Um supertelescópio para desvendar os mistérios do Universo

Danielle Kiffer / Rio Pesquisa - Ano 9 - nº 39 - Junho de 2017

De uma estrela cadente à expansão universal atribuída à energia escura, todos os movimentos que acontecem no céu do Hemisfério Sul serão registrados por 10 anos

“Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”, já disse, uma vez, o dramaturgo inglês, William Shakespeare (1564-1616). E é exatamente no céu, mais precisamente no Universo, que cientistas ao redor do mundo buscam desvendar o desconhecido. Para isso, a Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF, na sigla em inglês), em parceria com o Departamento de Energia e diversas instituições privadas daquele país, está construindo o Large Synoptic Survey Telescope ou Telescópio de Levantamento Sinóptico (LSST), um supertelescópio que irá mapear o céu do Hemisfério Sul por um período de 10 anos. Ele será montado na Cordilheira dos Andes, a mais de 2.600m de altitude, em Cerro Pachón, uma montanha próxima à cidade chilena de Vicuña, situada a 380 quilômetros ao Norte da capital, Santiago.


Com diâmetro de 8,4 metros, o LSST começará a funcionar no início da próxima década. Sua câmera, que consiste de um mosaico com 3.2 bilhões de pixels, a cada exposição, cobrirá uma área correspondente a 40 vezes o tamanho da Lua cheia; em apenas três dias, estudará o trecho de céu para o qual estiver disponível, possibilitando que todos os eventos que acontecerem – desde a passagem de um cometa até a expansão do Universo atribuída à energia escura –, sejam observados. A cada noite, serão coletados 15 terabytes de dados que serão transmitidos para diferentes centros de pesquisa para redução e análise. Após a redução dos dados, serão produzidos mais de 30 terabytes de informações, algo equivalente a aproximadamente 600 mil músicas digitais ou perto de 22 mil filmes digitais com duração de 1h30 e qualidade de DVD.


O Brasil tomará parte no projeto por meio do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA). De acordo com o astrofísico Luiz Nicolaci, coordenador do LIneA e pesquisador do Observatório Nacional (ON), o laboratório será o responsável por armazenar essa enorme quantidade de dados que o LSST vai gerar e disponibilizar para os brasileiros participantes do projeto. “Esse sistema será um poderoso coletor de luz óptico. E a velocidade de suas observações fornecerá aos astrônomos, pela primeira vez, uma visão dinâmica do Universo, em que variações de posição ou de fluxo serão registradas. Estima-se que o LSST gerará cerca de 10 milhões de alertas de eventos transientes a cada noite, que deverão ser classificados e os casos mais interessantes observados em outros telescópios.


Ao término de 10 anos, o levantamento obterá informações sobre 37 bilhões de estrelas e galáxias, explorando um volume de espaço sem precedentes”, explica Nicolaci. “Este projeto representa um desafio na área da Tecnologia de Informação, para gerenciar a transferência, processamento, armazenamento, análise e exploração científica da grande quantidade de dados que será gerada de forma ininterrupta”, complementa o astrofísico. Para esse desafio, o laboratório contou com o apoio da FAPERJ, por meio de diversos editais, entre eles, Apoio às Instituições de Ensino e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio de Janeiro; Apoio a Núcleos de Excelência – Pronex; e Cientista do Nosso Estado, que ajudaram, inclusive, na compra de equipamentos para armazenamentos de dados.


Para Nicolaci, a participação do Brasil em um projeto dessa natureza representa um salto para os pesquisadores brasileiros, principalmente no que diz respeito ao entendimento da natureza da energia escura, fenômeno que ainda não é bem compreendido, e que seria responsável pela aceleração na expansão do Universo. “Repetindo a história de outros importantes momentos singulares, o LSST será um marco sem precedentes para a astronomia”, explica.


Em abril de 2017, após convocatória por meio de edital público, um primeiro grupo com 23 pesquisadores brasileiros foram selecionados e já fazem parte do projeto. A negociação que viabilizou este acordo envolveu instituições responsáveis pela rede de acesso a Internet no Brasil (Academic Network at São Paulo, ANSP; e a Rede Nacional de Pesquisa, RNP) e a comunidade brasileira de Astronomia, representada pelo diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), Bruno Castilho, e por Nicolaci, que ficaram responsáveis pelo processo de seleção dos membros do grupo de participação brasileira no LSST (denominado pela sigla em inglês BPG-LSST).


A principal missão do BPG-LSST é preparar a comunidade brasileira para lidar com o enorme volume de dados a ser gerado por este projeto, estimado em uma centena de petabytes. Este esforço terá o apoio técnico e logístico do LIneA, e científico do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do e-Universo. O LIneA foi criado com a finalidade de dar suporte à participação brasileira em levantamentos astronômicos geradores de grandes volumes de dados, que além do LSST também apoia outros projetos similares, entre eles, o Levantamento da Energia Escura (DES), o Levantamento Digital do Céu Sloan (SDSS) e, mais recentemente, o projeto DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument).


Em funcionamento há quase uma década, o LIneA conta com uma infraestrutura dedicada de processamento (1.000 núcleos) e de armazenamento (750 terabytes), lotada no centro de processamento de dados do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), que está sendo usada na análise dos dados do DES. Com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), este centro está sendo expandido para ter no mínimo 3.000 núcleos e 5 petabytes de armazenamento. Isto formará o embrião de um Centro Regional de Acesso aos dados do LSST, fundamental para a exploração científica dos dados do LSST por parte do BPG.


A criação do centro prevê ainda a implantação de uma nova arquitetura de banco de dados, que está sendo desenvolvida no Centro de Aceleração Linear de Stanford (Slac, na sigla em inglês), sediado próximo à cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, para armazenar os dados de forma particionada e aumentar a eficiência na exploração científica. Além disso, o LIneA é responsável pelo desenvolvimento de um sofisticado sistema de gerenciamento de workflows – conjunto de códigos para análise de grandes quantidades de dados –, que permite a preparação dos dados a serem disponibilizados pelo LSST para a análise científica e hospeda um grande número de algoritmos de análise devidamente paralelizados, atendendo a uma grande variedade de objetivos científicos.


A inovadora experiência na forma de atuar do LIneA culminou com a aprovação de um projeto no programa do INCT do e-Universo, que dará apoio às atividades científicas do LSST como a dos outros projetos por meio de bolsas, participação em reuniões e visitas aos grandes centros, com ênfase especial aos jovens pesquisadores que serão os protagonistas durante a era do LSST, que irá de 2022 a, pelo menos, 2032.


Para Nicolaci, “apesar das incertezas que cercam a pesquisa científica no Brasil”, uma fértil e promissora estratégia de longo-prazo está traçada, tendo como pilares um revolucionário projeto, com grande impacto em várias áreas da Astronomia, que incluem a experiência e a infraestrutura de hardware e software do LIneA e de seu time de TI dedicados a procurar soluções para o desafio de big data e o apoio à formação de jovens pesquisadores proporcionado pelo INCT do e-Universo.

Pesquisador: Luiz Nicolaci da Costa
Instituição: Observatório Nacional (ON)
Fomento: Editais Apoio às Instituições de Ensino e Pesquisa Sediadas no Estado do RJ; Apoio a Núcleos de Excelência – Pronex; e Cientista do Nosso Estado