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Publicado em: 28/09/2017
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Um desafio que sempre traz muitos resultados positivos*

Vilma Homero

      
Cleonice Costa no laboratório de Parma, onde foi possível provar
a biocompatibilidade de um medicamento à base de
quitosana e pilocarpina contra o glaucoma (Fotos: Arquivo pessoal) 

Ao voltar de sua estada de quatro meses na cidade italiana de Parma, a farmacêutica Cleonice Marques Costa trazia um grande trunfo na bagagem: durante seu doutorado-sanduíche, havia conseguido provar a biocompatibilidade de um sistema polimérico em fármaco contra o glaucoma, à base de quitosana e contendo pilocarpina. Em outras palavras, um medicamento à base de quitosana e pilocarpina para tratamento de glaucoma. Mas para chegar a esse resultado, foi preciso submeter o fármaco em desenvolvimento a testes muito específicos. Para fazer alguns deles, no entanto, seria preciso atravessar o Atlântico, já que não seria possível realizá-los no Brasil. “Em Parma, há um laboratório com estrutura e expertise para fazer esse tipo de experimento. Foi assim que consegui provar minha tese”, explica Cleonice, que atualmente é funcionária da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para a maior parte dos egressos do programa doutorado-sanduíche – como é chamado o Estágio de Doutorando no Exterior –, a temporada de estudos e pesquisas fora do País contabilizou muitos ganhos e, para a grande maioria, trouxe também a sensação de haver superado alguns desafios. Para Cleonice, por exemplo, poder submeter seu sistema a testes de permeação em tecido animal foi decisivo. “Pude usar olho de porco, que tem quase 90% de similaridade do olho humano. Só assim consegui provar que o fármaco tem potencial de uso em humanos”, afirma a pesquisadora, que trabalha na produção de um artigo científico sobre o tema. “Ainda não sei se será publicado em revista de oftalmologia ou de nanotecnologia”, diz.

       
Sandy Videira fez parte do primeiro programa de doutorado-sanduíche da FAPERJ,
e, em 2011, passou seis meses na Universidade de Groningen, na Holanda 

Instituído como um dos programas da FAPERJ no final de 2010, o doutorado-sanduíche tem como objetivo fomentar redes cooperativas entre instituições estrangeiras de ensino superior e pesquisa e estudantes de doutorado matriculados em programas de pós-graduação sediados no estado do Rio de Janeiro e reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação. Foi a Capes que, nos idos dos anos 1970, na gestão de Darcy Closs, introduziu as primeiras bolsas-sanduíche no País, assim chamadas porque previam que apenas uma parte e não mais a totalidade do curso de doutorado seria realizado no exterior.

As bolsas são, assim, destinadas a doutorandos que necessitem desenvolver no exterior parte da pesquisa relacionada a seus trabalhos de tese, a ser defendida no Brasil. O período de vigência da bolsa pode variar de quatro a 12 meses e o candidato deve comprovar proficiência no idioma do país de destino.

O exemplo de Cleonice é um entre muitos. Em entrevista concedida a edição nº 30 de Rio Pesquisa, o ex-presidente da FAPERJ, Augusto da Cunha Raupp, destacou a internacionalização das universidades e o aumento de iniciativas destinadas a fomentar o intercâmbio entre pesquisadores nativos e estrangeiros. “O intercâmbio, tanto na academia quanto no campo da tecnologia, é importante para que possamos, a partir de outras experiências, alcançar maior competitividade não apenas no mercado global, mas também no mercado doméstico”, disse.

Para o diretor Científico da Fundação, Jerson Lima Silva, houve também, nas duas últimas décadas, um inegável crescimento da ciência e tecnologia no País, assim como aumentaram tanto o número de instituições de qualidade quanto a produção acadêmica. “Hoje, temos laboratórios de ponta que, em princípio, poderiam levar a se pensar que a experiência no exterior seria desnecessária. Mas ficar exposto a ideias diferentes, em um ambiente intelectual diversificado, é essencial para a formação de um pesquisador, abre novas perspectivas, novos horizontes”, explica. Motivo para que as instituições acadêmicas venham investindo cada vez mais na internacionalização. “A internacionalização é um passo importante no amadurecimento das instituições”, afirma Lima Silva.

O diretor Científico Jerson Lima Silva fez doutorado na
Universidade de Illinois, nos EUA, há mais de 30 anos

O diretor Científico fala por experiência própria. A primeira vez que viajou, em um “doutorado-sanduíche”, foi há exatos 30 anos, em 1985. “O programa ainda não existia institucionalmente no País e só foi implantado pelo CNPq alguns anos mais tarde”, admite Lima Silva. Aluno do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ e morador de subúrbio carioca, ele conheceu a Universidade de Illinois, nas cidades americanas geminadas de Champaign e Urbana, antes mesmo de ver como era a praia de Ipanema. “Fiquei no laboratório do professor Gregorio Weber, pioneiro nos estudos de proteínas e de fluorescência. Não poderia ter sido melhor”, frisa, se apressando em acrescentar: “Nossa formação nada deixa a desejar quando comparada a de muitas instituições estrangeiras. Especialmente agora, quando crescemos em áreas de conhecimento em que antes tínhamos deficiência. Quando volta, o aluno traz uma enorme bagagem de conhecimento e uma experiência que impacta não apenas a ele, mas, ao defender sua tese, amplia esse impacto também para a instituição, contribuindo para melhorar-lhe a qualidade no ranking de educação”, afirma Silva.

Essa bagagem ampliada, arejada por novas ideias e pontos de vista, é unanimidade entre os doutorandos de volta do Brasil. “É importante interagir com grupos de outros países, ver o que outros pesquisadores estão pensando e desenvolvendo no mesmo campo. Isso faz com que voltemos também cheios de energia e com o olhar renovado”, diz Cleonice, que deve defender tese em agosto deste ano.

Rodrigo Couto em frente à Université Pierre et
Marie Curie, integrante do polo da
Sorbonne Universités 

Trajetória semelhante teve Rodrigo de Souza Couto nos 12 meses – de outubro de 2012 a outubro de 2013 – em que trabalhou com afinco em sua tese Estratégias e Análise de Resiliência em Redes de Centros de Dados, no laboratório de informática LIP6, da Université Pierre et Marie Curie, que integra o polo de ensino superior francês chamado Sorbonne Universités. Instalado na cidade universitária internacional de Paris, que reúne residências estudantis de vários países dentro de um amplo parque situado na parte sul da capital francesa, Couto garante que a convivência pluralista intensificou a experiência de estar vivendo e estagiando em um país estrangeiro. “Fiquei com uma maioria de brasileiros na Casa do Brasil, mas o intercâmbio com estrangeiros era intenso. Convivíamos com os moradores de diversas nacionalidades, incluindo amigos do laboratório de Bioquímica, em que minha noiva trabalhava. Foi uma experiência cultural fantástica”, lembra.

Ampliar o olhar e manter o foco, sem se perder em projetos ambiciosos, foi o que norteou a permanência da engenheira agrônoma Sandy Sampaio Videira na Europa. “Fiz parte do primeiro programa de doutorado-sanduíche da FAPERJ, e passei de maio a outubro de 2011 na Universidade de Groningen, na Holanda. Durante essa estada, aprendi a ver meu projeto de forma mais objetiva, conseguindo identificar todos os pontos mais importantes e escrevê-lo de modo mais conciso, mais direto”, diz a pesquisadora. Apresentar a colegas e professores o trabalho que estava desenvolvendo e seus resultados preliminares, ouvindo opiniões e críticas com objetividade, lhe permitiu concluir e defender a tese Diversidade de bactérias diazotróficas associadas a plantas de capim-elefante, cultivadas no estado do Rio de Janeiro quatro meses depois de voltar do exterior e a publicar artigo na revista Plant and Soil.  Em julho, Sandy foi chamada para trabalhar no Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA), onde dá aulas atualmente. De lá pra cá, ela também fez pós-doutorado em Agronomia.

Marcelo Martins: o clique que faltava para
juntar as pontas soltas de seu trabalho

Para o cientista político Marcelo Martins Vieira, os seis meses passados na UCSD – Universidade da Califórnia San Diego –, entre dezembro de 2011 e junho de 2012, também teve ganhos importantes. “Foi um desafio transformador. Nunca tinha viajado para um país de língua inglesa e ter que raciocinar em idioma estrangeiro, somando-se ao fato de estar cursando um programa considerado como um dos Top Ten do mundo, foi não apenas um enorme impacto acadêmico, como também um período de crescimento pessoal”, admite Marcelo. Some-se a isso estar em contato com professores de altíssimo nível, de prestígio internacional. Tudo contribuiu para que, nesse período, ele conseguisse resolver questões cruciais em sua tese, intitulada Controle Político e Desempenho da Burocracia no Presidencialismo de Coalizão.  “Tive o clique que faltava e consegui reunir as pontas soltas do meu trabalho”, admite.

Outro ponto que tem a concordância de praticamente todos os comentários é a boa estrutura de laboratórios e bibliotecas que encontraram à disposição nos países em que estiveram. “As diferenças que vivenciei, no Brasil e no exterior, foram da água para o vinho. Não somos inferiores em termos de conhecimento, mas, no Brasil, temos limitações de infraestrutura e no acesso a reagentes necessários ao trabalho. Isso não acontece fora, onde você tem tudo com facilidade”, comenta Tatiana Tilli, que estagiou em um laboratório da Universidade de Liège, na Bélgica, para levar adiante seus estudos em biologia celular e molecular na área oncológica.   

É bem verdade que nem todos se surpreenderam com o que encontraram. Segundo Couto, a estrutura do moderno laboratório da universidade francesa não era assim tão diferente do que ele estava habituado na Coppe, como é chamado o Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ.  Mas o fato foi que, durante a estada, sua tese avançou muito, nem tanto pela estrutura disponível, mas particularmente pela troca de diferentes experiências, que contribuíram para ampliar seu trabalho científico. “Foi uma troca intensa, incrível”, diz Couto.

Para Marcelo Martins, o rígido sistema acadêmico americano e a ampla estrutura disponível o ajudaram a manter a concentração na tese. “Eles mantêm um padrão de excelência que exige seriedade e grande dedicação do aluno. Contando com todas as condições para fazer um trabalho de ponta, o doutorando entra tábula rasa e sai tinindo”, exagera. Ele diz que com ele não foi diferente, dedicando todo o tempo ao trabalho. “Não estava ali para fazer turismo. Para dar conta de tudo, eu chegava a frequentar a biblioteca da universidade até mesmo aos domingos. Minha tese avançou absurdamente.”

Para a bióloga Tatiana Tilli, o doutorado-sanduíche
foi um passo fundamental em sua carreira 

Se os ganhos da experiência inegavelmente foram positivos para a grande maioria, também houve dificuldades no caminho. Entre elas, os inevitáveis tropeços iniciais no idioma para quem passa a viver num país estrangeiro. Em geral, elas foram superadas após um período de adaptação e cursos para acelerar o processo. “As diferentes universidades que integram a Sorbonne recebem muitos alunos estrangeiros, entre eles, vários brasileiros, o que sem dúvida facilitou. Além disso, logo no início da estada, fui chamado para a monitoria de um aluno francês. Isso serviu para aprimorar o idioma. Foi, na verdade, um intensivo de francês”, conta Couto. A mesma coisa aconteceu com Tatiana. “Como no ambiente do laboratório o pessoal procurava facilitar nossa comunicação, falávamos o tempo todo em inglês. Só sentia dificuldades com a língua fora do ambiente acadêmico.” Para contornar o problema, Tatiana foi matriculada em um curso de francês pela própria universidade.

O saldo positivo se revelou ainda depois do período acadêmico, no campo profissional. O fato de haver passado um período de estágio no exterior pesou na balança na hora da competição no mercado de trabalho. “Ao deixar o Inca [Instituto Nacional do Câncer], onde trabalhei desde a época da iniciação científica até o pós-doutorado, foi que senti na prática o quanto o doutorado fora é valorizado. Vi o quanto isso faz diferença em uma contratação”, diz Tatiana, que atualmente trabalha no Centro de Desenvolvimento de Tecnologia em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

Os ganhos profissionais, aliás, são um ponto em que todos concordam. Apesar das dificuldades iniciais, todos os que passaram por um doutorado-sanduíche enfatizam o quanto a experiência foi importante, não somente do ponto de vista acadêmico, como do ponto de vista pessoal e profissional. Marcelo Martins viu o quanto seu currículo foi valorizado a partir da estada fora.  "Participei de várias seleções para professor e pesquisador de pós-doutorado e fui aprovado em todas." Ele acabou optando por uma posição no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Recentemente, também fui aprovado em primeiro lugar em concurso público para professor adjunto no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).  Tatiana não apenas concorda, como acrescenta: “Para mim, foi fundamental na carreira. Ao mesmo tempo, nem tenho como mensurar o ganho para a minha vida pessoal. Viver um período em país estrangeiro faz você crescer como indivíduo, amplia seus horizontes”, avalia.

Para Couto, mais do que “uma ótima experiência cultural”, os resultados rendem frutos até hoje. “Mantivemos contato com o orientador, que depois veio ao Brasil, e já realizamos diversas colaborações.” Sua tese foi defendida no início deste ano. Nesse meio tempo, Couto também passou em concurso para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e continua mantendo a colaboração entre Uerj, UFRJ e França.

Cleonice e Marcelo Martins só lamentam não ter estendido a experiência por mais tempo. “Fiquei quatro meses e acabei achando que foi muito pouco tempo. Porque os três primeiros meses foram de adaptação, até me sentir mais à vontade, inclusive com o idioma. E, quando me senti adaptada, já estava na hora de voltar...”, lamenta Cleonice. Marcelo concorda em gênero, número e grau: “Se tivesse ficado um ano, o ganho teria sido ainda maior. Só posso dizer que foi a experiência acadêmica mais importante da minha vida.”

*Reportagem originalmente publicada em Rio Pesquisa, Ano VIII, Nº 31 (Junho de 2015)

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