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Publicado em: 01/11/2018 | Atualizado em: 05/11/2018
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Ao defender tese na UFRJ, pesquisador alerta que em tempos de crise é preciso investir

Paula Guatimosim

Saneamento básico deve ser um dos serviços públicos de 
prioridade dos governos 
(Fotos: Divulgação)

A crise econômica, que atinge o Brasil desde o final de 2014, muito se deve à adoção de uma política de austeridade como único caminho para recuperar a economia. Por austeridade, entende-se redução de gastos públicos e de salários, com o objetivo de melhorar as contas públicas e restaurar a competitividade da economia. Assim o economista Kaio Sousa Mascarenhas Pimentel avalia a situação por que vem passando o País nos últimos quatro anos. Em sua tese de doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulada “Ensaios sobre política fiscal, demanda efetiva e finanças funcionais”, o pesquisador dá sugestões para “construir uma ponte entre o economicamente possível e o politicamente interditado”.

Para tornar sua tese mais acessível, Pimentel define a palavra crise como “o aumento da ociosidade dos fatores de produção, que são tudo o que a sociedade utiliza para produzir os bens e serviços para sua própria reprodução material”. Segundo ele, na crise, as fábricas produzem menos do que poderiam e há o aumento do desemprego. “Traduzindo para o cotidiano das pessoas, isso acontece porque a demanda daqueles que podem pagar o preço pelo qual as empresas topam vender seus produtos e serviços, está em níveis baixos. Assim, para sair da crise, é necessário ampliar esta demanda, aumentando o nível de gasto, seja investindo ou consumindo”, explica didaticamente o pesquisador, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur/UFRJ).

Mestre em Economia Política Internacional, também pela UFRJ, ele diz que, em tese, qualquer agente poderia fazer os gastos necessários para ampliar a demanda. Entretanto, para que haja efeito sobre os níveis de produto (PIB é uma das medidas de produto) e emprego, é necessário um aumento do nível de gastos que os agentes privados, em geral, não possuem. Principalmente porque, em tempos de crise, as empresas privadas acabam não investindo, pois estão com a demanda pelos seus produtos reprimida, não justificando ampliar a produção e/ou a capacidade produtiva.

Ele alega que o Estado/Governo é o agente que, por excelência, pode romper com a lógica privada das decisões. Primeiro, porque não enfrenta uma restrição financeira na moeda que emite, segundo, porque dispõe de instrumentos que podem ser utilizados de acordo com o interesse público em aumentar os níveis de produto e emprego. Assim sendo, o cientista econômico defende que qualquer caminho que leve a um futuro desejável com pleno emprego, desenvolvimento tecnológico e maior proteção social precisa, necessariamente, de mais gasto público.

Para Pimentel, que contou com uma bolsa do Programa Doutorado Nota 10 da FAPERJ para realizar sua tese, orientada pelo professor Franklin Leon Peres Serrano, o governo tem vários instrumentos para atingir este objetivo, entre eles aumentar seu nível de gasto em consumo ou investimento; aumentar as transferências de renda ou reduzir a tributação de quem ganha menos, estimulando a elevação do consumo privado; ou ainda, reduzindo a taxa de juros, que podem impactar decisões de investimento residencial, consumo e investimento das empresas. Em sua opinião, em um país cuja infraestrutura e serviços públicos são tão precários e a desigualdade tão grande, os investimentos prioritários deveriam ser focados no aumento e melhoria do provimento de serviços públicos, como saneamento básico, por exemplo, e elevação do padrão de consumo das pessoas de baixa renda.

O pesquisador explica que quando o Estado investe, gera demanda direta e indireta pelos produtos e serviços das empresas privadas. Direta, porque o investimento público implica que empresas privadas vendam bens e serviços para o governo. Indireta, porque as empresas, ao receberem uma demanda adicional do governo, precisam contratar trabalhadores e comprar insumos para atender esta demanda. Os trabalhadores, por sua vez, consomem os salários recebidos e é isso que vai dinamizando a economia.

Em sua opinião, a lógica das finanças públicas deveria – e poderia ser – a gestão do nível agregado de gastos que promove o pleno emprego dos fatores de produção pelo governo. “A única restrição verdadeiramente econômica a este processo reside no que chamamos de restrição externa, e consiste no fato que não pagamos nossas contas externas com nossa moeda; portanto, necessitamos de uma estratégia para assimilar e desenvolver tecnologia para aumentar, melhorar e diversificar nossas exportações”, argumenta.

Como a política fiscal define basicamente o volume e a composição das receitas e despesas públicas, continua o pesquisador, idealmente esta definição estaria regulada por princípios de justiça tributária e teria como objetivos fundamentais a prosperidade material da sociedade (crescimento e desenvolvimento econômico), a diminuição da desigualdade por meio da tributação, a melhora dos serviços públicos etc. “Infelizmente, estamos ficando cada vez mais longe deste ideal, pois nossa carga tributária é ainda muito regressiva (tributa mais o pobre, proporcionalmente), o governo federal está restrito pela Emenda Constitucional 95 e, portanto, basicamente não pode utilizar a política fiscal nem para induzir o crescimento e o desenvolvimento econômico”, avalia Pimentel.

Gráfico apresenta a evolução da taxa de desocupação no
mercado de trabalho – PNAD contínua (2014-2018)

O pesquisador acredita que a doutrina das finanças sadias, a ideia de que o Estado não deve gastar mais do que arrecada, tornou-se um fim em si mesmo. “Em geral, os defensores desta ideia pregam que o Estado não deve aumentar a tributação para poder gastar mais. Sem elevação do nível de gasto público, seja com financiamento deficitário ou com tributação progressiva, devemos ficar condenados a uma longa estagnação”, alerta.

A respeito dos erros na condução das políticas econômicas, ele lembra que governos estão sujeitos a diversos grupos de interesses e, muitas vezes, o que tendemos a conceber como erros de política econômica, na verdade são opções políticas diferentes. Ele destaca o artigo “Os Aspectos Políticos do Pleno Emprego”, um clássico de 1943, de Michal Kalecki, sobre como a dinâmica de economias capitalistas alterna momentos de prosperidade com momentos de crise, sendo esta alternância produto das tensões de uma sociedade de classes. Como exemplo da teoria de Kalecki no Brasil, Pimentel relembra que, em dezembro de 2014, o País chegou a uma de suas menores taxas de desemprego que se tem registro. Ele acredita que “a radical virada na política econômica feita em 2015, pela ex-presidente Dilma, a adoção e a defesa pública de políticas de austeridade, é produto destas tensões”. Adicionalmente, relembra Pimentel, diversas forças políticas progressistas têm aceitado o discurso tradicional da teoria econômica, a qual pressupõe que uma economia de mercado é composta por mecanismos que produzem uma tendência endógena ao pleno emprego, sem necessidade do governo intervir. Surge, a partir desta aceitação, a adoção do receituário de políticas “austeras”. “Infelizmente, temos vários exemplos de países cuja sociedade está sendo amplamente prejudicada com aumento do desemprego e redução da proteção social, entre eles o Brasil”, argumenta. Ele cita dá o exemplo do recente livro Reclaiming the State: a progressive vision of sovereignty for a post-neoliberal world (2017), no qual seus autores, William Mitchell e Thomas Fazi, contam a história de como alguns governos de esquerda foram sucumbindo ao discurso da economia ortodoxa/marginalista e começaram a adotar políticas de austeridade na Europa antes dos ventos neoliberais capitaneados por Ronald Reagan e Margareth Thatcher, nos anos 1980.

Mas resolver questões cruciais do desenvolvimento econômico brasileiro é uma tarefa ampla, pois envolve questões conjunturais e estruturais, difíceis e relevantes, que requerem diagnóstico, planejamento de longo prazo e alianças estratégicas. Entretanto, aponta o economista, “há elementos conjunturais emperrando totalmente a capacidade de agir do governo”. Segundo ele, qualquer caminho que leve a um futuro desejável com pleno emprego, desenvolvimento tecnológico e maior proteção social precisa, necessariamente, de mais gasto público. E, para ele, enquanto existir a Emenda Constitucional 95, todo este debate está interditado e poderá ser agravado, uma vez que o conflito distributivo dentro do orçamento tenderá a retirar recursos das áreas prioritárias.

Em sua tese, o pesquisador pretende “ajudar a construir uma ponte entre o economicamente possível e o politicamente interditado”. Sua pesquisa defende que política fiscal e política monetária assumem uma centralidade inequívoca para se atingir e manter o pleno emprego, à luz de dois princípios teóricos: o princípio da demanda efetiva e a teoria da taxa de juros exógena (causa externa). A tese também procurou contribuir para a superação de algumas lacunas analíticas e teóricas no entendimento do impacto da política fiscal no longo prazo e no debate sobre condicionantes internos do financiamento do governo em países de moeda soberana.

Pimentel propõe uma ponte entre o possível economicamente e o politicamente interditado

Da teoria à prática, Pimentel crê que é plenamente possível uma política econômica cujos objetivos centrais sejam o pleno emprego, o crescimento e o desenvolvimento econômico e que é possível o Estado liderar este processo. Entretanto, ele ressalva que o debate sobre política fiscal está sendo crescentemente interditado; que desde os anos 1980, por vários motivos, têm aumentado os constrangimentos institucionais e políticos que condicionam o gasto público. Assim como a EC 95, ele cita a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), “que praticamente não sofre críticas à esquerda e à direita, mas do modo como está institucionalizada, um governo é chamado de responsável se, diante de uma queda da arrecadação, reduz o gasto público”, pondera.

Em sua opinião, a LRF afeta, sobretudo, os entes subnacionais (estados e municípios). Para uma dada estrutura e carga tributária, uma queda da arrecadação é resultado de um nível de atividade menor. “Num cenário como esse, a economia precisa de mais gasto. E não menos. Se estamos certos sobre nossos princípios teóricos, a LRF, do modo como foi institucionalizada, não atende ao interesse público”, afirma. O pesquisador alerta que não é sempre que o governo deve gastar mais, mas apenas quando a economia está abaixo do pleno emprego. Se a economia está com ociosidade em níveis altos, o governo deveria poder gerir este nível de gasto para promover o pleno emprego.

“Há certo tabu na discussão pública sobre essas questões hoje em dia, à medida que a institucionalização de leis que constrangem o gasto público está avançando. No debate público, os que defendem a elevação do gasto público, seja nos momentos de crise seja para liderar o crescimento, são tachados de irresponsáveis. Não há no debate público, um debate sério sobre premissas, relações de causalidade e evidência empírica”, critica o pesquisador. Exemplo: o “ajuste” fiscal iniciado em 2015 contribuiu para contrair o nível de produto e elevar a taxa de desocupação. Os defensores daquelas medidas não só não assumiram o erro, como agora estão querendo acabar com as conquistas da Constituição, seja com a EC 95 e/ou com a reforma da previdência.

Ao responder como colocar sua teoria em prática, o economista ressalta que teoria envolve premissas e relações de causalidade; possibilita que seja traçada uma rota até onde se deseja chegar. Muitas vezes, acompanhada de avaliações e reavaliações conforme o conhecimento acumulado ao longo do caminho, a evidência empírica. Já a prática, continua o pesquisador, é um processo de construção coletiva, essencialmente político, que envolve disputa de poder em vários níveis, entre as classes sociais, intraclasses e entre os Estados nacionais. Além disso, ele considera que as conjunturas internacionais são relevantes e condicionam graus de liberdade nacionais.

Pimentel argumenta que a experiência internacional e a própria história brasileira mostram que há inúmeras rotas possíveis, e o jogo do poder e da política é que vai definindo qual rota será seguida. “Há inúmeras rotas possíveis, daí ser essencial que saibamos por qual caminho e onde queremos chegar”, conclui o pesquisador, lembrando uma célebre frase de Winston Churchill: “Só não tem inimigo quem nunca lutou por nada”.

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