susan Kilham de verificar o percentual de mulheres entre os palestrantes principais em congressos e entrar em contato com o comitê científico quando esse número não alcançasse os 50%. “O que geralmente não ocorria”, relembra a pesquisadora da Uerj. Quando fez seu primeiro contato com um comitê científico, ela acabou convidada a coordenar uma mesa sobre o tema e passou a mapear a questão de gênero em sua área de atuação, a Ecologia. “Um resultado importante, que confirma dados encontrados em outros lugares do mundo, é que observamos uma perda de mulheres ao longo da carreira acadêmica. Na graduação e na pós-graduação, temos porcentagem alta de alunas, acima de 50%. Mas entre as docentes vai a 30%, e, se olharmos para quem progride dentro da carreira ou tem cargo de gestão, a porcentagem cai ainda mais”, diz a pesquisadora, contemplada em outro programa de fomento à pesquisa da FAPERJ, Jovem Cientista do Nosso Estado, e que também já recebeu apoio da Fundação por meio do edital Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro. Ao apresentar estes dados no congresso do “Parent in Science”, Eugenia foi convidada a participar do grupo.

O viés de gênero ao longo da carreira acadêmica também se reflete no número de bolsas e financiamentos recebidos pelas mulheres. Nos dados obtidos pela ecóloga, o número de mulheres que submetem projetos é expressivamente menor que os homens, mas ainda assim, as propostas das mulheres são rejeitadas numa proporção maior do que os projetos assinados por homens.

Esses são os motivos que levaram as pesquisadoras a demandarem algumas mudanças na avaliação por parte das agências de fomento. A primeira delas é aumentar o tempo de análise dos currículos para mulheres que são mães, uma vez que há uma pausa na produtividade durante a licença, além do aumento das responsabilidades. Se o edital prevê que a análise da produtividade se dará nos últimos cinco anos, as mães deveriam ter um prazo maior. Essa regra já é aplicada nos editais Cientista do Nosso Estado e Jovem Cientista do Nosso Estado, após proposta levada à FAPERJ por Letícia Oliveira, que é coordenadora na área de Biológicas na Fundação. Outras demandas são o adiamento dos prazos previstos para editais no período de pandemia, a criação de auxílio para as mães ou para os congressos criarem espaços de recreação, editais de fomento específicos para cientistas mães e a inclusão da maternidade dentro do Currículo Lattes, algo prometido, mas que ainda não foi efetivado por parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

As pesquisadoras explicam que não se trata de opor a maternidade e carreira acadêmica, mas enfatizar a necessidade de apoio diante da sobrecarga colocada sobre as mulheres. “Às vezes parece que a gente está dizendo que ser mãe é um obstáculo para a carreira das mulheres. Não é isso. O que é um obstáculo é a falta de políticas de apoio”, diz Letícia. Em constante contato com pesquisadoras de universidades nos EUA, com as quais mantêm colaboração, Eugenia conta a dificuldade que suas colegas passam por não terem licença maternidade remunerada e as universidades não oferecerem um substituto para as aulas. “Além de poucas terem condições de ficar sem trabalhar por alguns meses, a ausência da mulher sobrecarrega os demais colegas que passam a assumir estas aulas”, explica. No Brasil, a possibilidade de contratação de docentes substitutos contribui para a segurança no afastamento, mas de acordo com as pesquisadoras, seria importante ter também recursos para a contratação de pesquisadores substitutos.

Letícia e Eugenia enfatizam que mesmo contando com maridos e colegas
compreensivos, as mães precisam de apoio das agências de 
fomento para
equilibrar as chances de financiamento
(Fotos: Arquivos pessoais)

As duas dizem ter sorte por contarem com maridos que dividem com elas as tarefas domésticas e por terem colegas de trabalho compreensivos. “Para mim, ser mãe é um papel muito importante, mas as instituições não ajudam muito a conciliar essas duas atividades. Ainda que tenha conseguido tirar nove meses de licença maternidade na Uerj, são nove meses longe do laboratório em uma área que a pesquisa é quase toda no campo, e sem poder participar dos congressos, espaço muito importante de troca. O que contribui bastante para a produtividade não despencar completamente é ter um marido que divide as tarefas e compartilhar o laboratório com um pesquisador - Timothy Moulton - que me auxiliou no trabalho de orientação dos alunos enquanto estava de licença”, conta Eugenia.

“Meu caso foi atípico, porque fui mãe já professora, e por ter um marido com quem divido as tarefas e, pelo que a gente conversa, isso é ainda raro. No meu grupo de pesquisa, somos basicamente mulheres mães que se apoiam e trabalham juntas. E isso foi fundamental, pois uma apoia a outra e sabe as dificuldades. Se não fosse esse grupo, eu não teria sobrevivido academicamente”, diz Letícia.

Para o único representante masculino dentro do “Parent in Science”, Felipe Ricachenevsky, pesquisador na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ainda que as tarefas sejam divididas de forma igual, o peso das responsabilidades é diferente. “No mundo perfeito, a divisão seria igual entre nós dois, incluindo o cansaço. Mas a realidade se impôs, e eu percebi porque eu era, de nós dois, o que sempre estaria com a menor carga: porque espera-se pouco de mim. Mesmo que nós dois equilibrássemos a balança, eu sempre estaria em vantagem. Porque o pai não tem como errar”, escreveu em texto publicado no site do Instituto Serrapilheira. Eugenia acrescenta: “Enquanto ser pai é visto como uma qualidade para processos seletivos para os homens, para as mulheres é visto como negativo. Existe essa imagem de que a mulher não só consegue, mas deve fazer tudo. Não devemos necessariamente ser super-heroínas. Somos cientistas e precisamos de apoio”, diz.

Sobre a família das duas pesquisadoras, Letícia é mãe da Sofia, de 15 anos, e como pesquisadora se dedica a entender como o cérebro processa as emoções. Além disto, tem estudado como biomarcadores cerebrais podem indicar vulnerabilidade ao desenvolvimento de transtornos mentais especialmente aplicando machine learning (sub-área da inteligência artificial) em exames de neuroimagem funcional. Mais recentemente, está coordenando um projeto que estuda o impacto da Covid-19 na saúde mental dos trabalhadores em ambiente hospitalar. Já Eugenia é mãe de duas meninas, Olga com cinco e Anita com dois anos e meio. Ela se dedica a estudar como os organismos que vivem nos riachos regulam os processos ecológicos desses cursos d’água e como ações humanas, como desmatamento e introdução de espécies invasoras, alteram esses ecossistemas. Por exemplo, a espécie de peixe Poecilia reticulata, conhecido como barrigudinho, utilizada para combater mosquitos como o Aedes aegypti, é uma espécie invasora e altera muito a biodiversidade aquática, e é importante encontrar uma alternativa nativa para substituí-lo. Seu grupo de pesquisa também iniciou um trabalho com árvores isoladas de grande porte e sua importância na manutenção de processos ecossistêmicos e da biodiversidade em áreas de pastagens, especialmente dos sapos, fundamentais no controle de pragas.

Para melhor compreender o impacto na pandemia na produtividade das mães e pais durante a pandemia, o "Parent in Science" está recrutando respondentes para sua pesquisa. Podem participar pesquisadores com ou sem filhos, homens e mulheres. Os formulários estão aqui

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