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Publicado em: 29/06/2006
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Índios vivem dilemas semelhantes aos que o Brasil enfrenta

Vilma Homero

 

 

Aldeias acossadas por madeireiras ou por grandes plantações de soja para exportação, índios com cursos de pós-graduação, organizando banco de dados sobre sua cultura na Internet. Entre uma situação e outra, são muitos os dilemas por que passam os primeiros habitantes de nossa terra no convívio com a modernidade do chamado homem branco. Questões que, pela comparação que faz o antropólogo Eduardo Batalha Viveiros de Castro, do Museu Nacional, são muito parecidas com o impasse que vive o Brasil atual.

 

Essa avaliação faz parte do projeto Transformações Indígenas: os regimes de subjetivação ameríndia à prova da História, em que o pesquisador se propõe a atualizar os estudos sobre grupos indígenas e a analisar o impacto das mudanças que ameaçam seu tradicional modo de vida. “O projeto é amplo e foi aprovado em 2003 pelo programa Pronex, da FAPERJ, o que nos garantiu verba suficiente para as pesquisas de campo necessárias na Amazônia”, explica.

 

Com trabalho reconhecido internacionalmente e um extenso currículo de obras publicadas, Viveiros de Castro coordena cerca de 30 pesquisadores, entre doutores e estudantes de mestrado e doutorado, envolvidos no projeto, vários deles em viagem ao norte do país. “Hoje, os indígenas brasileiros têm que enfrentar uma convivência complexa e contraditória com as imposições da sociedade atual. Os índios são um Brasil em miniatura. E da mesma forma como o país vive os dilemas de escolher o modelo de desenvolvimento que pretende para seu futuro e as opções que fará para tratar questões prementes, como desigualdades ou meio ambiente, eles também têm que fazer escolhas parecidas”, compara o pesquisador.


No caso dos índios, o que se constata é que, hoje, ao contrário do que afirmavam as previsões pessimistas dos anos 1970, 1980, eles superaram o risco de extinção, resistiram e a maioria dos grupos sobreviventes apresentam crescimento vegetativo. E desmentiram a certeza de antropopólogos como Darcy Ribeiro, que há 20, 30 anos afirmavam que essas culturas seriam engolidas pela sociedade branca, condenadas a ser assimiladas como camponeses pobres ou à miséria da vida na periferia das metrópoles. Isso até aconteceu, como se evidenciou no inchaço de cidades como Manaus e Santarém. Mas houve também outras saídas.

 

“Hoje, constatamos algo um pouco diferente. Com a garantia de direitos à terra a partir da Constituição de 1988, várias comunidades rurais, particularmente nas regiões Nordeste e Sudeste, depois de séculos sendo obrigadas a negar, esconder ou esquecer sua ancestralidade nativa, passaram a reivindicar sua condição indígena, o território necessário ao pleno exercício dessa condição e a resgatar os valores culturais correspondentes”, explica o pesquisador. E prossegue: “É um fenômeno jurídico, mas também sociocultural. Com o reconhecimento do direito sobre a terra, vários grupos índio-camponeses viram algo que podia ser usado a seu favor. Nessa redescoberta, muitos deles precisaram recriar linguagem e costumes perdidos, reinventar-se, criar um presente a partir de um passado em descontinuidade.”

 

Talvez o mais simbólico dessa mudança tenha sido o uso de palavras, como “caboclo” ou “índio”, que por muito tempo tiveram uso pejorativo e carregaram o peso do preconceito, mas que, nesse processo, passaram a ser motivo de orgulho, de identidade, para certas comunidades, como observou Viveiros de Castro em diversas regiões do interior do país.

 

Movimento paralelo ao que também vem acontecendo na outra ponta dessa redescoberta de identidade indígena recalcada: um maior eco na consciência nacional e mundial de valorização das tradições culturais minoritárias de um modo geral, e indígenas em particular.

 

Mudaram os índios e mudou também a antropologia ao longo dos últimos 20 anos. “Fosse o isolacionismo, visto pela antropologia clássica como forma de resguardar o modo de existência dessas populações, fosse a aculturação, dos que viam a questão de um ponto de vista mais dinâmico, ambas as visões se mostraram insustentáveis. Porque, hoje, seja de que modo for, essas comunidades estão tendo que se haver com a cultura, a tecnologia e os valores da sociedade atual”, diz.

 

Para lidar com tudo isso, Viveiros de Castro acredita na capacidade seletiva de absorção da cultura dominante pelo índio. O que leva o antropólogo a este otimismo é, mais do que seu conhecimento, a vivência com os chamados “povos da floresta”.  “Eles nos vêem como idiotas hábeis: dominamos uma tecnologia avançada, mas somos ineptos e ignorantes nas relações humanas e sociais. Ou seja, eles estão mais interessados em nossa capacidade tecnológica do que em reproduzir nossas formas sociais, que em geral desprezam enormemente”, esclarece.

 

O que é fácil de entender. “Como sociedades baseadas na propriedade coletiva da terra, para os índios, a relação entre as pessoas é mais preciosa do que entre as pessoas e os objetos. Entre eles, a virtude maior é a generosidade, e o paradigma do mal é a avareza, que equivale ao lugar maldito do ladrão para nós, que vivemos sob a ordem social capitalista, fundamentada na defesa da propriedade particular.”

 

Assim, os chefes de uma comunidade devem ser generosos para devolver tudo o que recebem do grupo em termos de prestígio. E, desde a infância, a educação indígena procura desestimular sentimentos negativos, como inveja, ódio, avareza ou violência. “Embora sempre tenham sido sociedades guerreiras, as guerras indígenas nunca foram por conquista de território, por posse. E sim ligadas a motivos religiosos, para medir valores como a valentia e coragem dos grupos e dos indivíduos”, diz.

 

Nas relações com o mundo branco, essas diferenças crescem. “Tanto há grupos que procuram tratar com os brancos pelas normas dos brancos, enquanto internamente mantêm seus costumes; quanto há aqueles que reproduzem as classes sociais dos brancos, geralmente em torno das famílias próximas aos chefes, que acabam monopolizando os bens; ou aqueles que socializam o uso de bens obtidos no contato com os brancos, mas evitam o entesouramento. Tudo vai depender da estrutura social anterior ao convívio com a nossa sociedade, mas sempre é um ajuste difícil e penoso”, fala o pesquisador. 

 

Da mesma forma, as comunidades adotam opções diferentes. A busca pelo mercado de trabalho na sociedade branca; o arrendamento de suas terras a fazendeiros ou a madeireiras; ou as tentativas de um desenvolvimento sustentável, que lhes garanta uma renda modesta mas perene, são, na visão de Viveiros de Castro, alternativas não só de projeto econômico como de modelo de vida.

 

“E muito semelhantes ao impasse do Brasil em seguir, ou não, o modelo de desenvolvimento capitalista de países como os Estados Unidos, que tem se mostrado insustentável para dar conta de questões cada vez mais urgentes, como redistribuição de renda ou o acesso a recursos naturais, como a água, que sabemos que são finitos. Portanto, o país precisa escolher entre continuar seguindo esse caminho ou adotar uma outra forma de desenvolvimento”, compara.

 

No caso dos índios, o pesquisador se anima com certos indícios que vem percebendo. “Vejo que muitos grupos estão se armando com conhecimento para se tornarem interlocutores em pé de igualdade com os brancos”, diz. Embora ainda mínimo, cresce o número deles nas universidades, ou surgem iniciativas como a criação da Universidade da Floresta, na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, ligada ao movimento seringueiro.

 

“Eles estão tentando criar um currículo realista, uma espécie de método Paulo Freire de ensino superior, voltado para as condições da floresta. Algo como aprender biologia focando fauna e flora amazônicas, estudar economia observando a flutuação de preços dos produtos agrosustentáveis, como castanhas ou borracha, ter pajés dando aulas sobre seus rituais”, entusiasma-se. Viveiros de Castro cita ainda experiência semelhante ligada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que reúne índios de vários grupos da região.

 

“Depois disso, certamente alguns indivíduos usarão o que aprenderam vivendo entre os brancos, na cidade. Mas acho que muitos, talvez a maioria, voltarão para a tribo e aplicarão esses novos conhecimentos entre sua própria gente. Acho que a força de atração da aldeia natal é sempre muito grande”, avalia. Para o pesquisador, fica a certeza de que os índios estão construindo alternativas para seu próprio futuro. Resta saber que rumo o Brasil tomará...

 

 

 

 

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