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Publicado em: 09/08/2007
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A influência positiva da mídia sobre a formação de jovens

Vilma Homero

 Lami

 
Segundo Ana Enne, cada vez mais as ONGs
se voltam para atividades artísticas e culturais
Atividades culturais podem ser um grande divisor de águas na formação de adolescentes de baixa renda. A constatação é do grupo de pesquisa que se enfronhou por instituições da Baixada Fluminense e descobriu um mundo de diferenças entre os jovens que aprenderam a lidar com os vários recursos da mídia, fazem jornal, programas de rádio e sites, e os que estão em instituições onde não têm acesso a nada disso. Da maior sofisticação de vocabulário e formas de expressão verbal dos primeiros ao desalento e falta de perspectiva dos segundos, esse contraste pode ser traduzido pelas respostas de dois jovens. Enquanto um deles vê a possibilidade de continuar trabalhando com instrumentos de mídia no futuro, outra apenas responde: "Quando crescer, quero ser soldado do Bope, para ter autoridade e poder subir o morro dando porrada em todo mundo."

"As instituições, especialmente as ONGs, estão cada vez mais voltadas para atividades culturais. É uma categoria chave nesse processo de intervenção com os jovens", explica a pesquisadora Ana Lúcia Enne, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e do Laboratório de Mídia e Identidade (Lami). Com os professores Antonio Carlos de Souza Lima (proponente) e Adriana Vianna, ambos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional/UFRJ e do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced); e Marialva Barbosa, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da UFF, e do Laboratório de Mídia e Identidade (Lami), ela desenvolveu, com apoio do edital Direitos Humanos da FAPERJ, a pesquisa Adolescentes e práticas institucionais na Baixada Fluminense - arenas de disputa pelo direito de significar.

Embora a proposta inicial fosse Adolescentes infratores e práticas de confinamento, arena de disputas pelo direito de significar, a equipe logo percebeu que havia iniciativas bastante interessantes, trabalhando com recursos de mídia e tecnologia, ou atividades circenses, a partir da perspectiva do protagonismo adolescente. "São eles que fazem o jornal, o programa de rádio, montam o próprio site", fala. Tudo isso mudou o rumo da pesquisa, que acabou se estendendo e se transformando no atual trabalho. Isso também permitiu uma visão comparativa interessante entre as entidades que contam, e as que não contam, com atividades, como oficinas de teatro, percussão, música ou as artes do picadeiro, entre diversas outras, para ocupar os jovens no período em que não estão na escola. E ainda gerou mais um fruto. "Como vimos que as próprias instituições desconhecem o que as outras fazem, resolvemos criar uma rede (site) para unir os vários trabalhos. Isso se torna útil até para quem faz pesquisa", diz. Uma versão preliminar da Rede Jovem da Baixada Fluminense pode ser visitada no endereço http://www.uff.br/lami.

Além do site da Rede Jovem da Baixada Fluminense, que está sendo desenvolvido, a equipe  pretende apresentar os resultados finais da pesquisa das seguintes formas: em uma coletânea, em fase de edição, "O direito à representação: discussões sobre mídia, adolescentes e políticas públicas", com artigos dos pesquisadores participantes; em um relatório completo que será disponibilizado para download no site da rede até o fim de 2007; e em um seminário interinstitucional sobre o tema "Mídia e Baixada Fluminense".

A equipe escolheu trabalhar com adolescentes por se tratar de faixa etária e categoria social de enorme importância na contemporaneidade. É a fase de escolher os caminhos a seguir na vida adulta. E, seja pela questão do consumo, pela questão da violência ou pela própria idéia de identidade, é também uma fase que está bastante em evidência. "As instituições têm essa mesma visão e cada vez mais voltam seus trabalhos para eles", explica Ana. Focar a Baixada Fluminense teve também motivo: trata-se de uma região marcada por vários estigmas e problemas sociais graves. "Por tudo isso, acho que é papel da academia trabalhar a região", diz Ana Enne, que desde os tempos de mestrado vem fazendo pesquisas naqueles municípios.

Trabalho etnográfico com os jovens da Baixada

                                                             Ana Enne

               
             Na Casa de Cultura da Baixada, jovens integram atividades culturais e 
             passam a ver possibilidades de mudança neles e no mundo a sua volta
  

 

 

 

 

 

 

 

 

As 12 instituições visitadas foram selecionadas a partir de uma lista preliminar, elaborada por critérios de visibilidade e alcance. A partir deste primeiro contato, foram delimitadas algumas para a realização de um trabalho etnográfico com os jovens. "Escolhemos quatro entidades, num processo gradativo de liberdade e recursos de expressão (da que tem mais à que tem menos liberdade) e partimos para um trabalho de campo com os adolescentes. Só houve autorização para entrevistas em instituições de confinamento femininas. Nas masculinas, isso ainda não foi permitido", diz.

"Muitas delas têm o programa Agente Jovem, do governo federal, que repassa recursos às prefeituras para selecionar jovens que receberão uma bolsa mensal (R$ 60) para participar de palestras e atividades no horário em que não estão na escola", explica a pesquisadora. Para traçar a etnografia local, foram entrevistados cerca de 50 jovens, em mais de 12 horas de gravação, e feitas cerca de 200 fotos.

Nas entrevistas, as diferenças nas falas foram gritantes. Nas várias instituições em que a mídia é instrumento de oficinas de fanzine, criação de vídeo, grafitti ou desenvolvimento de sites, percebeu-se que o fato de poderem atuar como sujeito muda a visão de mundo dos jovens, abrindo-lhes a perspectiva de transformação. "A primeira coisa que se percebe é que eles falam "nós, os Enraizados", "nós, do Cecip", "nós, do Circo Baixada", num discurso em que se assumem como parte da instituição. É visível a esperança, sua crença na possibilidade de mudança, tanto deles quanto do mundo ao redor. Até o vocabulário que usam é mais engajado; empregam naturalmente nas conversas palavras como transformação, ideologia, ativismo. Afinal, eles fazem parte de ONGs em que tudo isso está muito presente", explica.

Nas instituições de confinamento e naquelas em que não se trabalha com mídia, a perspectiva é outra. "O garoto fala de forma paternalista, esperando favores, que a entidade lhes conceda alguma coisa. Dizem "a gente queria". E como só têm atividades pedagógicas ou no máximo assistenciais, sua conversa chama mais atenção para as faltas, não para as conquistas: é a falta de lazer, de liberdade de sair... Tudo se resume, na verdade, à falta de perspectiva presente e futura, a um enorme desalento. Quando se fala em sonhos, eles praticamente não respondem. Seu maior desejo é ter emprego no futuro", lamenta Ana.

Aliás, os pesquisadores perceberam que a pergunta sobre o que querem ser na vida adulta obedeceu o mesmo padrão. As profissões acadêmicas não têm apelo entre eles. Embora alguns apontem profissões clássicas, como médico e advogado, e um grupo reduzido responda "jogador de futebol e artista", o que parece ter maior apelo entre os adolescentes de entidades que não têm atividades culturais são as profissões do cotidiano, como mecânico, bombeiro hidráulico, motorista.

"Isso mostra como a realidade que vivenciam é forte e que eles só conseguem pensar no que há de concreto para eles, limitando até onde podem desejar chegar. E mostra ainda que a capacidade de sonhar entre eles está se esvaindo", lamenta. O que chamou mais atenção foi a jovem de uma instituição de confinamento que apontou como exemplo ser "soldado do Bope", evidenciando o quanto a realidade  e quanto mais dura pior  limita os sonhos.

Apesar dessas diferenças, há também semelhanças. "Todos eles, sem exceção, demonstram grande necessidade de falar e de ser escutado. As entrevistas foram longas, de mais de uma hora, e a filmadora com que gravamos as conversas teve um papel importantíssimo. Ao contrário do que seria de imaginar, e com raras exceções, diante da filmadora não houve timidez. Eles querem muito falar com a câmera, ficam mais eloqüentes. Quando a entrevista não era gravada, eles falavam menos, se entediavam", surpreendeu-se. Ana acredita que isso aconteça não apenas pela idéia de glamurização de se ver na tela, mas principalmente pela noção de multiplicação daquela fala. "O que me faz pensar que a questão da visibilidade é ainda mais importante", diz.

A mídia e seus instrumentos é o que universaliza todos eles. "Todos vêem os mesmos programas de TV, gostam filmes de terror, amam música, adoram internet - os jovens confinados têm o maior desejo de usar, queriam que tivesse computador na instituição onde estão", enumera Ana. "À pergunta 'se tivesse dinheiro, o que faria?', a resposta mais freqüente é 'comprar um MP3 player'. Principalmente entre as meninas do confinamento, porque têm gostos musicais diferentes e são obrigadas a escutar o mesmo rádio, tendo que revezar a estação e não podendo escutar a sua preferida na hora desejada".

Shopping, computador e MP3

 Ana Enne

 
 Os jovens do Cecip olham o site que criaram
Na questão do consumo, por sinal, nenhum deles difere em preferências de qualquer outro jovem, independente de classe social, situação financeira ou a realidade que vivenciam. Todos têm paixão em consumir. "Mesmo os que não têm casa, nem frequentam escola, amam ir a shopping, querem roupas e tênis de marca, ter acesso a MP3 e computador. Isso aparece direto nas falas", diz. Numa das instituições visitadas, a ABCD, os meninos do programa Agente Jovem, que em geral dividem o dinheiro da bolsa com a família (alguns o repassam todo às famílias), gastam tudo o que fica com eles em roupas. Numa instituição de confinamento, uma das meninas disse que gastaria todo o dinheiro que tivesse para comprar um tênis All Star. "Quanto menor a possibilidade de consumo e de visão crítica, mais eles querem gastar, o que mostra bem como é forte o bombardeio da mídia", explica.

Entre as ONGs, essa fala consumista diminui e entra uma visão crítica ao consumo e à mídia. Uma das meninas da ONG Enraizados - que mantém reuniões semanais do projeto chamado Centro de Estudos de Formação de Ativismo e Militância (Cefam), sobre cidadania, ética etc. - chamou atenção para a mensagem subliminar de uma propaganda de TV. "Um anúncio de automóvel com bichinhos, em que um deles diz que quem não pode comprar carro é bicho... Por aí, se vê o grau de percepção que esses meninos desenvolvem", elogia.

Sobre o papel da escola, foram comuns as reclamações quanto à falta de equipamentos, desde os mais corriqueiros, como pratos e material didático, até TV, DVD, e, claro, computador. "Muitos disseram que havia, mas foram roubados. Falam também da falta de atividades culturais e lúdicas. A única de que dispõem são as aulas de educação física. Só há atividades nas ONGs. Além disso, nas escolas, os trabalhos são predominantemente escritos, uma imposição do letramento sobre a cultura da oralidade, que é a que eles sabem manusear", esclarece. Outra queixa geral foi a ausência de alguém que escute seus problemas. As relações com a direção e os professores é imediatista, burocrática. O que os leva a enxergar nas ONGs essa possibilidade de escuta.

Também é presente a questão da discriminação. Afinal, muitos são negros e se sentem perseguidos, seja nos supermercados, shoppings, praia, ônibus. Muitos relatam casos de constrangimento. "São acusados de roubo, constrangidos por seguranças, o que sempre é motivo de muita revolta. Foram os momentos em que demonstraram maior exasperação durante a entrevista, já que a situação gera uma raiva enorme", narra. Segundo Ana, um dos garotos chegou a processar, junto com a mãe, um supermercado, onde o acusaram de roubar um vidro de maionese. Inteligente e articulado, X quer ser médico, e não deixou passar a humilhação sofrida. O processo, no Juizado de Pequenas Causas, lhe deu ganho de causa. A maioria, porém, passa pela mesma situação e termina se calando, apesar da raiva.

"Esses meninos têm uma enorme necessidade de visibilidade e expressão. A mídia desempenha papel fundamental nesse processo. As instituições tradicionais, como escola e família, demonstram que não sabem escutá-los. E as ONGs acabam tendo um papel muito importante nessas lacunas; quanto elas mais atuam, reforçando o direito à expressão, mais o efeito de esperança, transformação e formação crítica nesses garotos se torna visível", fala Ana.

Para Ana, é preciso que a escola passe a ocupar esse lugar, escutando e dando vazão às formas de expressão desses meninos e meninas. E principalmente fazendo uso dos instrumentos da tecnologia e da mídia. "Embora eles também critiquem a mídia pela visão negativa sobre a Baixada Fluminense, pelo estigma que sofrem por serem moradores de lá, que lhe reduz as chances de emprego e oportunidades, vimos o efeito que esses instrumentos têm; como os tornam mais desenvoltos e articulados", diz.

Veja a atividade de algumas dessas instituições pelos links:
Cecip - site Geração Digital - http://www.cecip.org.br/geracao/
Casa de Cultura da Baixada - http://www.casadaculturabaixada.org.br/
Enraizados - http://www.enraizados.com.br/Default2.asp
Circo Baixada - http://www.circobaixada.org/
Rede Jovem da Baixada Fluminense - http://www.uff.br/lami/redejovembaixada/redejovem.html

 
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