Uma troca em que todos ganham

Vilma Homero / Rio Pesquisa - Ano 11 - nº 41 - Dezembro de 2017

Não é só a ida de pesquisadores ao exterior que traz benefícios para a pesquisa brasileira. Na mão inversa, a presença de cientistas estrangeiros por aqui é igualmente valiosa para as instituições que os recebem

Estudantes de “doutorado sanduíche” costumam destacar a riqueza de vivências dos meses que passam estudando no exterior. Não apenas por ver deslanchar o projeto desenvolvido, mas também pela experiência pessoal de viver num país diferente, conhecendo uma outra cultura. Mas, por melhor que seja, esse ganho em vivência fica circunscrito apenas àquele feliz indivíduo. No caso do “doutorado sanduíche reverso” – que financia, no sentido inverso, a vinda de pesquisadores estrangeiros ao País –, a história é diferente. Pode-se estender os benefícios a todos os que trabalham no laboratório e no departamento que recebe um pesquisador de fora.


Foi exatamente o que aconteceu com o grupo do Laboratório de Magnetismo Molecular (MagMol), do Instituto de Química da Universidade Federal Fluminense (UFF), em que a professora Maria das Graças Fialho Vaz trabalha na síntese de novos materiais moleculares, particularmente aqueles que tenham propriedades magnéticas ou óticas. O estudo é desenvolvido em várias etapas, sendo preciso sintetizar as moléculas, caracterizá-las e investigar as suas propriedades. Estas etapas envolvem, principalmente, a determinação de estrutura cristalina por difração de raios X, realização de medidas magnéticas e o uso de modelagem molecular para auxiliar no entendimento das propriedades.


“Na vida moderna, o uso de aparelhos que exigem componentes cada vez menores para armazenamento de informação, como os celulares, tornou-se corriqueiro. Para isso é preciso combinar conhecimento de diferentes áreas”, explica Maria. Um trabalho que conta com a colaboração de pesquisadores da UFF, como o químico Guilherme Guedes e o físico Stephane Soriano, e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como é o caso de químico Rafael Cassaro e físico Miguel Novak.


O fato é que seja no encontro em conferências internacionais, ou na publicação e leitura de artigos em revistas especializadas, os pesquisadores tanto divulgam seus resultados quanto tomam contato com trabalhos que estejam sendo desenvolvidos em seu campo de estudo.


Ao começar uma nova linha de pesquisa em sistemas heterometálicos – que unem dois ou mais tipos de íons metálicos –, o trabalho do grupo MagMol despertou o interesse do professor romeno Marius Andruh, orientador do doutorando Andrei Patrascu, que desenvolve estudos na mesma linha.


“Como a equipe do professor Andruh tem uma vasta experiência em magnetismo molecular, logo pensamos em aliar a experiência de seu laboratório na síntese de sistemas magnéticos moleculares heterometálicos à nossa expertise na síntese de compostos magnéticos moleculares contendo radicais orgânicos”, conta Maria. Como ela explica, os compostos obtidos poderão apresentar uma grande variedade de propriedades. “Isso significa que os nanomagnetos moleculares resultantes são potenciais candidatos a serem usados como unidades de memória magnética, na computação quântica e na eletrônica molecular”, acrescenta.


A vinda do romeno Patrascu ao Brasil, em 2015, se tornou possível por meio de uma bolsa “sanduíche reverso”, da FAPERJ, e rendeu frutos para as equipes dos dois países. “Fizemos novos ligantes e complexos, usando as diferentes estratégias empregadas pelos dois laboratórios”, relata a pesquisadora, enfatizando que foi uma troca de experiências que se manteve mesmo depois da conclusão do estágio do estudante no Brasil. “Agora, estamos estudando, aqui no laboratório, vários compostos frutos dessa colaboração com o grupo romeno”, entusiasma-se. Por seu lado, o doutorando romeno acabou mudando um dos aspectos de sua pesquisa a partir da estada aqui. “O trabalho dele ganhou um novo fôlego, desabrochou”, atesta Maria.


No caso do italiano Matteo Briganti, sua vinda foi resultado de um encontro científico no exterior. “Em uma visita à italiana Università degli Studi di Firenze, em Florença, em julho de 2014, encontrei o professor italiano Federico Totti. Conversando sobre nossos projetos, ele falou de um de seus orientandos, interessado em conhecer o nosso trabalho”, conta a pesquisadora. A conversa evoluiu e os estudos da tese de doutorado do italiano ficaram então voltados para cálculos computacionais e modelagem de sistemas magnéticos moleculares sintetizados no MagMol, antes e depois da deposição em superfícies.


Segundo Maria, isso equivale a interpretar e tentar prever o que pode acontecer a um determinado sistema de moléculas quando elas interagem com uma interface de natureza diferente, como o grafeno e o ouro. “Essa análise é de suma importância para o desenvolvimento de novos materiais. Isso porque, para desenvolver um dispositivo eletrônico, as moléculas precisam estar acessíveis e controláveis, ao ser colocadas sobre um suporte. A análise teórica pode nos ajudar a entender como elas interagem com as superfícies, para interpretar racionalmente os dados experimentais e orientar a síntese de novos sistemas.”


Mas esse tipo de estudo, ressalta a pesquisadora, não é simples devido ao grande número de átomos que constituem essas moléculas. “Como isso exige recursos computacionais de alto desempenho, foi apresentado, e aprovado, um projeto para o uso do novo supercomputador brasileiro Santos Dumont, no Laboratório Nacional de Computação Científica [LNCC]”, diz Maria. A aprovação deste projeto foi muito importante para o trabalho de Matteo Briganti, que se tornou estudante de doutorado em cotutela, do programa de pós-graduação em Química da UFF, que recentemente recebeu nota 6 na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).


Tudo isso mostra, de forma bastante clara, que apesar da crescente dificuldade de se fazer ciência no Brasil, os resultados de projetos em andamento têm mostrado que o que aqui se faz em nada fica devendo ao que é desenvolvido no exterior. “O que se percebe é que, com a publicação em revistas científicas de alto fator de impacto, como o artigo que recentemente envolveu os resultados dos estudantes Patrascu e Briganti na revista Chemical Communications (2017,53, 6504-6507), o nosso trabalho e o de muitos pesquisadores brasileiros têm despertado interesse da comunidade internacional”, fala Maria. A troca de experiências em encontros e conferências internacionais também tem tido o mesmo efeito. Muitos acabam resultando na colaboração entre laboratórios que estão desenvolvendo projetos no mesmo campo ou que fazem estudos complementares. “Temos recebido contatos de pesquisadores de diversos países, interessados nos trabalhos que estamos desenvolvendo.


As bolsas de “doutorado sanduíche reverso” são exemplo de uma excelente forma de investir na internacionalização. “O interesse de tantos pesquisadores estrangeiros é mais uma prova de que as universidades brasileiras conseguem fazer ciência de qualidade. Embora tenhamos que brigar por melhores condições de pesquisa, é incrível o que conseguimos fazer com os investimentos que recebemos nos últimos anos”, enfatiza a pesquisadora.


Como conta a professora, depois de um doutoramento na França, o pós-doutorando moldavo Sergiu Calancea se assustou um pouco ao chegar ao Rio de Janeiro e se confrontar com uma estrutura tão diferente daquela do laboratório onde havia realizado seu doutorado. Meses mais tarde, no entanto, estava inteiramente adaptado. E, ao final da estada, confessou ter sido seu período de melhor aprendizado. E explicou o motivo, admitindo que as dificuldades encontradas forçavam o pesquisador a buscar outras soluções, a pensar “fora da caixa”. Além disso, comentou também que a forte interação dentro do grupo foi fundamental para seu aprendizado. “Precisamos de recursos, mas ser criativo é essencial para se fazer ciência”, resume Maria.


Mas se para os estrangeiros, houve um ganho indiscutível, como constatou a pesquisadora em 2017 durante a Conferência Europeia de Magnetismo Molecular – onde os doutorandos Patrascu e Briganti apresentaram resultados do trabalho feito em colaboração com o laboratório da UFF –, qual seria a vantagem para a equipe brasileira? Como Maria responde, o ganho também é enorme. “É um casamento perfeito.”


Ela explica por quê. “Receber doutorandos que estudaram de forma diferente, com programas de cursos diferentes, é também conhecer a experiência que eles trazem de seu grupo de origem”, fala a pesquisadora. Até mesmo a barreira inicial do idioma termina se transformando em mais um aprendizado. “Como todos têm que se comunicar numa língua diferente, o inglês era o idioma corrente. Para os estudantes do nosso laboratório, a princípio isso foi difícil. Por serem obrigados a se expressar em inglês, isso fez com que perdessem o constrangimento. Aos poucos, foram ganhando desenvoltura e a maioria, no final, acabou superando essa barreira”, anima-se a pesquisadora.


E a convivência trouxe não apenas a troca de conhecimento científico para ambos os lados, mas também uma enorme riqueza cultural. “Houve uma enorme troca sobre aspectos da pesquisa, seja no modo de fazer, na metodologia de síntese, na interpretação dos resultados e até na redação dos trabalhos para publicação. E o fato de estarmos pesquisando os compostos desenvolvidos pelo grupo do professor Andruh também só tem a acrescentar ao nosso trabalho. Graças a esta colaboração criamos uma nova linha de pesquisa no grupo, envolvendo a combinação da química do professor Andruh – que permite sintetizar moléculas escolhendo seletivamente os metais – com a nossa química, que é voltada para radicais orgânicos como blocos de construção. Sem contar que foi ainda um aprendizado sobre os usos e costumes dos dois países”, comemora Maria. Para a pesquisadora, essas bolsas são uma fantástica experiência para todos.


Uma indicação clara do reconhecimento da boa pesquisa realizada por grupos brasileiros é que a cidade do Rio de Janeiro sediará, em setembro de 2018, a International Conference on Molecule-based Magnets (ICMM). Trata-se da mais importante conferência na área de magnetismo molecular, bianual, que já foi realizada em países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão. “Será a primeira vez que a ICMM acontece no Hemisfério Sul. E isso é motivo de orgulho para todos nós”, conclui.