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Publicado em: 24/08/2006
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Pesquisa mostra como é construída imagem ruim dos jovens pobres

Vilma Homero

Os internos em instituições têm que enfrentar um cotidiano de sofrimento físico e mentalPivete, trombadinha, moleque de rua. Essas expressões revelam o quanto crianças e adolescentes pobres têm sido vistos com temor pelo resto da população. Olhar temeroso que leva muita gente a pedir medidas punitivas cada vez mais rigorosas e até mesmo a redução da idade penal para coibir as infrações cometidas por esses adolescentes. Há cerca de 25 anos estudando a questão da criança e dos direitos humanos, a pesquisadora Esther Maria de M. Arantes acredita que as raízes desse pensamento estão em nosso passado escravocrata.

É o que ela explica em Adolescência, ato infracional e cidadania no Rio de Janeiro: 1900 a 2000; a construção do adolescente como perigoso, pesquisa apoiada pelo edital de Direitos Humanos da FAPERJ. Na contramão do rigor punitivo, ela acredita que nas saídas para a questão, o país deveria voltar-se para um modelo de desenvolvimento que priorizasse o social.

"Nossa pesquisa procura mostrar como se constituiu esse perfil e como o menino aprisionado por práticas de exclusão se vê sem perspectivas", diz a pesquisadora, coordenadora do programa de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Esther Arantes se fundamenta na história para explicar que, enquanto perdurou a escravidão no Brasil, os que eram vistos como fonte de problemas à ordem social eram os chamados "sem eira nem beira" (mendigos, desclassificados e vadios), que não tinham lugar na estrutura dual daquela sociedade dividida entre senhores e escravos.

Com a abolição, juntou-se a eles a massa de ex-escravos, que também passava a ser vista como trabalhadores subalternos ou classe perigosa. Não por outro motivo, uma das primeiras medidas adotadas pelo 1 Código Penal logo após a proclamação da República, em 1890, foi a redução da idade penal para os nove anos. Além disso, regulamentava-se o trabalho infantil, permitia-se a retirada do pátrio poder por motivo de pobreza e o envio dessas crianças, que passavam a ser definidas como menores abandonados material e moralmente, aos internatos correcionais. Iniciativas com que se procurava controlar jovens em situação de pobreza ou abandono.

Quadro que não mudou muito ao longo do tempo. Em 1905, numa inspeção às casas de detenção do estado, Franco Vaz constata numa delas a presença de 18 menores, cujos delitos variavam entre "ter atirado uma pedra num comerciante que o agredira", "ter sido apanhado perambulando ou dormindo na rua". Mais surpreendente é a recomendação de seu relatório. Vaz acha que a idade penal precisa ser aumentada, mas que os menores "abandonados moralmente" deviam permanecer em um internato correcional até os 18 anos, "para a sua proteção".

O grande avanço legal chega com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei complementar à Constituição de 1998. "Com ele, deixa de existir o menor carente ou infrator como objeto do assistencialismo ou das penas da lei, e passamos a ter crianças e adolescentes como sujeitos plenos de direitos", explica Esther. Pelo estatuto, por exemplo, infrações leves incorrem em medidas não privativas de liberdade, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida. "Todas estas medidas devem ser tentadas antes da privação de liberdade, que de acordo com o estatuto é reservada apenas para os atos infracionais cometidos mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de atos infracionais graves ou pelo descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta", fala a pesquisadora.

Segundo a pesquisadora, o estatuto garante à criança e ao adolescente direitos de cidadania que devem ser assegurados pela implementação de políticas sociais públicas que permitam uma vida com dignidade. "É uma luta histórica. Mas apesar das esperanças depositadas na Constituição de 1988, especialmente no que se refere a direitos humanos, a realidade não correspondeu às nossas expectativas, uma vez que, com o processo de globalização já em curso, privilegiando o pagamento da dívida externa em detrimento da aplicação de políticas públicas, muitos desses dispositivos terminaram deixados de lado", explica.

Na prática, embora os pais não possam mais ser destituídos do pátrio poder por motivo de pobreza, isso continua acontecendo, sob a alegação de "negligência", o que muitas vezes mascara situações de extrema carência da família. "O problema não é só da criança, mas familiar. Pais que não têm condições básicas de se manter, não terão como manter os filhos", fala.

"Houve avanços e recuos nesse meio tempo, como a universalização do ensino fundamental. Mas não se conseguiu estender essa universalização do ensino ao adolescente, mantendo-o na escola, não se extinguiu o trabalho infantil, que ainda é fonte de renda familiar, e aumentou o extermínio de jovens do sexo masculino", prossegue.

Situações que podem ser apontadas no estudo realizado em 2001 com 50 adolescentes internados no Instituto Padre Severino, no Rio de Janeiro. Nele, identificou-se o seguinte perfil: 82% dos adolescentes estavam fora da escola quando praticaram o último ato infracional; 96% começaram a trabalhar ainda criança para garantir sustento próprio ou da família; 50% perderam um ou mais membro da família (pai, mãe, irmão) por mortes violentas (acidentes ou assassinatos) ou por doenças graves mas passíveis de tratamento (tuberculose, hanseníase, complicações do pós-parto, Aids); 50% eram considerados reincidentes e 34% e 10% foram acusados de tráfico e uso de drogas, respectivamente.

Expectativa e realidade: o duro cotidiano das instituições para menores

O curioso é observar que ao ser preso pela primeira vez, esse jovem tem a expectativa de um reingresso na escola e de preparo para o trabalho. O que os aguarda, porém, é uma realidade bem diferente. "Quando os críticos do Estatuto da Criança e do Adolescente acham que ele é brando demais, ou que pivetes` têm que ser presos, é porque não conhecem o cotidiano dessas instituições. Semelhantes a prisões, o dia-a-dia em algumas destas unidades é de extrema crueldade e sofrimento físico e mental", fala a psicóloga, que coordenou recente inspeção nacional dessas unidades em todo o país, trabalho feito em parceria pelas Comissões de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, e pela Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A pesquisadora Esther Arantes examina documentos com aluno"Nos resultados, publicados e apresentados no início de mês junho, na X Conferência Nacional de Direitos Humanos em Brasília, além das fotos que falam por si, o que emerge é a superlotação das unidades, a constatação dos castigos corporais e celas fortes, a ausência ou precariedade das atividades socioeducativas, e adolescentes apresentando sofrimento mental. As falas dos internos do Instituto Padre Severino, no estudo anteriormente mencionado, são eloqüentes: "Não acho nada bom ficar o dia inteiro trancado, olhando para a cara de homem. Cadeia só dá mais ódio (14 anos)"; "Do jeito que os caras tratam os menores, não recupera ninguém. O menor fica é revoltado. Os caras dão tapas na nossa cara; nossas mães nunca deram tapas na nossa cara (17 anos)."

"Não é difícil compreender a revolta desses adolescentes. Assim, embora não se possa ignorar os atos infracionais, principalmente os de natureza grave como os cometidos contra a pessoa, isso não autoriza a criação de uma imagem genérica do adolescente como perigoso` e drogado`, como se fossem atributos de sua própria natureza e justificassem seu confinamento, apartação social, ou mesmo sua morte, como defesa da sociedade", diz.

A pesquisadora explica que, "muitas vezes, ao deixar uma instituição, mas sem poder voltar para casa ou para sua comunidade, sem perspectivas, o jovem fica pelas ruas, furta para viver ou vende drogas, até ser novamente preso ou morto em confronto com a polícia ou grupo rival". Para Esther, é um equívoco pensar em se recuperar alguém através da exclusão, ou da prisão. "O desemprego e a falta de esperança no futuro são, hoje, componentes explosivos da questão social. Cabe a nossa sociedade pensar a questão da igualdade. O Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo, resolveria muitos de seus problemas priorizando a criança e o adolescente como um sujeito de direitos e criando políticas públicas que invistam no social. Se isso não acontecer, cada vez mais veremos inchar as prisões."

Confessando-se otimista, a pesquisadora vê saídas. "Com um trabalho efetivo de educação, mobilização e organização dos movimentos sociais para assegurar cidadania plena para todos e não a existência de alguns como cidadãos subalternizados precisamos fazer com que esses direitos não fiquem apenas no papel, mas passem a fazer parte da nossa prática. Nossa esperança é de que tudo isso melhore, porque a realidade tem sido cruel com estes jovens", conclui.

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