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Publicado em: 23/03/2006
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Judiciário e Legislativo não se entendem sobre significado de funções sociais da cidade

Marina Ramalho

Quem sai às ruas das grandes cidades e vê seu crescimento desordenado, com a proliferação de prédios, favelas e da população de rua, nem imagina que a legislação brasileira sobre expansão urbana tem um discurso igualitário, considerado inovador, que visa o bem-estar de todos os cidadãos. A Constituição Federal de 1988 diz que a “política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”.

 

 

 

Diante de uma realidade que não condiz com o disposto na carta magna do país, cabe questionar: o que seriam essas funções sociais? A resposta nem sempre é a mesma. Foi o que descobriu a pesquisadora Sônia Le Cocq, coordenadora do projeto de pesquisa As Funções Sociais da Cidade em Planos Diretores Municipais e na Jurisprudência sobre Uso e Ocupação do Solo no Estado do Rio de Janeiro, apoiado pelo edital Primeiros Projetos da FAPERJ. Sônia se surpreendeu ao constatar que os Poderes Legislativo e Judiciário entendem e utilizam o conceito de funções sociais da cidade de formas diferentes, demonstrando uma falta de diálogo entre as esferas de poder.

 

O projeto vem estudando os planos diretores de sete municípios do Estado do Rio de Janeiro – São João de Meriti, Macaé, Resende, Campos dos Goytacazes, Niterói, Angra dos Reis e Rio de Janeiro – para analisar como essas leis municipais vêm se apropriando da expressão “função social da cidade e da propriedade”. Paralelamente, o grupo de pesquisa está analisando como o conceito aparece na jurisprudência sobre uso e ocupação do solo no estado do Rio.

 

Ao longo do trabalho, Sônia percebeu que muitos planos diretores de municípios apenas repetiam o que dizia a Constituição Federal de 88 sobre as funções sociais e não se aprofundavam no termo. Mas a surpresa foi verificar que as decisões judiciais que arbitravam os conflitos ligados ao uso e ocupação do solo tinham uma interpretação bem diferente.

 

Sônia e seu grupo pesquisam acórdãos (processos que já atingiram a 2 instância, e que, por isso, são julgados por pelo menos três desembargadores) disponíveis no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Para encontrá-los, o grupo usou as palavras chaves “função social da cidade” e “função social da propriedade”. Dentre os cerca de 300 acórdãos localizados, o grupo esperava encontrar decisões sobre loteamento e assentamento irregular, reintegração de posse, favela e temas afins. Mas, em vez disso, a maioria dos acórdãos se referia a taxas de iluminação pública e coleta de lixo.

 

“Isso demonstra que o poder legislativo dos municípios, responsável pela elaboração dos planos diretores, tem uma interpretação de função social da cidade diferente do poder judiciário do Estado, esfera que decide os conflitos sobre uso e ocupação do solo, o que é surpreendente”, explica a pesquisadora.

 

No entanto, Sônia vê um ponto positivo nessa constatação. O grupo observou que, a partir de 2001, quando o Estatuto da Cidade foi promulgado, a expressão passou a ser citada com mais freqüência nos acórdãos. “Embora a interpretação seja diferente na jurisprudência, esse crescimento revela que os termos, cuja interpretação é de suma importância para a criação de cidades mais justas, estão sendo mais manuseados e absorvidos pelo poder judiciário. Minha expectativa é de que, cada vez mais, se chame atenção para as funções sociais da cidade, para que os cidadãos tenham consciência de sua importância”.

 

Ela lembra que a preocupação com o impacto ambiental decorrente da ocupação desordenada do solo é uma questão recente e que também demorou para ganhar a consciência da sociedade. No entanto, atualmente, muitos planos diretores, como os de Macaé e do Rio de Janeiro, em fase de revisão, dão especial atenção à questão ambiental. A pesquisadora espera que a preocupação com as funções sociais da cidade e da propriedade também ganhe, gradativamente, mais espaço na agenda dos municípios e da sociedade civil, resultando em melhor qualidade de vida no habitat urbano brasileiro.

 

Em outubro de 2006 termina o prazo dado pelo Estatuto da Cidade para que municípios com mais de 20 mil de habitantes – além daqueles que integram regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, áreas de especial interesse turístico e sob influência de atividades com significativo impacto ambiental – elaborem ou revejam seu plano diretor.

 

“Os termos função social da cidade e da propriedade já aparecem na legislação brasileira desde a Constituição Federal de 1934. Há muitas outras referências sobre o conceito, mas em nenhuma delas há uma descrição do que, de fato, seriam estas funções sociais. Acreditamos que, ao estudar o desenvolvimento do conceito, consigamos identificar suas principais tendências, o que possibilitará o melhor manejo de idéias e ações voltadas à construção de cidades melhores e mais justas em nosso país”, defende a pesquisadora.

 

De acordo com Sônia, a expressão vem ocupando papel importante na produção acadêmica e técnica especializada na questão urbana brasileira, e também no acervo legal voltado ao ordenamento urbanístico. Na Constituição de 1988, o capítulo sobre Política Urbana faz referência às funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Mas o conceito foi ampliado com a promulgação, em 2001, do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257), que impôs a limitação do direito de propriedade em prol do interesse público.

 

O Estatuto da Cidade diz que a política urbana, como forma de assegurar as funções sociais do município, deve garantir aos cidadãos o “direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Mas o conceito permanece muito amplo, dando margem a diferentes interpretações.

 

 


 

 

 

 

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