Para prevenir a doença, educação e informação

Danielle Kiffer / Rio Pesquisa - Ano 9 - nº 39 - Junho de 2017

Na Fiocruz, pesquisadores criam material de divulgação a ser utilizado em consultas para obter informações sobre o barbeiro e prevenir a doença de Chagas

Mesmo depois de mais de um século de sua descoberta, a doença de Chagas continua sendo uma doença negligenciada. Considerada uma das principais endemias da América Latina, é responsável pela infecção de 1,9 milhão de brasileiros, segundo dados de 2010 do Ministério da Saúde. A pergunta que fica é: como erradicar esse mal, conhecido desde 1909 quando Carlos Chagas descobriu, em Minas Gerais, a existência de uma nova doença ao constatar o convívio de insetos hematófagos, vivendo à custa de sangue dos animais domésticos, e que continua fazendo vítimas? 


De acordo com um dos maiores pesquisadores do Brasil no assunto, o entomologista José Jurberg, coordenador e um dos fundadores do Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos (LNIRTT), centro de referência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Ministério da Saúde, a melhor maneira de combater, ou pelo menos, prevenir a doença de Chagas é uma fusão de diversas ações. Uma delas seria a difusão da informação, por meio da educação em todos os níveis – desde os moradores das casas aos indivíduos engajados no controle do vetor (agentes de saúde, professores, alunos em todas as competências), principalmente no interior do País, onde a incidência da doença é maior. “O barbeiro tem este nome vulgar por ter como hábito sugar os indivíduos que estão dormindo na face, por ser uma região exposta. Sua denominação, contudo, varia de região para região ou de país para país”, diz Jurberg.


O pesquisador lembra que os barbeiros vivem em todas as Américas, desde os EUA até a Argentina. “Na natureza, em ambiente equilibrado, eles vivem à custa do sangue de mamíferos e répteis, ou mesmo, sugando a hemolinfa de outros insetos. Sendo a transmissão vetorial, ou seja, transmitida no ato de alimentação do barbeiro, a doença não será exterminada nos próximos milhões de anos. Por isso, é importante fazer com que as pessoas, principalmente aquelas que habitam áreas rurais, saibam como se prevenir”, justifica Jurberg. 


Foi pensando nisso que o entomologista, com o apoio do edital Apoio à produção de material didático para atividades de ensino e/ou pesquisa, da FAPERJ e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e do Serviço Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, decidiu criar material de divulgação sobre o tema. O conjunto de peças consiste em cinco miniblocos de material plastificado e resistente a intempéries, e um Atlas Iconográfico dos Triatomíneos do Brasil como base para consultas e informações sobre os barbeiros e a doença. Os blocos trazem fotografias de cada espécie de barbeiro, com dados sobre suas principais características, incluindo seu tamanho real, seus principais habitats, morfologia e distribuição geográfica, formando uma coleção.


Os blocos, com as ilustrações, descrevem o ciclo de vida do barbeiro, desde o ovo até a fase adulta; fotos mostram seus principais esconderijos, como rachaduras nas paredes, telhados de palha, paredes de pau-a-pique e galinheiros. Há ainda a descrição das várias formas de transmissão da doença, que tanto pode se dar pelo contato das fezes contaminadas do barbeiro com mucosas ou feridas, provocadas pelas picadas do inseto; pela ingestão de algum alimento contaminado por suas fezes, que contenha o protozoário causador da doença; por transfusão de sangue; durante o parto; e mesmo por doação de órgãos.


“Atualmente, são conhecidas 152 espécies de barbeiros em todo o mundo. No Brasil, estão assinaladas 63 espécies. A finalidade principal de nosso projeto é a educação de todas as comunidades sujeitas à doença. Com fotos coloridas e dados sobre cada uma dessas espécies disseminadas pelo País, nossos agentes de saúde podem divulgar essas informações e ajudar a prevenir o problema”, complementa o pesquisador. 


Cada um dos blocos abrange uma região do País (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, e Centro-Oeste). No bloco sobre o Norte, encontramos as fotos de 35 espécies de barbeiro reconhecidas na região. “Um deles, o Pastrongylus rufotuberculatus, mede de 24 a 28 milímetros e habita principalmente palmeiras e árvores, e eventualmente se escondem nas proximidades dos domicílios, como em galinheiros, por exemplo”, exemplifica Jurberg. 


A ideia de desenvolver esse material surgiu porque, no passado, Jurberg precisava dar a cada um dos agentes de saúde exemplares dos diferentes tipos de barbeiro, presentes no insetário do LNIRTT, que mantém 45 espécies de barbeiros em 150 colônias, sendo considerado o maior do mundo em diversidade. “No fim das contas, em pouco tempo, pela fragilidade dos insetos, esses exemplares não chegavam inteiros aos locais de destino e não serviam para fazer o reconhecimento da espécie”, explica o entomologista. Além disso, Jurberg achava necessário preparar um material que contivesse mais informações. “Assim, as pessoas ficam sabendo onde os barbeiros se escondem e podem tomar medidas para evitar o contato, melhorando as paredes de suas casas, controlando os insetos perto das residências, e evitando o consumo de alimentos que possam estar contaminados com o Trypanosoma cruzi existentes nas fezes ou em fragmentos do inseto que foram processados com os alimentos, sem os devidos cuidados de higienização. Como, por exemplo, nos sucos in natura. Vale lembrar que a pasteurização é um meio eficaz para evitar a ingestão do alimento contaminado”, complementa. Desde 2010 até agora, já foram distribuídos nove mil exemplares do Atlas, que está em sua terceira edição, e 14.740 exemplares dos blocos, que já se encontram na quinta edição. 


Em 1909, a doença de Chagas foi descoberta pelo sanitarista brasileiro Carlos Chagas, que na ocasião se dedicava ao combate da malária no interior de Minas Gerais. O vetor da doença é o barbeiro contaminado pelo protozoário Trypanosoma cruzi – batizado assim por Chagas para homenagear o cientista Oswaldo Cruz –, que usa o barbeiro como hospedeiro. A doença de Chagas não é transmitida ao ser humano diretamente pela picada do inseto. A transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada e as fezes, contaminadas e eliminadas pelo barbeiro penetram pelo orifício que ele ali deixou. A transmissão pode também ocorrer por transfusão de sangue contaminado e de mãe para filho, durante a gravidez. No Brasil, foram registrados casos da infecção transmitida, por via oral, em pessoas que consumiram caldo de cana ou açaí, contaminados pelas fezes ou vestígios desses insetos. 


O LNIRTT foi criado há 107 anos e em 1989 foi selecionado pelo Ministério da Saúde como um laboratório de referência. O local tem um grande insetário com 45 espécies de barbeiros em 150 colônias, e uma coleção com cerca de 24 mil exemplares (mortos). Coordenador do laboratório, Jurberg assegura que a coleção é uma das maiores do gênero no mundo. Ela está disponível no site: www.splink.org.br 


Estudioso dos triatomíneos, os transmissores da doença de Chagas, há 56 anos, Jurberg tem 202 artigos publicados e três livros sobre insetos. Criador do curso de especialização lato sensu em entomologia médica na Fiocruz, ele foi laureado, em 2016, pela Academia Nacional de Farmácia (ANF), por sua contribuição à pesquisa e conhecimento sobre a doença de Chagas.


Atualmente, o laboratório tem se dedicado, além da pesquisa, também à área de educação. É que com a distribuição gratuita da coleção de cinco blocos e do atlas iconográfico, muitos professores de áreas das regiões endêmicas da doença, com casas de pau-a-pique com telhados de folhas de palmeiras e reboco de barro, estão ministrando palestras para as crianças, a fim de conscientizá-las da existência dos barbeiros e da doença, que até o presente momento não tem cura. A formação de recursos humanos na área de taxonomia tem sido uma importante ferramenta, no sentido de promover a prevenção. Jurberg aproveita e avisa que quem estiver interessado em trabalhar na área de vetores da doença de Chagas, pode solicitar o material por meio dos Correios, enviando e-mail para jjurberg@ioc.fiocruz.br.


Pesquisador: José Jurberg
Instituição: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
Fomento: Edital Apoio à produção de material didático para atividades de ensino e/ou pesquisa