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Publicado em: 14/08/2014
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Sons do passado: uma viagem pela música do Brasil colonial

Débora Motta

                                         www.marcelofagerlande.com.br
        
         O cravista e professor da UFRJ Marcelo Fagerlande
         pesquisou nos tratados detalhes da música colonial
 

A música é um elemento central para a compreensão dos costumes de um povo, em um determinado período histórico. Na cadência de acordes e melodias das canções, a identidade cultural de uma nação pode ser desvelada. Partindo dessa premissa, o cravista, diretor musical e autor de trabalhos musicológicos Marcelo Fagerlande, que é professor da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vem se dedicando ao estudo de dois pilares que sustentavam a música brasileira no período colonial – o cravo, instrumento de teclado considerado ‘o avô’ do piano; e as regras de baixo contínuo, isto é, uma estrutura musical comum nas obras daquele tempo, que se enquadram na escola barroca.

 

No livro O baixo contínuo no Brasil (1751-1851) – Os tratados em português, lançado com apoio do programa de Auxílio à Editoração (APQ 3) da FAPERJ, pela editora 7 Letras, Fagerlande analisa documentos históricos conhecidos como tratados. Parecidos com os atuais livros didáticos, eles eram livros teóricos, que continham conhecimentos sobre a notação musical – o modo de representar a música em símbolos, no papel – a ser utilizada pelos músicos do período, em Portugal e no Brasil, pela estrutura musical do baixo contínuo. Eram verdadeiros manuais para os músicos em geral. A obra de Fagerlande é resultado da sua tese de doutorado em musicologia, defendida em 2002, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

Conhecer a estrutura do baixo contínuo e outras questões apresentadas nos tratados é importante na musicologia – a ciência voltada para a "arqueologia" da música. Afinal, esses livros teóricos são peças importantes para completar o quebra-cabeça da música colonial brasileira. "Estamos falando de uma tradição que se perdeu. Não há uma continuidade na música ocidental. No caso de arquitetura ou artes plásticas, nós herdamos as obras construídas que continuam em pé, mas no caso da música, a partitura não indica como a composição executada naquela época tem que soar. Então, os canais para reconstituir essas músicas barrocas são os tratados", justificou Fagerlande. "Vale lembrar que naquele tempo não existiam as gravações para perpetuar a sonoridade das músicas", acrescentou.

O livro apresenta um histórico dos tratados musicais em língua portuguesa e investiga seis dentre as obras mais significativas sobre o assunto: o Compêndio músico ou arte abreviada, de Manuel de Morais Pedroso (Porto, 1751); as Regras de acompanhar no cravo ou órgão, de Alberto José Gomes da Silva (Lisboa, 1758); o Novo tratado de música métrica e rítmica, de Francisco Inácio Solano (Lisboa, 1779); o Compêndio de música teórica e prática, de Domingos de São José Varella (Porto, 1806); a Arte da música para uso da mocidade brasileira, de autor anônimo (Rio de Janeiro, 1823); e o Breve tratado de harmonia, de Rafael Coelho Machado (Rio de Janeiro, 1851). Alguns deles estão disponíveis para consulta na Biblioteca Nacional.

Os tratados também apresentavam orientações de como os músicos barrocos deveriam compor e como deveriam se portar durante a execução das canções, diante das plateias. Em especial, recomendações sobre a execução ao teclado – como postura do corpo e dos dedos, e a utilização dos dedilhados e ornamentação. Em um dos trechos reproduzidos no livro por Fagerlande, originário do tratado de Domingos Varella, alguns comentários de fina ironia, que permanecem atuais, foram direcionados aos músicos da época. Segue a observação, escrita em português arcaico: Não se imitem aquelles Tocadores, que de proposito fazem mudanças nos dedos, saltaõ com as maõs, desconfiguraõ o corpo, bufaõ, e gemem, a fim de mostrarem aos circumstantes pouco entendidos que a Musica que executaõ he de summa dificuldade; a qual sendo executada com simplicidade lhe naõ ganharia o aplauso dos ignorantes.

Em poucas palavras, o baixo contínuo representa a sequência sonora mais grave que se ouvia nas músicas barrocas, relativas aos acordes. Era a única forma de grafar a harmonia das obras musicais nesse período. "O baixo contínuo é um elemento essencial da música europeia nos séculos XVII e XVIII, também absorvido pela música brasileira nos séculos XVIII e parte do XIX", contextualizou o músico. "O compositor não escrevia a harmonia com notas, mas com cifras numéricas. Os números correspondiam aos intervalos que compunham os acordes. O baixo contínuo era tocado pela mão esquerda do teclado e a mão direita ficava livre para executar os acordes, que não eram escritos. O músico tinha liberdade para improvisar. Essa estrutura musical era executada em cravo, órgãos e outros instrumentos de harmonia, como a harpa, o alaúde e a tiorba – uma espécie de alaúde grande", resumiu.

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  O primeiro cravo de Marcelo Fagerlande, dado por seu
  pai, em 1973: UFRJ oferece graduação no instrumento 

No livro, Fagerlande apresenta exemplos musicais fac-similados das edições antigas (Ouça os exemplos interpretados no cravo por Marcelo Fagerlande: http://www.7letras.com.br/o-baixo-continuo-no-brasil.html). "Eles são de uma importância muito grande para quem estuda a música brasileira do período porque todos os compositores aprendiam a compor através desses tratados. O conteúdo dessas obras é o conteúdo aprendido pelos compositores, para entender a estrutura da composição musical", disse o cravista. O livro inclui ainda um glossário e uma relação dos autores e obras citados nas referidas publicações.

Cravo: instrumento de teclado que precedeu o piano

Outra fonte de pesquisa para Fagerlande é o cravo, instrumento típico da música barroca. Além de ser considerado um exímio cravista, ele é responsável desde 1995 pela disciplina de cravo na Escola de Música da UFRJ. Em 2005, a UFRJ implantou a sua graduação em cravo, considerada a primeira oferecida em uma universidade federal no País. Criado na Europa, no início do século XIV, o cravo é um instrumento de teclado cujo som é produzido por meio de uma "unha" chamada plectro, que pinça ou tange as cordas, diferindo assim do piano, instrumento cujas cordas são percutidas por martelos.

Em 2013, Fagerlande organizou, com apoio da FAPERJ, por meio do Auxílio à Organização de Eventos (APQ 2), a Semana do Cravo, na UFRJ. Criado em 2004, o encontro é realizado anualmente e oferece recitais, cursos e mesas-redondas em torno do instrumento com discentes e docentes de diversas instituições que contemplam o ensino do cravo, no Brasil e exterior. Como resultado da edição do ano passado, o cravista e pesquisador organizou outra publicação, intitulada Tratados e métodos de teclado

Essa coletânea reúne traduções das obras de importantes autores da música barroca, como Thomas de Sancta Maria, Girolamo Frescobaldi, François Couperin e Jean-Philippe Rameau. São apresentados os tratados desses autores, publicados respectivamente em 1565, 1637, 1717 e 1724. "Os apoios para essa publicação e para o livro O baixo contínuo no Brasil (1751-1851) – Os tratados em português, concedidos pela FAPERJ, contribuem para divulgar os estudos sobre música colonial do País, que embora conhecidos academicamente, ainda são desconhecidos do grande público. É uma forma de divulgar a formação musical brasileira", concluiu Fagerlande.

Sobre o músico

Natural do Rio de Janeiro, Marcelo Fagerlande é graduado em cravo com grau máximo pela Escola Superior de Música de Stuttgart (em 1986, na classe de Kenneth Gilbert), e doutor em Musicologia pela UniRio (2002). Realizou em 2004/2005 um estágio pós-doutoral no Institut de recherche sur le patrimoine musical en France (IRPMF/CNRS), Paris. Gravou diversos CDs no Brasil e na Alemanha – com destaque para Marcelo Fagerlande no Museu Imperial, Bach e Pixinguinha (Núcleo Contemporâneo) Modinhas Cariocas (Biscoito Fino) e A Arte da Fuga (Clássicos). Publicou também O Método de Pianoforte de José Maurício (Relume-Dumará). Mais informações: www.marcelofagerlande.com.br

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