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Publicado em: 05/05/2005
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FAPERJ apóia expansão de projeto ligado à memória musical da Maré

Vinicius Zepeda

 

Anderson Barros, 19 anos, estudante secundarista e morador do Morro do Timbaú - uma das 16 comunidades que compõe o bairro Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro - toca teclado desde os 10 anos de idade, violão e cavaquinho há 3 anos, graças ao incentivo do pai, professor de música. Barros entrou há um ano para o grupo de pagode No lance, formado por músicos da Maré, como cavaquinista. Ele fez parte ainda do Corpo de Dança da Maré, e é um dos colaboradores e beneficiados pelo projeto “Música, memória e sociabilidade da Maré”, que busca mapear os gêneros musicais existentes no bairro. O projeto é coordenado pelo professor da UFRJ Samuel Araújo e acaba de ser premiado com uma bolsa Cientistas do Nosso Estado da FAPERJ para o período de março de 2005 a fevereiro de 2006. 

 

O projeto de Samuel Araújo está registrando a relação entre gêneros musicais – como o forró, funk, hip-hop, pagode, rap, charme, samba, gospel, rock, entre outros – e as diferentes etnias e identidades sociais presentes -baianos, paraibanos, mineiros, negros, brancos, mulatos, etc. O trabalho investiga ainda de que modo a violência permeia estilos musicais como o funk, o rap, e o heavy metal. O comércio de fitas, cds e lps independentes lançados por músicos da região e vendidos ali mesmo também é estudado no trabalho. “Estamos criando um mapa musical da Maré através da realização de entrevistas simuladas, exibição e debates de vídeo. E o mais interessante neste trabalho é que os próprios moradores da Maré, além de nos ajudar nesse projeto, são a fonte da nossa pesquisa”, afirma. 

 

Um dos mais ativos participantes da pesquisa, Anderson Barros vê no mapa uma oportunidade de conhecer melhor as riquezas musicais de seu bairro e uma esperança de que a Maré passe a deixar de aparecer na imprensa apenas na crônica policial. “Além de conhecer melhor a riqueza musical da comunidade espero que, com o projeto, a mídia passe a nos ver de maneira mais positiva mostrando a riqueza cultural e musical do nosso bairro e deixe de enfocar apenas a violência”, diz.

 

A história do projeto começou no final de 2003 quando Eduardo Duque - mestrando em musicologia pela UFRJ, morador da Vila do João e colaborador da Rede Memória da ONG Ceasm (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré), realizava uma pesquisa sobre identidades culturais na Maré. Durante esse trabalho, ele teve a idéia de propor ao seu orientador, o professor Samuel Araújo, que o Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ criasse um projeto em parceria com o Ceasm para mapear as práticas musicais e sociais da Maré. Araújo apoiou a idéia e em março de 2004 estava escrito, a quatro mãos, o projeto “Música, memória e sociabilidade da Maré”.

 

Eduardo Duque é o responsável pela coordenação local do projeto. A pesquisa, que durante o ano de 2004 ficou restrita às comunidades de Nova Holanda e Morro do Timbaú,  graças ao apoio do Programa Cientistas do Nosso Estado da FAPERJ, será expandida para as outras 14 comunidades que compõe a Maré. No ano passado o projeto contou com o apoio do CNPq (Edital Universal n1 – março 2004/fev 2005), UFRJ (ajudas de custo mensais) e do Ceasm - que cedeu uma sala com dois ambientes localizada nas dependências da Casa de Cultura da Maré.

 

O documentarista Márcio Blanco - colaborador do Ceasm desde sua criação e responsável pela oficina de vídeo local – está  transmitindo para os pesquisadores/moradores seus conhecimentos técnicos de filmagem e edição de imagens. Para ele, a reunião desse material pode servir até para que no futuro seja feito um documentário.

 

Blanco considera que o envolvimento dos moradores da Maré no mapa é um modo revolucionário de reduzir a distância entre a Universidade e a comunidade. “A idéia é que no futuro esses estudantes ensinem a outros moradores da Maré os conhecimentos de pesquisa, filmagem e edição de imagens”. Ele reforça ainda a necessidade de transmitir o resultado da pesquisa para os outros moradores da Maré. “Se isso não ocorrer, corremos o sério risco de criarmos um outro abismo na Maré entre os moradores envolvidos na pesquisa e a comunidade como um todo”, adverte.

 

Para Vanessa Moraes, 19 anos, estudante secundarista, moradora da Favela Nova Holanda e desde março de 2004 participando do projeto, o aspecto mais importante é o relacionamento entre os moradores da Maré e os professores da Universidade. “É como se nos conhecêssemos há muito tempo. Eles não têm preconceito conosco, nos dão o maior valor e sempre lembram que o projeto serve para beneficiar a nós mesmos e não a apenas eles”, acrescenta.

 

O sucesso do trabalho Samuel é crescente. O projeto já foi apresentado em 7 simpósios durante o ano de 2004; um local, dois nacionais e quatro internacionais. Neste ano a pesquisa foi apresentada neste dia 5 de maio no seminário Cultura e Inclusão Social, promovido pelo Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ. O trabalho ainda será apresentado no 16 Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em música, no Rio de Janeiro, no Simpósio sobre direitos em imagem e som em Antropologia promovido pelo Departamento de Antropologia da USP (Universidade de São Paulo) em 10 de junho e ainda no Colóquio de Pesquisa da Pós-Graduação em Música e na Jornada de Iniciação Científica, ambos na UFRJ e ainda sem data marcada. 

 

A metodologia de pesquisa utilizada no mapa é baseada nos ensinamentos do célebre educador brasileiro Paulo Freyre. ”Aproveitamos o potencial de reflexão que já existe na comunidade e procuramos aumentá-lo através de um intenso diálogo e do trabalho coordenado pela equipe universitária”, conclui.

 

Samuel Araújo, Eduardo Duque e a equipe do Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ estão tão satisfeitos com o projeto que planejam estendê-lo num futuro próximo para a Mangueira, Morro da Serrinha, Rocinha e outras comunidades conhecidas pela sua riqueza musical. Não só os moradores destas comunidades, mas os cariocas agradecem pelo trabalho de preservação e resgate da memória musical da cidade.  


Maré de esperanças

 

Em 1983, nascia no Hospital Geral de Bonsucesso Rosilene de Matos, filha do mineiro e auxiliar de limpeza Francisco Ricardo com a baiana e dona-de-casa Maria Célia Matos Ricardo. Alguns dias depois, o casal voltava com a filha para casa, no Parque Ruben Vaz, localizado no Bairro Maré – aglomerado de 16 comunidades de baixa renda que se estende da altura de Bonsucesso até os limites da Ilha do Governador e é habitado por 130 mil moradores, segundo dados do Censo Maré 2000. Quando Rosilene tinha quatro anos de idade, a família se mudou para a Vila do Pinheiro, outra comunidade da Maré.

 

Aos 17 anos, em 2000, Rosilene se matriculou num curso de produção literária no Ceasm.  Sua vocação e interesse pela escrita foram logo percebidos por suas professoras e por um dos repórteres de O Cidadão – jornal do Bairro Maré –, que a convidou para participar do informativo. Em 2001, também através do Ceasm, participou do Curso de Formação de Monitores do Museu da Vida – projeto desenvolvido em parceria entre a Fiocruz e o Programa Jovens Talentos da FAPERJ. Sua rotina se transformou: para conciliar o estudo, a monitoria no Museu da Vida, o trabalho no jornal O Cidadão e a gerência de um armarinho na Favela Nova Holanda, Rosilene começava cedo  e só voltava para casa às 23h.

 

Seu talento para o jornalismo é evidente. Hoje, além de coordenar O Cidadão, ela trabalha no setor de Comunicação do Museu da Vida. Rosilene acredita que o jornalismo deve servir para melhorar não só a sua qualidade de vida como  a de todos os moradores da Maré. “Iniciativas como essa me fazem acreditar que a gente pode e deve lutar para melhorar nossa vida e a da nossa comunidade e não desistir nunca de nossos sonhos”, avalia. E Rosilene não desiste: persegue o sonho de ser jornalista desde 2002, quando tentou entrar para a universidade pela primeira vez. Até hoje, ela continua se preparando num cursinho pré-vestibular.

 

 

O Ceasm e o orgulho de ser maréense

 

Anna Karla de Souza da Silva, 24 anos, estudante do penúltimo período de Biblioteconomia da Uni-Rio, é colaboradora da Rede Memória do Ceasm e está ajudando na catalogação e arquivamento do material de filmagem e entrevista do mapa. Ela é mais um exemplo de sucesso do trabalho desenvolvido pelo Ceasm desde sua criação em 1997, que tem como objetivo principal criar nos moradores da Maré o orgulho de ser maréense.

 

Assim como Rosilene, Anna Karla também foi estagiária do Curso de Formação de Monitores do Museu da Vida, cujo trabalho conheceu em 1999 através do Ceasm, onde fazia curso pré-vestibular comunitário. Na época, Anna foi morar na casa de uma tia na comunidade Salsa e Merengue – localizada na Maré.

 

Em 2001, Anna ingressou na faculdade de Biblioteconomia da Uni-Rio no turno da noite. Assim como Rosilene, passou a ter uma difícil rotina: Museu da Vida, Ceasm e faculdade.  Nessa ocasião,  voltou a morar com os pais em Olaria.  Entretanto, seu trabalho no Ceasm e o que aprendeu no tempo em que morou ali fazem com que ela nunca perca a identidade maréense. “Espero nunca deixar de ajudar o Ceasm, pois ele é muito importante em tudo o que faz aqui pela Maré, que ainda considero a minha casa”, afirma Anna.

 

Hoje, a estudante não é mais monitora do Museu da Vida. Depois de passar por todos os estágios possíveis, passou a ser bolsista de Iniciação Científica na Fiocruz.

 

Anna considera o mapa extremamente necessário para a preservação da cultura musical da Maré. Ela espera que o projeto sirva para melhorar a qualidade de vida no local e a realizar os sonhos de seus colegas maréenses. “Espero também que esse trabalho contribua para levar outros negros, como eu, à universidade, onde, infelizmente ainda somos poucos. É só reparar quanto espaço de estacionamento existe na universidade para concluir o quanto o ensino superior ainda é elitista”, observa.

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