Vilma Homero
Um livro que fala sobre a influência da oralidade africana na música do Rio de Janeiro |
A escolha do tema – samba e partido-alto – nasceu de múltiplas inspirações. Espécie de desafio poético, em que os partideiros se enfrentam para ver quem versa melhor, quem improvisa melhor, o partido-alto continua bastante difundido pelos subúrbios e morros cariocas. "Sua estrutura de cantos de improviso em resposta a um estribilho mantém uma característica herdada dos cantos tradicionais africanos, ouvidos no Brasil desde o século XVI", explica a pesquisadora. Foi o que particularmente chamou a atenção de Denise. "Na história cultural do Rio de Janeiro, ele evoca a paisagem sonora africana, por muitos considerada sem lógica e sem arte, por nunca ter sido vista como música que tenha recebido influência europeia e por isso continua sendo encarada de forma folclorizada, como algo sem qualidade", afirma Denise. E acrescenta: "Trata-se de um estudo sobre os cantos e as vozes do Rio de Janeiro, vozes que não se deixaram aprisionar. E também sobre curimba, que tanto quer dizer cantar, cantar para os ancestrais, quanto a própria música. Enquanto em Salvador, a manutenção das práticas africanas se deu pelas conversas com os orixás do candomblé, no Rio de Janeiro, as formas analógicas fizeram essa ancestralidade se manifestar nos territórios sagrados do samba. Por isso, considero samba e partido-alto as curimbas do Rio de Janeiro."
Assunto de sua tese de doutorado na Pontifícia Universidade de Católica de São Paulo (PUC-SP), antes de ser publicado com recursos do programa de Auxílio à Editoração (APQ 3), o tema suscitou várias indagações: como discutir o processo de criação musical, como e onde se aprendia a versar, e como, mesmo longe da indústria fonográfica, o partido-alto continua firme e forte nos quintais das comunidades cariocas?
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Denise Barata, clarinetista e pesquisadora: um olhar diferente sobre o samba e o partido-alto |
Foi assim que Denise frequentou fundos de quintal e terreiros, teve longas conversas informais com os partideiros e também cantou, tocou – é clarinetista – e dançou em muitas festas. Nascida e criada em Bento Ribeiro, filha de mãe judia e pai negro, músico e pai de santo, a própria Denise é um exemplo do que fala: "Na minha visão, essas culturas não se misturam, mas coexistem, formando uma identidade fluida, móvel."
Visão que segue na contramão de um conhecimento que persiste no Brasil quando o assunto é a diáspora africana. "Sempre pensei a música como conhecimento. Também queria discutir o conhecimento que se faz no Brasil sobre a diáspora africana, fundamentado num olhar hegemônico, ocidental, uma forma de pensar que acha que conhece mais o outro do que ele próprio, que diz ao outro quem e o que ele é, a partir de um padrão europeu, excludente. O que vale tanto para a estética quanto para a música." Queria explorar um outro tipo de conhecimento que se constrói no Brasil a partir da diáspora africana. Um conhecimento que não se dá por conceitos, mas por símbolos, pela experiência e a partir de um processo de iniciação.
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Ao lado do compositor Monarco, Denise se apresenta cantando no Pagode do Trem |
Para a pesquisadora, o trabalho permanece inconcluso. "Talvez porque não queira terminá-lo, em função do prazer que experimentei ao produzi-lo. É uma beleza que os ideólogos da construção de um projeto de identidade nacional na música popular rejeitam e tentam esquecer. Apesar disso, ainda hoje, os partideiros tentam fazer de seus gestos e de suas vozes negras e suburbanas a concretização de sua própria memória."
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