Vinicius Zepeda
Magali: estudo sobre cooperação científica no perìodo entreguerras (Acervo Pessoal) |
"Os congressistas passaram ao salão de exibições cinematográficas, com capacidade para cem cadeiras, mas que comportava outras tantas pessoas, que assistiram às exibições de pé. Ao ver as fortes imagens do combate à febre amarela, assim como a recente descoberta da doença de Chagas e sua origem, e os esforços das pesquisas para chegar a tratamentos eficazes, não se contiveram e irromperam em palmas! Nunca pensei que o sucesso fosse tão completo. A nossa posição no mundo científico está perfeitamente garantida...", declarou à época Oswaldo Cruz, diretor geral de Saúde Pública – cargo que atualmente corresponde ao de ministro da Saúde. O relato, apresentado no curta-documentário Cinematógrafo brasileiro em Dresden, serve como pano de fundo para ajudar a entender as origens da cooperação científica entre Alemanha, França e Brasil, alguns anos mais tarde, entre 1919 e 1940 – período imediatamente após a Primeira Grande Guerra, que se estende até o início da Segunda Guerra Mundial. O assunto é tema do projeto coordenado pela bióloga Magali Romero Sá, doutora em História das Ciências, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. Além do vídeo, uma exposição organizada na Fiocruz, artigos, monografias e teses fizeram parte do estudo.
Nessa época, o Brasil vivia o contexto da reforma urbana, iniciada ainda no governo do presidente Rodrigues Alves, quando foi deflagrada no País uma forte campanha contra algumas doenças, como a febre amarela, a peste bubônica, a varíola e a doença de Chagas. Em 1908, o sucesso de Oswaldo Cruz em vencer uma epidemia de febre amarela na cidade do Rio de Janeiro, com a ajuda de brigadas militares para combater os mosquitos, transforma o pujante Instituto Soroterápico Federal em um instituto de medicina experimental, rebatizado em 1909 como Instituto Oswaldo Cruz (IOC), em homenagem ao trabalho do sanitarista, que dirigiu a instituição até 1915.
O Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional de Higiene em |
A cooperação entre alemães e cientistas de Manguinhos serviu como uma forma de tentar assumir, no Rio de Janeiro, a liderança nas relações científicas internacionais, contrapondo-se à Sociedade de Biologia do Rio de Janeiro, sediada no IOC e diretamente ligada à Sociedade de Biologia de Paris. "O governo alemão também investia em propaganda para levar médicos brasileiros para cursos e palestras na Alemanha. Da mesma forma, a indústria farmacêutica germânica Bayer acompanhava a iniciativa e investia fortemente em propaganda, exportando medicamentos e folhetos sobre seus produtos, com reportagens endossadas por pesquisadores de renome, distribuídos aos médicos brasileiros. Além disso, iniciou na época sua produção de medicamentos no Brasil", acrescenta. Nesse contexto, a Bayer contratou o médico brasileiro de ascendência germânica Renato Kehl para o cargo de gerente-técnico da fábrica brasileira. Ele implementaria ações para influenciar não somente o governo federal como também o mercado médico brasileiro. Uma das estratégias de Kehl foi a publicação de dois periódicos de divulgação: a Revista Terapêutica e O Farmacêutico Brasileiro.
Revista O Farmacêutico Brasileiro: alemães usavam da |
A pesquisadora chama a atenção ainda para o fato de que, enquanto os franceses procuravam expandir sua influência na América Latina em uma ação coordenada no plano intelectual, com o envio de conferencistas, fundação de centros intelectuais franco-brasileiros, envio de missões entre os dois países e diversas outras no atividades voltadas para a produção e difusão de trabalhos científicos tanto brasileiros quanto franceses, os alemães utilizavam a supremacia de seus produtos farmacêuticos como propaganda. Segundo o parasitologista francês Émile Brumpt, era necessário que "a boa vontade dos franceses superasse a vantagem financeira e a tenacidade dos alemães".
Magali lembra ainda que, entre 1933 e 1942, com a ascensão do nazismo na Alemanha, o intercâmbio com cientistas alemães continuou, mas vários deles, sobretudo os judeus, fugidos do regime de Hitler, vieram para o Brasil e trabalharam nas universidades e instituições de pesquisa brasileiras em conjunto com franceses. Segundo a pesquisadora, os franceses deram espaço para os brasileiros divulgarem seus trabalhos na França, com intuito de conquistarem aliados no disputado cenário de concorrência por nichos de influência no cenário sócio-político-cultural. Já a Alemanha, apesar do método menos inclusivo, obteve sucesso ao divulgar sua ciência no país, principalmente devido aos avanços científico-tecnológicos e à descoberta de novos medicamentos. "Entre os anos de 1939 e 1945, com o espocar da Segunda Grande Guerra, os alemães foram novamente os grandes derrotados, enquanto os americanos se saíram os grandes vitoriosos, impondo sua supremacia na América Latina, entre vários aspectos, também por meio da indústria farmacêutica. Mas essa já é outra história", conclui a pesquisadora, adiantando o tema de mais uma de suas pesquisas, ainda em fase inicial. "É sobre esse assunto que estamos nos debruçando no momento."
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