Dos subúrbios do Rio para o Reino Unido

Débora Motta / Rio Pesquisa - Ano 9 - nº 38 - março de 2017

Após ganharem concurso sobre alimentação nas periferias, jovens cariocas têm oportunidade de ir a Londres

Luz, câmera e ação. Com um olhar atento ao cotidiano da Maré, conjunto de favelas situado na Zona Norte do Rio, um grupo de jovens cariocas ganhou o concurso de audiovisual “Food 2.0 – Futuro sustentável de alimentos: uma visão dos jovens do Rio e de Londres”. Janaina Melo, de 25 anos, profissional de Relações Públicas e moradora do Complexo da Maré; Fernando Fonseca, de 26, publicitário, produtor cultural e morador de Nova Iguaçu; e Valnei Succo, de 28, músico (MC) e técnico audiovisual, que vive em Rocha Miranda, produziram o curta-metragem Raiz (confira o filme: www.youtube.com/watch?v=Vv7w1F1n0iI), sobre a cadeia produtiva da tapioca vendida na popular barraca de Dani França, moradora da Nova Holanda, comunidade que pertence ao Complexo da Maré. A barraca se tornou uma referência gastronômica na região, utilizando produtos orgânicos plantados no sítio da família da vendedora, em Magé.

A ideia de retratar os hábitos alimentares da periferia em formato audiovisual é um desdobramento de um projeto que envolve pesquisadores brasileiros e britânicos coordenado pela Coppe – o Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e pela Royal Holloway, da Universidade de Londres. O projeto, que também contou com a participação das ONGs britânicas Inspire e Ovalhouse, recebeu o apoio da FAPERJ por meio do programa Fundo Newton RCUK-FAPERJ, além da parceria com o Observatório de Favelas e com a Universidade das Quebradas – projeto de extensão coordenado pela pesquisadora Heloisa Buarque de Holanda, na UFRJ.

O trio vencedor passou uma semana em Londres, na primeira quinzena de outubro de 2016, quando teve a oportunidade de visitar restaurantes, mercados e feiras para conhecer a cultura alimentar das periferias da cidade. “Foi um intercâmbio cultural entre as periferias do Rio e de Londres”, diz o professor Roberto Bartholo, coordenador do projeto na Coppe. No outro lado do Atlântico, no Reino Unido, a coordenação do projeto fica sob a responsabilidade de Dorothea Kleine, na Universidade de Londres.

A ideia foi desenvolver, simultaneamente, nas capitais britânica e fluminense, uma metodologia de aproximação com esses jovens de periferia, por meio de diálogos sobre alimentação e produção audiovisual. “O Food 2.0 surgiu como desdobramento de um projeto anterior da Coppe, realizado em parceria com a Royal Holloway, em 2013, sobre a importância do consumo consciente e das compras públicas como um caminho para o desenvolvimento. A partir daí, a questão da alimentação começou a aparecer em uma discussão sobre o uso da agricultura familiar no fornecimento de alimentos para a merenda escolar no Brasil”, conta Bartholo, que é coordenador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (LTDS) na Coppe.

No total, participaram do projeto 18 jovens cariocas, de 18 a 29 anos. Um dos pré-requisitos para concorrer era ser morador de uma das comunidades cariocas. Durante um mês, eles tiveram oficinas temáticas sobre alimentação, além de acompanhamento em produção multimídia, na sede do Observatório de Favelas, na Maré. Foi o suficiente para revelar novos talentos. “As oficinas abordaram quatro temas: Cultura alimentar na periferia; Desperdício de alimentos; Agricultura urbana e horta comunitária; e Novas formas de produção e consumo na periferia, que trata das inovações sociais dos moradores, como restaurante orgânico e produção de cerveja artesanal”, diz a pesquisadora associada do LTDS, Rita Afonso, que também é professora da Faculdade de Administração da UFRJ e foi uma das coordenadoras-adjuntas do projeto das oficinas. 

A experiência resultou na produção de seis filmes pelos alunos, que captaram a visão dos jovens que moram na periferia sobre como é a relação deles com os alimentos e como será a alimentação do futuro. Segundo Rita, é preciso ter um olhar um pouco mais verdadeiro a respeito da situação das periferias e favelas. “Um clichê é imaginar a desnutrição como um problema nas favelas, quando na verdade o principal desafio é o avanço da obesidade como problema de saúde. Come-se muito mal, tanto no Rio como em Londres. O fato de viver em um país mais rico não garante uma boa alimentação”, destaca.

Vencedor do Projeto Food 2.0 como melhor filme, o filme Raiz teve sua primeira exibição internacional durante a estada dos realizadores – Janaina, Fernando e Succo – no Reino Unido, que, assim, puderam acompanhar sua exibição por lá. “Queríamos falar sobre o lugar de onde a gente veio: da favela. Como o tema era a relação da periferia com a alimentação sustentável, falamos sobre a tapioca da Dani, que é muito conhecida na Nova Holanda. A mandioca é cultivada no sítio da família dela, no distrito de Suruí, localizado no município de Magé. A barraca da Dani fica no principal acesso de entrada e saída da Nova Holanda, na Avenida Brasil, a mais importante via de acesso terrestre à capital fluminense. Descobrimos que o produto dela era orgânico e resultado de um processo sustentável. Isso chamou a nossa atenção. Nem a própria Dani sabia o significado da palavra sustentável, nem a família dela, que vive disso”, conta Janaina.

Para o trio, que se conheceu na Escola Popular de Comunicação Crítica (Espocc), do Observatório de Favelas, antes do lançamento do projeto Food 2.0, a experiência de intercâmbio foi positiva. “A viagem foi incrível. Foi a primeira vez que nós saímos do País. Visitamos o que lá eles consideram a ‘favela’, bairros pobres como Brixton, que lembram nossos conjuntos habitacionais, mas são bem organizados e grandes em relação às nossas favelas”, lembra Janaina. Depois de retornarem ao Brasil, os realizadores se consolidam como grupo de produção e pesquisa em projetos relacionados à periferia e à sustentabilidade. “O Raiz está se consagrando como grupo. Vamos começar a fazer mapeamento e produção sobre a relação da periferia com a sustentabilidade. Estamos criando uma série de projetos. Nossa ideia é fazer desse filme uma série com mais dez episódios”, adianta Janaina.

Para Rita, o projeto Food 2.0 deve trazer bons desdobramentos em um futuro próximo, ultrapassando, inclusive, os limites da parceria acadêmica. “Existe a possibilidade de um novo tipo de parceria entre as ONGs brasileiras e inglesas, que estão trabalhando juntas nas periferias das duas cidades”, pondera. “Os ganhadores do projeto em Londres também vieram ao Rio e visitaram nosso laboratório na UFRJ. O filme inglês vencedor foi apresentado na UFRJ e na Maré. Trata-se de uma parceria mais ampla, que vai além da parceria acadêmica”, conclui a pesquisadora.

Pesquisador: Roberto Bartholo
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Fomento: Fundo Newton RCUK-FAPERJ