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Publicado em: 19/11/2018 | Atualizado em: 22/11/2018
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Você realmente sabe o que come?*

Danielle Kiffer

A doutoranda Laura (esq.) e a nutricionista
Isabel: estudo avaliou a reação das pessoas
diante de imagens de alimentos
ultraprocessados (Foto: Divulgação/UFF) 

“Você é o que você come”. Essa máxima, bem antiga, continua viva na medida em que camadas cada vez mais amplas da população parecem se preocupar com a alimentação e suas consequências não apenas para a saúde, mas também para a estética. Entretanto, na era dos alimentos industrializados, fica a pergunta: será que você enxerga realmente o que come? A pesquisadora, nutricionista e doutora em Fisiologia Isabel de Paula Antunes David, do Laboratório de Neurofisiologia do Comportamento (Labnec), localizado no Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF), conta que somos levados a acreditar que muitos produtos, principalmente os industrializados, tendem a ser mais saudáveis do que realmente são.

Como exemplo, ela cita alguns produtos classificados como “zero gordura trans”, “sem colesterol”, “zero açúcar”, “mais fibras", vendidos em mercados e em propagandas. Vistos por muitos como uma opção saudável, eles, em alguns casos, não deveriam ser avaliados dessa forma pelos consumidores. De acordo com Isabel, o que vendem as embalagens e comerciais nem sempre corresponde à realidade. “Somos ludibriados por aquilo que não enxergamos. Um exemplo são os produtos ultraprocessados, que eliminam as pistas que nos modulam automaticamente a enxergar o que um alimento é. Quando há a opção de comer uma feijoada caseira, você está ciente de que irá ingerir um grande número de calorias e gorduras, já que você está vendo a gordura propriamente dita. Entretanto, no caso de biscoito industrializado vendido como “mais fibras”, as gorduras saturadas e tampouco os produtos utilizados na sua composição, não são tão visíveis – e eles podem ser tão ou mais gordurosos do que uma feijoada. As informações nutricionais reais estão presentes apenas em números e palavras nem sempre de fácil compreensão, escritas em letras minúsculas em uma tabela na parte de trás da embalagem, enquanto a parte da frente vende um produto ‘maravilhoso’ para a saúde, que não é sempre o caso”, diz.

Em sua pesquisa, Isabel, que é Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, investiga as respostas emocionais dos consumidores ao visualizarem alimentos ultraprocessados e se informações mais claras e fáceis de entender sobre o conteúdo nutricional destes produtos poderiam reduzir esta reação. Para essa investigação, conta com a colaboração de uma rede de pesquisa multidisciplinar, composta por neurofisiologistas, psicólogos e profissionais com expertise em saúde pública e marketing de várias universidades sediadas no estado do Rio de Janeiro, entre elas, UFF, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), UFRJ-Campus Macaé e Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Universidade de Granada, na Espanha.

No estudo realizado por Isabel e sua equipe de pesquisa, foram mostradas várias imagens de alimentos ultraprocessados para um grupo de pessoas, juntamente com outras de um banco de imagens internacional, padronizado, contendo famílias e bebês, violência, romance, conteúdo erótico, corpos mutilados, dentre outros conteúdos emocionais. As imagens, explica Isabel, serviam de base de comparação e controle para o julgamento das imagens de alimentos. As pessoas, então, julgavam cada imagem de acordo com o quanto a achavam prazerosa ou desprazerosa, e o quanto se sentiam ativados ou desativados ao visualizarem a imagem. “Essa é uma metodologia padrão para entendermos a emoção dos indivíduos frente a essas imagens por meio de escalas psicométricas que medem duas dimensões da emoção, que são o prazer hedônico e a ativação emocional”, prossegue Isabel. Uma das reações majoritárias no experimento que mais chamaram a atenção da pesquisadora foi a reação extrema de prazer e ativação evocada pelas imagens de alimentos ultraprocessados. “Imagens de alimentos ativam de maneira inata o sistema apetitivo. Assim que nascemos, somos programados para gostar do doce e rejeitar o amargo, mas podemos mudar isto com a introdução de bons hábitos alimentares à medida que crescemos”, conta. De acordo com a fisiologista, por isso, os produtos ultraprocessados, como refrigerantes, balas, macarrão instantâneo, biscoitos e batatas industrializados e outras guloseimas, foram criados para acionar ao máximo o sistema apetitivo das pessoas. “Eles têm textura, cor, sabor, crocância, de uma forma que quase não existe naturalmente, e não é possível reproduzir uma batata frita em casa naqueles moldes. Por isso, é tão difícil resistir ao seu apelo, pois são fabricados para que sejam perfeitos ao paladar e aos sentidos de cada um, além de serem ainda mais realçados com a ajuda da propaganda”, acrescenta.

Em outro estudo, antes da apresentação de cada imagem de um alimento industrializado, eram apresentadas frases de advertência como “este produto contém muito açúcar e, se consumido em grande quantidade, aumenta o risco de obesidade e cárie dentária.” A pesquisadora e o grupo avaliaram novamente o prazer e a ativação emocional evocados após a apresentação de cada imagem de alimento ultraprocessado. A reatividade emocional foi menor quando as frases de advertência antecediam as imagens de alimentos, como no caso de informações, por exemplo, sobre formas de armazenamento do produto. “Esse resultado foi importante, pois mostrou que o uso de texto de advertência pode ser uma ferramenta de política pública para conter a poderosa influência de alimentos ultraprocessados. Tendo em vista a epidemia mundial da obesidade, a regulação destes produtos tem estado na pauta dos debates, incluindo a América Latina. O Brasil, ao lado de outros países, já discute a adoção de um sistema de rotulagem em formato de texto que alerta os consumidores sobre o excesso de ingredientes insalubres nos produtos”, comenta.

Isabel ressalta a importância da classificação dos alimentos com base no nível de processamento industrial por que passam e não somente pelo seu valor nutricional, como recomendado no Guia Alimentar para a População Brasileira, publicação do Ministério da Saúde. O consumo de alimentos ultraprocessados, de acordo com Isabel, pode estar associado a doenças crônicas, que vão muito além da obesidade. “A ingestão desses produtos já está relacionada à maior incidência de câncer, cardiopatias, diabetes e a outras doenças crônicas”, alerta.

* Reportagem originalmente publicada na revista Rio Pesquisa Nº 43 (agosto de 2018)

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