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Publicado em: 03/09/2015
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Pesquisa estuda tomada de decisão financeira no Complexo da Maré

Débora Motta

Vista aérea do Complexo da Maré: oferta de produtos
microfinanceiros para os moradores ainda tem grande
potencial de expansão (Foto: Voz das Comunidades)

Nem sempre a taxa de juros, prazo de pagamento e garantias são os fatores determinantes para a decisão sobre um empréstimo. Questões de natureza psicológica, como as emoções geradas no momento da escolha, são, muitas vezes, fundamentais. Para investigar esse tema, o professor Rafael Goldszmidt, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), coordena, em parceria com o Observatório de Favelas, um estudo sobre o processo de tomada de decisões financeiras dos moradores do Complexo da Maré, no contexto das microfinanças – o fornecimento de empréstimos, poupanças e outros serviços financeiros especializados para microempreendedores e pessoas de baixa renda. “A escolha da Maré como objeto de estudo foi motivada pela presença de um amplo público que pode se beneficiar do uso de produtos microfinanceiros, pela heterogeneidade da população local e pela possibilidade de compreender a favela além de uma visão estereotipada e estigmatizada”, justificou Goldszmidt.

Nos últimos anos, o Brasil observou a ascensão da classe C e o aumento do poder de compra do consumidor de baixa renda. “Desde 1990, o governo federal tem implantado políticas para aumentar os canais de acesso a serviços financeiros e criar instrumentos para uma melhor adequação dos serviços aos segmentos de menor renda. Exemplos disso são o desenvolvimento de correspondentes bancários e a oferta de microcrédito”, contextualizou o pesquisador, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV.

Apesar da existência de grandes instituições que oferecem produtos microfinanceiros no Brasil, tanto públicas quanto privadas, a penetração no mercado brasileiro de microfinanças ainda tem um grande potencial de expansão. “Existem poucos bancos instalados nas favelas, onde geralmente essa rede institucional não é tão ampla. Por outro lado, há programas de microcrédito produtivo com agentes visitando microempreendedores em seus negócios”, destacou Goldszmidt. No entanto, mesmo quando os produtos financeiros são ofertados, o fator psicológico pode ser um entrave à sua aquisição. “Questões relativas à impaciência, como o foco no presente, o atendimento e a confiança podem inibir o uso destes produtos financeiros, mesmo quando disponíveis”, disse.

A importância do fator psicológico tem sido percebida em entrevistas que vêm sendo realizadas pela equipe de pesquisadores in loco, na Maré. “Há a hipótese da existência de um desconforto causado pelo ambiente do banco. É como se a formalidade dessas instituições causasse uma sensação de que aquele lugar não é feito para eles e afastasse esses clientes em potencial. O possível efeito da necessidade de passar por revistas de seguranças e especialmente pela porta giratória é um dos pontos de interesse do estudo”, contou.

Assim, muitos acabam optando por alternativas semiformais ou informais, frequentemente em condições menos favoráveis do que as formais. “É comum a preferência por empréstimos com pessoas conhecidas, como amigos ou familiares, ou o cultivo do hábito de guardar as economias debaixo do colchão, em vez de buscar alternativas de poupança e financiamento em instituições de crédito tradicionais”, disse. “A simpatia no atendimento se mostrou nos primeiros resultados como um fator muito importante para a escolha de um banco ou mesmo pela opção de não recorrer ao banco. Há questões estritamente monetárias e questões de natureza comportamental envolvidas.”

A subjetividade das tomadas de decisão financeiras é exemplificada no caso de uma pequena empreendedora ouvida pelos pesquisadores, dona de um carrinho de lanches. “Para pagar o valor mensal da prestação de um microcrédito, que fechou em um banco com o objetivo de comprar matéria-prima, ela coloca todo dia uma certa quantia de dinheiro num pote de maionese. Tem também uma poupança para comprar uma casa, na qual ela não mexe de modo algum, preferindo comprar uma geladeira a prazo em uma loja popular, pagando juros mais elevados do que se pagasse à vista, só para não sacar suas reservas. Afinal, mexer na poupança geraria um custo psicológico muito alto. Esta escolha não é a melhor de uma perspectiva puramente econômica, mas protege a poupança. Este fenômeno é conhecido como contabilidade mental – em que o dinheiro é dividido em partes com ‘nomes’ e regras de uso diferentes”, contou. “Assim, entender como as pessoas pensam e tomam decisões pode ajudar no lançamento de produtos financeiros mais eficientes. Oferecer produtos com o nome Poupança Casa poderia, por exemplo, ser um diferencial para as instituições bancárias”, ponderou.

O estudo está na fase inicial, com a realização de pesquisa qualitativa e experimentos no laboratório de informática, localizado na sede do Observatório de Favelas, na Nova Holanda – uma das 16 favelas que compõem o Complexo na Maré, situado entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, na Zona Norte do Rio. Nos experimentos, os moradores são apresentados a situações hipotéticas de tomada de decisão e, com base nas escolhas  observadas, se busca entender o processo decisório. Cerca de 250 pessoas já participaram do projeto, que começou a ser implementado em 2014. Ainda será realizada a etapa de levantamento amostral com moradores.

“Os moradores da Maré são muito heterogêneos. Ao contrário do que uma visão estereotipada pode afirmar, existem, por exemplo, muitas pessoas com nível educacional elevado. De acordo com levantamento amostral feito em 2014 pela Redes da Maré, 0,1% dos moradores com mais de 16 anos têm nível de pós-graduação, 1,8% de graduação e 30% de ensino médio, frente a 29,4% com os anos fundamentais completos e 2,3% não alfabetizados”, ressaltou. “Também percebemos que não há na Maré, em geral, uma cultura de poupar e investir, assim como não há em outros lugares no País. Muitas vezes, preferimos ter as coisas hoje do que investir no futuro”, observou.

Para Goldszmidt, as expectativas são de gerar dados que possam nortear o aprimoramento de políticas públicas no setor. “A compreensão do comportamento e do processo de tomada de decisão de clientes de microfinanças pode apoiar o desenho de produtos que sejam melhor aceitos e que incentivem uma gestão de finanças pessoais e de microempreendimentos mais eficiente”, destacou. “Os bancos ou os gestores públicos que estão pensando em uma política microfinanceira, incluindo o fomento à poupança, nem sempre têm informações claras sobre o comportamento do cliente em conta”, concluiu.

Ao lado do coordenador do projeto, a equipe inclui professores doutores com especialidades em diferentes campos que serão tratados na pesquisa: Políticas Públicas e Contexto do Complexo de Favelas da Maré (Jailson Souza e Silva, da Universidade Federal Fluminense – UFF e do Observatório de Favelas), Comportamento e Experimentos Comportamentais em Laboratório (Eduardo Andrade e Filipe Sobral, ambos da Ebape/FGV); Microfinanças (Lauro Gonzalez, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo - Eaesp/FGV); Políticas Públicas (Cesar Zucco Jr., da Ebape/FGV); Administração Pública (Alketa Peci, da Ebape/FGV); além de três doutorandos e um mestrando da FGV-Ebape e duas alunas de graduação da UFF.

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