Mario Nicoll
Nem asteróide nem cometa. Existem corpos celestes intermediários que têm despertado o interesse de astrônomos das mais diversas nacionalidades. São os chamados objetos transição asteróide-cometa, cuja existência tem sido bastante estudada nos últimos anos. A idéia de que os cometas apresentam coma (material ejetado que cria uma nuvem ao redor do núcleo e que também é chamado de'cabeleira') e cauda, ao contrário dos asteróides, tem se revelado cada vez mais difícil de ser sustentada. Algumas descobertas da pesquisa Pequenos corpos do sistema solar: formação, caracterização e evolução têm contribuído de forma significativa com o estudo desses objetos.
Apoiada pelo programa Cientistas do Nosso Estado, da FAPERJ, e coordenada por Daniela Lazzaro, do Observatório Nacional, a pesquisa estuda a composição superficial de asteróides em órbita cometária. "Verificamos que parecem existir duas distribuições distintas de composições. Também identificamos que a distribuição cumulativa de luminosidade de um grupo destes objetos se assemelha muito com a distribuição de cometas da família de Júpiter", explicou Lazzaro, doutora em Astronomia pela USP.
A descoberta é um forte indício de que esses objetos sejam cometas que extinguiram seus voláteis ou criaram uma crosta e evoluíram dinamicamente até a região asteroidal. "Embora muitos estudos tenham sido recentemente publicados sobre o assunto, esta é a primeira vez que temos fortes evidências observacionais sobre uma possível ligação evolutiva entre certos asteróides e algumas famílias de cometas", anima-se a pesquisadora.
Muitos objetos do sistema solar se apresentam com aparência asteroidal durante anos e de repente exibem atividade cometária. Da mesma forma, cometas deixam de ser ativos e passam a ter uma aparência asteroidal como, por exemplo, o cometa Wilson-Harrington que foi redescoberto como um asteróide. As missões de observação coordenadas por Lazzaro têm, como uma de suas metas, procurado desvendar a real diferença entre um cometa e um asteróide.
Teoricamente, essa diferença seria o local de sua formação: na região dos planetas exteriores para os cometas e entre Marte e Júpiter para os asteróides. Entretanto, sabe-se que um cometa pode formar uma crosta, impedindo a sublimação dos componentes voláteis assim como esses mesmos componentes voláteis podem se extinguir.
Embora tenha particular ênfase nos asteróides e nos cometas, o projeto de Lazzaro é bem mais abrangente. Em desenvolvimento desde 1993, ele quer desvendar a formação, a caracterização e a evolução dos pequenos corpos do Sistema Solar. "O tamanho destes corpos é o que os torna tão especiais. Exatamente por não terem acumulado muita matéria, eles foram estruturalmente pouco modificados. Logo, sua caracterização físico-química pode nos auxiliar a melhor compreender os processos de formação de todo o Sistema Solar", explica.
Por outro lado, exatamente devido ao seu pequeno tamanho, estes corpos são mais afetados por perturbações gravitacionais, levando-os a "migrar" de suas posições originais. E é esta mobilidade que torna esses objetos interessantes e, no caso de alguns, até potencialmente perigosos para a Terra na escala de milhões de anos.
Visando a caracterização físico-química da população asteroidal e cometária, o estudo de Lazzaro desenvolveu diversos programas de observações tanto fotométricas quanto espectroscópicas. As primeiras permitiram determinar as propriedades rotacionais e obter informações sobre a composição superficial, enquanto as segundas realizaram a caracterização mineralógica e de espécies moleculares.
O estudo da evolução dinâmica e colisional destes objetos, por outro lado, é realizado de forma analítica e numérica. "Vários conjuntos de asteróides e cometas têm sido selecionados para estudo devido a características particulares que nos permitam obter informações para um melhor entendimento dos processos físico-químicos e evolutivos. Entre as distintas classes, são de particular interesse os pequenos asteróides, os objetos basálticos, os objetos transição asteróide-cometa, as famílias de asteróides, os TNO e os objetos em órbitas próximas da Terra", relacionou a astrônoma.
O Brasil, que tem uma sólida tradição no estudo da dinâmica dos corpos do Sistema Solar, apenas recentemente começou a ter grupos mais ligados ao estudo das propriedades físico-químicas destes corpos. O grupo de ciências planetárias do Observatório Nacional é pioneiro nesta área. Inicialmente formado apenas por Daniela Lazzaro, conta hoje com outros doutores e alunos de todos os níveis.
O grupo teve reconhecimento nacional e internacional principalmente a partir da realização de um grande mapeamento de composições de asteróides que deu origem a outros trabalhos. Conhecido como S3OS2, o mapeamento é o segundo em tamanho atualmente disponível no mundo. Uma das conseqüências desse reconhecimento por pesquisadores internacionais foi a realização do congresso Asteroids, Comets, Meteors, organizado pelo Observatório Nacional em 2005, em Búzios, no Rio de Janeiro.
Com apoio da FAPERJ, foi a primeira vez que este congresso, já em sua décima edição, foi realizado fora da Europa e dos Estados Unidos. O livro com os principais trabalhos apresentados foi publicado este ano pela Cambridge University Press. Também será realizada no Rio de Janeiro a próxima edição do maior congresso de astronomia do mundo, a Assembléia Geral da União Astronômica Internacional, prevista para agosto de 2009.
Os bons resultados da pesquisa animaram o grupo do Observatório Nacional a investir no desenvolvimento de facilidades instrumentais. O projeto IMPACTON - Iniciativa de Mapeamento de Asteróides nas Cercanias da Terra do Observatório Nacional - vai colocar em operação um telescópio robótico. O projeto já conta com financiamento da FINEP, do MCT, do CNPq e da FAPERJ. O telescópio já está sendo fabricado e deve chegar ao Brasil em 2007.
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