Paraíso ecológico na Serra do Mar em alerta hídrico

Aline Salgado / Rio Pesquisa - Ano 9 - nº 38 - março de 2017

Pesquisadores investigam por que uma das maiores áreas protegidas de Mata Atlântica, localizada em trecho da Serra do Mar na divisa do Rio de Janeiro com São Paulo, tem sofrido com a falta de água

Paraíso ecológico localizado em trecho da Serra do Mar, na divisa do estado do Rio de Janeiro com São Paulo, e que corta os municípios de Angra dos Reis e Paraty, em território fluminense, e Ubatuba, em solo paulista, a Serra da Bocaina está no radar de pesquisadores e autoridades públicas. Região que abriga o parque nacional de mesmo nome, com 104 mil hectares de Mata Atlântica protegida e berço de belíssimas cachoeiras, como as de Santo Isidro, das Posses e do Veado, a Serra da Bocaina entrou em alerta hídrico.


O sinal foi dado por comunidades tradicionais da região, em 2014 e 2015, anos de crise hídrica em todo o Sudeste. Segundo as populações quilombolas e caiçaras, nunca antes a microbacia do rio Carapitanga havia apresentado essa situação de desabastecimento. Diante do alerta, a pesquisadora Ana Luiza Coelho Netto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Cientista do Nosso Estado pela FAPERJ, decidiu investigar por completo a gestão das águas na região.


Docente no Departamento de Geografia do Instituto de Geociências do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN/UFRJ) e coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia (Geoheco) da universidade, ela tem desenvolvido os estudos em parceria com o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, da Fundação Oswaldo Cruz (OTSSB/Fiocruz). O intercâmbio entre os pesquisadores tem possibilitado o avanço nas investigações e o levantamento de algumas hipóteses para o problema, nunca antes visto na região.


Entre as principais suspeitas estão o aumento no fluxo sazonal de pessoas para os municípios de Angra, Paraty e Ubatuba, que atraem muitos turistas nos verões e feriados. Além da atividade turística, a agricultura, o funcionamento de oficinas náuticas e até a retirada de água em poços artesianos de uma única região do aquífero fissural do rio Carapitanga podem estar por trás do desabastecimento.


“Por dois anos seguidos, observamos que a oferta de água na região da microbacia do rio Carapitanga, que corta o perímetro urbano de Paraty, não estava sendo suficiente para abastecer a população. Apesar dos anos de 2014 e 2015 terem sido atípicos, queremos investigar de forma completa que outros elementos podem estar levando a essa falta de água na Serra da Bocaina”, diz a geógrafa.


Coordenador geral do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, Edmundo Gallo explica que a intenção dos pesquisadores é fazer uma análise completa da gestão ambiental local. Serão avaliados, assim, os impactos e efeitos de uma série de mudanças, sejam elas climáticas, de vazão da água dos rios, de assoreamento e até de contaminação por esgotamento sanitário, por agrotóxicos utilizados em plantações locais e por combustíveis, via descarte incorreto de oficinais náuticas.


“O rio Carapitanga nasce numa aldeia na Serra da Bocaina e passa por sete comunidades rurais, um quilombo e uma comunidade caiçara. Muito além de ser uma importante fonte para o abastecimento dessas populações, o rio está ligado diretamente à cultura das comunidades locais”, explica Gallo.


Ana Luiza conta que já foi montado um mapa falado, construído com informações obtidas junto à população local e mostrando os locais de retirada de água e seus usos. O próximo passo será adicionar ao mapa dados de localização da região, obtidos por sistema de GPS (global positioning system), além de informações oficiais das redes de captação de água.


Uma estação de monitoramento pluviométrico, que medirá a descarga do rio Carapitanga – que corta o município de Paraty – e o volume de chuvas na localidade, já está em funcionamento. Está prevista a construção de uma segunda estação, que será instalada em área florestal mais bem conservada.


“Com os dados dessas duas estações e mais os da estação localizada em Angra dos Reis, que funciona há 30 anos, analisaremos a série histórica da descarga líquida dos rios, isto é, vazão e volume de água que carregam por unidade de tempo. Além disso, estudaremos como se dá a distribuição de chuvas na Serra da Bocaina”, detalha Ana Luiza. “Assim, poderemos identificar as transformações ambientais das comunidades tradicionais e dimensionar o impacto do fluxo sazonal de pessoas para a região, sem falar nas outras atividades que podem estar provocando distúrbios no abastecimento”, acrescenta a pesquisadora.


A professora da UFRJ acredita que o estudo possibilitará que pesquisadores, governos municipais e estaduais e comunidades locais identifiquem o quanto a natureza ainda dispõe de recursos hídricos no aquífero e, principalmente, que ações precisarão ser feitas para preservar a região.


Do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, Edmundo Gallo diz que alguns órgãos de gestão já estão envolvidos no projeto de proteção à microbacia do rio Carapitanga. Entre eles, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Prefeitura de Paraty, o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a Reserva Ecológica da Joatinga e o Comitê de Bacias local. A Fiocruz, a UFRJ e a Universidade Federal Fluminense (UFF) são alguns dos centros de pesquisa que também participam da iniciativa.

Pesquisadora: Ana Luiza Coelho Netto
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Fomento: Cientista do Nosso Estado / Apoio a Projetos Temáticos